Política

Órgãos investigatórios no Rio têm “infiltração bolsonarista”

Relatos de Bolsonaro e Marinho e casos Queiroz e Marielle apontam membros de PF, MP e PM no núcleo “particular” de informações do presidente

Presidente Jair Bolsonaro com seus filhos, Eduardo e Flávio. Foto: Carolina Antunes/PR.
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Na reunião ministerial de 22 de abril, Jair Bolsonaro comentou a existência de um sistema “particular” de informações. No dia em que o vídeo da reunião veio a público, em 22 de maio, contou a jornalistas quem faz parte desse sistema: “Um colega de vocês da imprensa”, “um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio”, “um capitão do Exército”, “um policial civil em Manaus”.

Esse sistema “particular” de inteligência ajuda Bolsonaro, segundo o próprio, a proteger a família, conforme algo dito por ele na mesma entrevista. “O tempo todo vivendo sob tensão. Possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu, onde provas seriam plantadas. Graças a Deus, tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio.”

Esses acontecimentos e declarações apontam uma “infiltração bolsonarista” em órgãos públicos do Rio de Janeiro e que foi o desejo de avançar seu “sistema particular” que levou Bolsonaro a demitir, na marra, o diretor-geral da Polícia Federal (PF) e nomear um outro cuja primeira decisão foi mudar o chefe da corporação fluminense.

A “infiltração” pode ser vista, por exemplo, no relato do empresário Paulo Marinho (PSDB), suplente do senador Flavio Bolsonaro, de que o filho do presidente recebeu informação privilegiada de um delegado da PF na eleição de 2018. A dica era sobre uma operação, a Furna da Onça, que iria às ruas dali a alguns dias e prenderia funcionários e deputados da Assembleia Legislativa do Rio.

Além da dica, o policial dizia, segundo Marinho, que era bolsonarista e que a Furna da Onça seria realizada apenas depois do segundo turno da campanha presidencial, para não atrapalhar o resultado da eleição, o que de fato ocorreu.

A operação tinha material incriminador contra Fabricio Queiroz, então chefe do gabinete de deputado estadual de Flavio, embora o ex-PM não tenha sido alvo de prisão. Logo após a dica do PF, Flavio acertou a demissão de Queiroz. Era 15 de outubro de 2018. No mesmo dia, uma filha de Queiroz, Nathalia, foi exonerada do gabinete do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília.

Um grupo de auditores-fiscais sustenta, desde fevereiro de 2019, que o relatório incriminador para Queiroz foi feito pelo Coaf, o órgão federal de combate à lavagem de dinheiro, sob medida para tirar o foco do ex-PM. “Se referia apenas a um ano (de movimentação bancária), enquanto que nos alvos da Operação Furna da Onça o período investigado era de quatro anos, o que causou estranheza para quem conhecia a sistemática de elaboração dos relatórios do Coaf”, afirmam.

Diante do relato de Paulo Marinho, os auditores dizem ser “quase impossível” que um delegado da PF tenha agido sozinho na ajuda a Flavio e Jair Bolsonaro, e para postergar a Furna da Onça. “As denúncias que vem à tona agora demonstram”, segundo eles, que o “núcleo da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro” era “controlado por agentes públicos que apoiavam os Bolsonaro”.

A Furna da Onça, de 8 de novembro de 2018, é filhote da Lava Jato no Rio. Corria no Ministério Público Federal (MPF). Graças à posterior ampliação do relatório do Coaf sobre Queiroz, ele e Flavio são investigados hoje, mas no MP do estado do Rio. Até fevereiro de 2019, o caso estava com o promotor Cláudio Calo. Ele teve de afastar-se, porém, ao se saber que, em 30 de novembro de 2018, ele reunira-se às escondidas com Flavio.

“Bolsonarismo infilrado” obrigou uma colega de Calo no MP do Rio a também deixar um caso. Há fotos nas redes sociais da promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho com camiseta do presidente. Soube-se delas em novembro de 2019, quando Carmen, com duas colegas, descartou o depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro na Barra da Tijuca no inquérito do assassinato de Marielle Franco.

O crime tem dois acusados, os ex-PMs Ronnie Lessa, vizinho de condomínio de Bolsonaro, e Elcio Vieira de Queiroz, ambos presos. A Delegacia de Homicídios do Rio recebeu em 15 de outubro de 2018 uma denúncia anônima de que um ex-PM chamado “Lessa” seria o assassino da vereadora, conforme notícia de O Globo em 14 de março de 2019.

15 de outubro de 2018 foi o dia da demissão de Queiroz do gabinete de Flavio e da filha Nathalia do gabinete de Jair. Teve mais nesse dia. O presidente, então só candidato, foi ao Bope, tropa de elite da PM do Rio. Recorde-se: no Bope do Rio há gente que Bolsonaro diz fazer parte de seu sistema “particular” de informação. Naquele ato de campanha, o ex-capitão afirmou que estava  ali “dando continência para coronel, mas quem vai mandar nesse país serão os capitães”.

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