Política

Pedro Hallal: ‘Vou seguir manifestando as mesmas opiniões’

Epidemiologista virou alvo de processo por criticar ações do governo Bolsonaro na pandemia; em entrevista, ele diz não crer em coincidências

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas. Foto: Reprodução/Academia Brasileira de Letras
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Doutor em Epidemiologia e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, o professor Pedro Hallal é um dos pesquisadores mais críticos à ação do governo do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia.

Chegou a escrever uma carta para a conceituada revista científica The Lancet, chamada de “SOS Brasil: Ataques à Ciência”.

Em entrevista a CartaCapital, de janeiro, chamou o enfrentamento brasileiro à Covid-19 de “vergonhoso” e disse que as declarações de Bolsonaro são “vexatórias”.

 

Eis que no Diário Oficial da União, na terça-feira 2, a Controladoria-Geral da União publicou o extrato de um Termo de Ajustamento de Conduta que cita Hallal. Trata-se de um acordo em que o professor fica impedido, por dois anos, de descumprir o Artigo 117 da Lei nº 8112/1990, que proíbe os servidores públicos de “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”.

A publicação descreve que o professor proferiu “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao presidente da República, quando se pronunciava como reitor”, durante transmissão ao vivo nos canais da universidade na internet, em 7 de janeiro deste ano, que se configura como “local de trabalho”.

Na ocasião, Hallal havia criticado a possibilidade de um interventor na universidade. No dia anterior, Bolsonaro havia nomeado reitora na instituição sem respeitar a eleição interna. A comunidade acadêmica, no entanto, contornou o caso e nomeou dois reitores em cerimônia simbólica.

Desde então, Hallal virou alvo de processo aberto pelo deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), na CGU, órgão no qual, por vezes, tramitam processos administrativos disciplinares. O parlamentar disse que tentaria a demissão do reitor.

Em entrevista a CartaCapital nesta quarta-feira 3, Hallal diz que não houve advertência e que “escolheu” assinar o TAC, porque, dessa forma, poderia arquivar o processo. Por outro lado, comprometeu-se a não infringir o artigo citado.

“Talvez não seja coincidência que eu sou um dos pesquisadores que mais têm feito críticas à atuação do governo durante a pandemia”, afirma o epidemiologista.

Ainda assim, o professor assegura que não mudará seu comportamento e que seguirá com suas manifestações em relação à conduta da gestão federal na crise sanitária. Para ele, uma das principais soluções para amenizar o caos atual seria mudar a presidência da República.

“Se a gente tivesse que elencar uma única medida que ajudaria a resolver os problemas, é trocar o comando do País. Se a gente tivesse alguém no comando do País que, minimamente, ouvisse a opinião dos pesquisadores, o Brasil jamais teria chegado a mais de 250 mil mortes.”

Confira a entrevista na íntegra a seguir.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, em cerimônia de militares. Foto: Marcos Corrêa/PR

CartaCapital: O senhor diz que não houve advertência alguma. O que ocorreu?

Pedro Hallal: Houve uma denúncia protocolada por um deputado bolsonarista contra mim, chamado Alcíbio Nunes, que pedia minha demissão do cargo de professor universitário por ter cometido faltas gravíssimas. Essa denúncia foi para a Controladoria-Geral da União, que fez a investigação preliminar e imediatamente se afastou a possibilidade de quaisquer delitos passíveis de demissão. Na análise preliminar, o que a CGU diz é que, em tese, a única infração que poderia ser investigada era esse suposto descumprimento desse artigo sobre a “manifestação de desapreço”.

Como a CGU viu baixo potencial ofensivo nessa suposta falta, ao invés de abrir um processo administrativo contra mim, me ligou para dizer: ‘Olha, tem a possibilidade de teres infringido esse artigo aqui que, caso confirmado, a tua punição seria uma advertência. Tu tens duas opções. Ou respondes ao processo e, no final, vais ser absolvido, ou vais receber a advertência; ou então tu assinas um TAC e o processo é imediatamente arquivado’.

Conversando com meus advogados, optei por assinar o TAC. O que é isso? O TAC não implica em reconhecimento de culpa e impede que esses fatos sejam novamente apurados. No momento em que assino o TAC, o denunciante não pode dizer que está indignado e que quer que processo continue. O processo é imediatamente arquivado. E com o que eu me comprometo? Eu me comprometo a, durante dois anos, não infringir o artigo. Eu não digo ‘não infringir novamente’, porque não há reconhecimento de culpa. Mas eu me comprometo a não infringir esse artigo. Aí, o processo foi arquivado. Isso já faz duas semanas. É que hoje saiu o extrato do arquivamento no Diário Oficial.

CC: Há algum tom de vigilância ou ameaça nesse acordo?

PH: Primeiro, eu não precisei assinar o TAC, eu escolhi assiná-lo. Agora, vamos começar a falar numa linguagem menos jurídica. É óbvio que eu não acredito em coincidências, sou pesquisador. Se todos os servidores públicos que falam mal do presidente fossem processados, nós estaríamos vivendo outra época. Então, por que o presidente e o seu grupo resolveu processar a mim? Fica para os leitores de vocês julgarem. Mas talvez não seja coincidência que eu sou um dos pesquisadores que mais têm feito críticas à atuação do governo durante a pandemia. Publiquei um artigo no Lancet mostrando que três a cada quatro mortes no Brasil poderiam ter sido evitadas se o governo não fizesse tanta bobagem. Se é retaliação, os leitores é que precisam fazer o julgamento.

CC: Ao assinar esse termo, o que pode acontecer se o senhor infringir o artigo acordado?

PH: Aí se abriria um processo administrativo, como normalmente aconteceria. Se eu não tivesse assinado o TAC, e infringi o artigo, abre-se um processo administrativo também. É a mesma coisa. Por que eu assinei o TAC? Ele diz que eu não vou descumprir o artigo. Ora, eu não pretendo descumprir nenhum artigo.

CC: O senhor já passou por isso em algum momento da carreira?

PH: É totalmente inédito. Representa o momento de exceção que estamos vivendo. Nunca passei e nunca imaginei passar por isso. Já ouvi falar de histórias de pessoas da geração dos meus pais e avós. Nunca imaginei que, na minha geração, a gente voltaria a viver coisas como essa.

CC: A partir de agora, algo na sua conduta deve mudar? Como o senhor pretende se comportar?

PH: Olha, vou seguir manifestando as mesmas opiniões que eu manifesto até hoje, em todos os assuntos sobre os quais sou consultado. Especialmente sobre a Covid-19. Esse processo, formalmente, não tem nada a ver com a Covid-19, mas todo mundo sabe que, na prática, ele tem tudo a ver com a Covid-19. Então, vou seguir manifestando livremente as minhas opiniões sobre a tragédia, o fracasso que é a ação do governo federal no combate à pandemia, que tem custado as vidas de tantos brasileiros. Estão morrendo pela incapacidade do governo em aplicar as medidas sanitárias defendidas pela ciência.

CC: Quais as medidas mais urgentes contra a Covid-19 agora?

PH: Vacinar o mais rápido possível a população, manter o distanciamento rigoroso nas próximas semanas para evitar que o colapso se torne ainda maior, além das recomendações individuais, de uso de máscaras, evitar as aglomerações a qualquer custo e manter a higienização. Eu não vou nem citar as outras recomendações que demorariam mais tempo e que, sinceramente, o governo federal não tem capacidade de liderar: uma política de testagem em larga escala e de rastreamento de contato. São coisas que a gente tem dito desde o começo da pandemia e nunca foram feitas pelo governo federal.

CC: Se essas ações não estão sendo tomadas até agora, então as perspectivas do senhor são pessimistas.

PH: Claro. Sem dúvida nenhuma. Certamente, a situação vai se agravar. Se a gente tivesse que elencar uma única medida que ajudaria a resolver os problemas é trocar o comando do País. Se a gente tivesse alguém no comando do País que, minimamente, ouvisse a opinião dos pesquisadores, o Brasil jamais teria chegado a mais de 250 mil mortes. Três de cada quatro mortes teriam sido evitadas se o Brasil tivesse um desempenho do enfrentamento à pandemia igual à média mundial. Não estou dizendo ser igual à Nova Zelândia, é se a gente fosse igual a média. Isso dá uma noção da dimensão do quão fracassada é a política do governo Bolsonaro no enfrentamento à pandemia.

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