Política

Para especialistas, nova política de drogas atinge os mais vulneráveis

Decreto prevê um aumento na repressão ao tráfico e incentiva a diferenciação entre usuário e traficante

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Na noite desta quinta-feira 11, o presidente Jair Bolsonaro divulgou um decreto da nova Política Nacional sobre Drogas. Nela, o pesselista coloca em prática muitas promessas de campanha como o tratamento baseado em abstinência, e não a redução de dano, apoio ao modelo de comunidades terapêuticas, prática adotada pelas igrejas, entre outros.

Além de incentivar essas medidas e se posicionar contra a legalização das drogas, o decreto prevê um aumento na repressão ao tráfico e incentiva a diferenciação entre usuário e traficante observando o local e as condições em que se desenvolveu a ação de apreensão, as circunstâncias sociais, as pessoais, a conduta e os antecedentes do envolvido.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cristiano Marona, essa mudança na política de drogas é ultrarradical, semelhante a países como Rússia, Irã e Filipinas. “É uma medida fadada ao fracasso”, disse.

Marona conta que um debate para que a Justiça levasse em conta apenas fatos objetivos para diferenciar tráfico de uso vinha sendo feito, mas que o decreto deixa claro que essa ideia não será adotada pelo governo. “É uma política que vai fortalecer o pensamento de que brancos são usuários e negros traficantes”, afirmou.

A carne mais barata

A coordenadora da Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas, Nathalia Oliveira, acredita que a política apresentada pelo presidente é racista. “A nova política de drogas continua mascarando sua intencionalidade racista, atrás de um propósito que a princípio parece bom, no entanto irreal. Não existe um mundo sem drogas assim como as políticas de drogas só criminalizam e segregam a população negra no Brasil”, disse.

Para Nathalia, essa medida serve para duas coisas: garantir o orçamento do Ministério da Justiça para as comunidades terapêuticas e colocar em prática partes do projeto anti-crime do ministro Sérgio Moro.

“Esse decreto vem numa pressão do governo para construir alguma resposta desses 100 dias, por que sabem que estão desgastados. Um governo autoritário só consegue responder à sociedade com mais autoritarismo”, afirmou

A cura santa

A medida agrada não apenas a ala evangélica dos apoiadores de Bolsonaro, mas também a setores da iniciativa privada que realizam serviços de ressocialização para viciados. Segundo informou o secretário nacional de cuidados e prevenção às drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro, as demais estruturas da rede de atendimento, como os Centros de atenção psicossocial devem passar por mudanças para acolher o novo modelo.

“O tratamento por abstinência é baseado em um conceito que está na base da dependência química, que é o descontrole que determinado indivíduo tem em relação ao uso de determinada substância. Se tem esse descontrole, ele não vai conseguir bons resultados em uma política que coloca como modelo a redução de danos que parte da premissa que o indivíduo vai controlar minimamente para evitar danos que a substância causa para si”, afirmou à Folha de S.Paulo.

“O resultado dessa lei é mais gente internada em comunidades terapêuticas, retomada de ambientes que eram parecidos com manicômios, com violações de direitos, o aumento do encarceramento. É a política que esse governo consegue construir para a população mais pobre no Brasil que no caso é negra”, concluiu Nathalia ao jornal.

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