Política
‘Participei de encontros com os caras que querem empurrar vacina’, revela virologista do ‘gabinete das sombras’
Áudio de 2020 também revela a defesa de tratamentos ineficazes contra a Covid-19
Em áudio enviado a médicos por um aplicativo de mensagens no início de setembro de 2020, o virologista Paolo Zanotto questiona vacinas contra a Covid-19, espalha fake news sobre um suposto ‘tratamento precoce’ e revela ter participado de reuniões relacionadas à compra de imunizantes.
Zanotto é o responsável por sugerir ao presidente Jair Bolsonaro a criação de um ‘gabinete das sombras’ para aconselhamento extraoficial durante a pandemia. O shadow cabinet, como chamou Zanotto, é um dos focos da CPI da Covid, o que motivou o especialista a tentar viabilizar uma mudança para o Canadá.
A figura de Zanotto está ligada ao ressurgimento do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) como alvo da CPI. Foi o parlamentar bolsonarista quem organizou, em 8 de setembro do ano passado, uma reunião no Palácio do Planalto em que Bolsonaro recebeu de médicos defensores de remédios ineficazes a sugestão de criar um ‘gabinete das sombras’.
Agora, um áudio obtido pelo site Metrópoles e enviado uma semana antes da reunião de 8 de setembro de 2020 mostra Zanotto debochando da Coronavac, vacina produzida no Brasil pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac. O virologista se refere ao imunizante como “Chin Doria”.
Depois, Zanotto disse, sem apresentar qualquer prova, que o chamado ‘tratamento precoce’ contra a Covid-19 teria evidências mais sólidas de efetividade do que as vacinas.
“O mesmo pessoal que está indo totalmente a favor da aplicação de vacinas agora são os mesmos que querem evidência tipo A para o uso da hidroxicloroquina. Quer dizer, que canalhice é essa? Te garanto que existe muito mais evidência que o tratamento precoce funciona”, afirmou.
Adiante na mensagem, Zanotto revela: “Nós vamos conversar com o presidente do Brasil e, depois, à tarde, no Senado e, no dia seguinte, nós vamos conversar com o ministro da Saúde e o pessoal de lá”.
O virologista ainda declara, sem fornecer detalhes, que participou de encontros com “os caras que querem empurrar vacina, e o que eles estão mais preocupados é [com] autorização de Anvisa”.
Segundo o Metrópoles, o áudio foi respondido por Arthur Weintraub, que chamou Zanotto de “grande doutor Paolo”.
“Tentei te ligar agora, mais tarde tento te ligar de novo, mas também deixei contigo aí o endereço de e-mail do nosso gabinete”, disse o irmão de Abraham Weintruab, conforme o veículo.
Na mira da CPI, Zanotto quer o Canadá
A convicção de senadores é de que um ‘ministério paralelo’ está no centro da postura negacionista do governo federal em meio à emergência sanitária. Teria partido do grupo, por exemplo, a promoção de tratamentos comprovadamente inúteis contra a Covid-19, baseados em medicamentos ineficazes e na contaminação em massa da população. Tudo isso em oposição à prioridade na compra de vacinas.
Após a divulgação do encontro de setembro do ano passado, Zanotto solicitou ao Instituto de Ciências Biomédicas da USP uma autorização para se afastar por dois anos e morar no Canadá.
Segundo a USP, Zanotto teria pedido a licença para trabalhar como professor-visitante no British Columbia Institute of Technology. “O afastamento, sem prejuízo dos vencimentos, está amparado pelo inciso IV, do artigo 40, do Estatuto do Docente da USP (Resolução USP 7.271). O prazo do afastamento também está dentro do permitido, ou seja, máximo de dois anos (Artigo 41), não haverá contrapartida financeira por parte da instituição anfitriã (Artigo 42) e toda a documentação está em conformidade ao exigido (Artigo 43)”, registrou a universidade.
A BICT, entretanto, fez questão de divulgar uma nota nas redes sociais para esclarecer que Zanotto “não é professor adjunto” da instituição.
“Esse indivíduo contatou o BCIT para organizar uma visita acadêmica de curto prazo, não remunerada e não docente, referente a pesquisa relacionada à purificação da água. Visitas internacionais dessa natureza estão sujeitas a processos internos e externos de verificação do BCIT – incluindo a aprovação da Imigração do Canadá. O pedido está pendente”, diz a mensagem.
BCIT strongly supports and encourages the use of approved vaccines, cited by Canadian health officials and the World Health Organization as one of our strongest tools in the fight against COVID-19. pic.twitter.com/LzXjls1R8P
— British Columbia Institute of Technology (BCIT) (@bcit) June 9, 2021
“O BCIT apoia e incentiva fortemente o uso de vacinas aprovadas, apontadas pelas autoridades de saúde canadenses e pela Organização Mundial da Saúde como uma de nossas ferramentas mais poderosas na luta contra a Covid-19.
Diante da repercussão, nas redes sociais, do desmentido da universidade canadense, Zanotto voltou a reclamar das críticas.
“Os políticos estão desacreditando alguém envolvido no desenvolvimento de 3 vacinas para o vírus da Zika, que sugeriu ao governo um grupo anônimo de cientistas independentes para acompanhar a avaliação das plataformas de vacinas sem possível interferência das empresas”, escreveu, em inglês.
Arthur Weintraub ‘conselheiro’
Em transmissão nas redes sociais no dia 10 de junho, Bolsonaro confirmou a influência de Arthur Weintraub sobre assuntos relacionados à pandemia. Na live, voltou a defender o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus, dizendo que o suposto ‘tratamento inicial’ traria resultados.
“Fui um dos raros chefes de Estado a apostar nisso. Uma das pessoas que conversaram comigo sobre isso, no início, foi o Arthur Weintraub”, afirmou.
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