Diversidade

Pessoas com deficiência criticam falta de espaço na esquerda

Em conversa com CartaCapital, militantes PCDs falam sobre assistencialismo, capacitismo e conservadorismo religioso 

Luciana, Victor e Leandrinha, militantes PCD. Foto: reprodução.
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Leandrinha Du Art é uma mulher trans com deficiência que, aos 25 anos de idade, tem um currículo extenso: social media, comunicadora, fotógrafa, CEO de projetos, colunista da Mídia Ninja e uma figura política. 

Militante da causa PCD (Pessoas Com Deficiência), Leandrinha se considera uma mulher de esquerda. Em 2018, foi candidata a deputada federal pelo PSOL, mas não conseguiu garantir uma cadeira em Brasília.

“Eu sinto que a pauta PCD é a turminha do fundão da esquerda. Não há um trabalho elaborado para atrair corpos com deficiência dentro desse campo. A pauta não é prioridade. Não é o carro chefe. Não é destaque e muito menos a pauta da moda. É apenas uma pauta trampolim”, diz a militante. 

Leandrinha Du Art. Foto: Reprodução;.

Hoje, em nível federal, apenas dois parlamentares são pessoas com deficiência. A senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP) e o deputado federal Felipe Rigoni (PSB/ES).

Mara se define como de direita. Já Rigoni se posiciona mais ao centro, embora seja de um partido de esquerda. Por vezes, optou por não seguir as orientações de sua legenda, como na votação da Reforma da Previdência. À época, o partido aprovou uma punição ao parlamentar.

“A gente não consegue espaço dentro da esquerda e nem queremos compactuar com a direita. Então, qual é o nosso lugar politicamente? Eu ainda estou esperando um líder que vai sentar à mesa conosco. Ser ouvida, ter minha pauta como carro-chefe, como pauta da moda. Esse momento ainda há de vir e eu vou lutar para isso”, diz Leandrinha. 

O movimento dentro da direita 

Na posse do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama, Michelle, prometeu que as pessoas com deficiência seriam valorizadas e teriam seus direitos garantidos no governo do marido.

Três meses após o discurso, o presidente deu fim ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), que reunia setores da sociedade civil na elaboração de políticas públicas sobre o tema. 

“A direita consegue se pautar no desespero, de forma muito assistencialista. Ela consegue pautar o PCD dando esmola. Temos um movimento que não se atualiza e se informa, aí qualquer medida que a direita faz já contempla. Existe uma falta de informação política que só fortalece o movimento dentro da direita”, pontua Leandrinha. 

“Ter Michelle Bolsonaro [como representante] chega a ser um desserviço. Até em um primeiro momento a gente entendia que era a primeira vez que um governo estava pautando o movimento PCD, mas na verdade é um carro alegórico, pois o tema é pautado de forma assistencialista”, acrescenta. 

Capacitismo e o conservadorismo religioso 

Além do assistencialismo, há também o capacitismo. O cineasta e ator Victor di Marco explica que o termo remete ao preconceito sofrido pelas pessoas com deficiência. 

“Existem exemplos de capacitismo que a gente conhece. A mais famosa é usar a pessoa com deficiência como herói, como um exemplo de superação. Isso é muito errado, porque estamos tirando a humanidade dessa pessoa, colocando-a em um pedestal e fazendo a gente se afastar delas”, diz o comunicador. 

Ele ressalta que o capacitismo é uma forma de “passar pano” para todas as dificuldades enfrentadas: “O ideal seria a pessoa não precisar superar os problemas, como falta de acessibilidade por exemplo. A ideia de ser um herói romantiza a falta de políticas públicas para as pessoas com deficiência”. 

E o que isso tem a ver com o conservadorismo religioso?

Victor explica que o movimento ganhou força na década de 70. De lá para cá, muita coisa mudou, mas algumas estruturas permanecem. 

“A direita sempre teve um cunho extremamente moralista e cordial. E por isso PCDs são vistos com olhar de pena, misericórdia e devoção. E disso a direita se nutre muito”, diz Victor. 

O comunicador afirma que a religião defende a ideia de assistencialismo, e que isso afeta diretamente a pauta PCD.

“Acaba roubando nosso lugar de fala”, critica. “As pessoas sempre se colocam como os heróis que vão nos salvar”.

Assista ao vídeo

Um corpo político 

Luciana Trindade nasceu em São Paulo e aos 13 anos foi diagnosticada com Distrofia Muscular, que causa uma degeneração progressiva da musculatura.

Desde então, a paulistana, que é cadeirante, se transformou em uma militante pelos direitos das pessoas com deficiência. 

Aos 41 anos de idade, Luciana já passou por diversos cargos públicos até que em 2018 tentou uma vaga como deputada estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Segundo ela, foi quando sentiu a dificuldade de um corpo com deficiência na política e na esquerda. 

“O começo não foi nada fácil. Precisei insistir e persistir muito na minha candidatura, principalmente levando em consideração que existe um senso comum de que as pessoas com deficiência não são capazes de se representar. Mesmo na esquerda a representatividade é quase nula”, conta. 

Luciana Trindade. Foto: Reprodução.

Luciana recorda que só a partir de 2018 foi possível se identificar como pessoa com deficiência nos registros das candidaturas.   

“Os partidos ainda não nos enxergam como sujeito com direitos. Eles enxergam a gente como pessoas que precisam de políticas públicas com gastos absurdos, porque questão de acessibilidade tem custo alto para algumas coisas. Então, nesse sentido, os mandatários  não vêem os PCDs como pessoas capazes de promover políticas públicas e de gerar uma transformação social”.

Luciana não foi eleita em 2018. Neste ano, ela vai concorrer à Câmara de Vereadores de São Paulo pelo PSB em uma chapa coletiva com outros três candidatos PCDs. 

“O meu maior objetivo é trabalhar para modernizar a legislação vigente, principalmente no que se refere às necessidades emergenciais das pessoas com deficiência e seus familiares”, afirma.

Quais pautas devem ser defendidas fora do assistencialismo?

Todos os militantes da causa PCD ouvidos pela reportagem criticaram as políticas assistencialistas como única opção apresentada pelo Estado.

Luciana diz que essas políticas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que garante o pagamento de até um salário mínimo por mês a aposentados e pessoas com deficiência -, são essenciais, mas que sozinhas não bastam.

“Saúde, educação, transporte, esporte, lazer, emprego, moradia são pautas essenciais para o desenvolvimento social e econômico das pessoas com deficiência”, afirma. 

Segundo ela, é preciso investir em políticas públicas de acessibilidade arquitetônica, digital e comunicacional: “É preciso ter esse olhar um pouco mais específico, entendendo que as necessidades são iguais para todos, mas que para as pessoas com deficiência existe a questão do acesso, da comunicação. Existem algumas especificidades que não são assistencialismo, mas necessidades. Precisamos desse olhar mais atento e inclusivo”. 

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