Política

Órgãos de controle protegem Guedes no caso dos “negócios ocultos”

Sigilo e postura de Pilatos marcam a atuação de STF, PGR, MPF-DF, TCU e Comissão de Ética

O ministro da Economia, Paulo Guede. Foto: Carl de Souza/AFP
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O ministro da Economia, Paulo Guedes, está em apuros por causa dos impactos econômicos do coronavírus. Insiste que a saída é aprovar reformas, medidas de consequências no médio e longo prazos, o que aumenta o mau humor do Congresso com ele. O plano tem “quase nada” de efeito imediato, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), neoliberal feito o ministro.

Guedes não pode se queixar, porém, de má vontade em uma outra seara, esta de seu interesse particular. Em relação à suspeita de que teria “negócios ocultos” em empresas das quais ainda seria sócio direto ou via laranjas, tem sido muito bem tratado pelo Ministério Público, a Comissão de Ética Pública, o Tribunal de Contas da União (TCU) e até o Supremo Tribunal Federal (STF).

O Supremo recebeu em fevereiro um pedido para tirá-lo do cargo, por causa de uma aparente “blindagem”. Sem Guedes no governo, seria mais fácil investigá-lo, alega o pedido. A corte lavou as mãos. Encaminhou o caso quatro dias depois à Procuradoria Geral da República (PGR), topo do Ministério Público, sem tomar providências próprias, como submeter o assunto a um juiz da casa.

A equipe do procurador-geral, Augusto Aras, um indicado de Jair Bolsonaro, também repetiu Pilatos. Ao receber o material do Supremo, repassou ao Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF), na forma de uma notícia de fato. Tinha tido atitude igual (repassar ao MPF-DF) ao receber, em dezembro, uma requisição para investigar os “negócios ocultos” de Guedes.

Os dois desdobramentos (o pedido de afastamento de Guedes do cargo e o de investigação dele) foram postos sob sigilo na PGR no MPF-DF.

O TCU é outro Pilatos. Auxiliar do Congresso na vigilância do governo, havia recebido o mesmo pedido de investigação de Guedes em dezembro. O caso estava com o ministro Bruno Dantas. Em 11 de março, o TCU arquivou o processo. Não viu indícios suficientes de “conflito de interesses”. Aprofundar a investigação sobre isso caberia à PGR, ao MPF em Brasília e à Comissão de Ética.

“Paulo Guedes está blindado, quero uma reunião com o PGR para conversar sobre isso. O ministro não pode continuar no cargo, há um claro conflito de interesses”, afirma o deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ), autor do pedido de investigação enviado à PGR em dezembro e do afastamento de Guedes requerido ao Supremo em fevereiro.

Ramos reuniu documentos em juntas comerciais sobre a vida empresarial de Guedes e diz que ele tem “negócios ocultos” no ramo financeiro. Se for verdade, o ministro teria violado a Lei de Conflito de Interesses (12.813, de 2013). Toma no cargo decisões com as quais seus “negócios ocultos” ganham ou perdem. Guedes afirma ter saído de todos os negócios antes de assumir o posto.

Pré-governo, Guedes era alvo da Operação Greenfield, que apura rolos em fundos de pensão de estatais. O procurador-chefe da força-tarefa da Greenfield, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, entendeu que ele merecia uma averiguação específica, por possível crime contra o sistema financeiro. No passado, uma empresa de Guedes tinha pego grana de fundos de pensão para aplicar em educação.

Em 2 de outubro de 2018, mês da eleição de Bolsonaro, Lopes baixou uma portaria a determinar a instalação de um Procedimento de Investigação Criminal (PIC) contra Guedes. Nela, tinha deixado claro que era para ser tudo transparente, sem sigilos. “Considerando que há fatos relativamente antigos a serem investigados, determino que o novo PIC (assim como o presente) tramite em regime de publicidade e com alta prioridade (com atenção para os prazos prescricionais)”, diz a portaria.

A portaria deu origem a um inquérito da Polícia Federal (PF) em 11 de novembro de 2018, aos cuidados da delegada Danielle de Meneses Oliveira Mady. No MPF-DF, o caso ficou com o procurador Henrique de Sá Valadão. E este, contrariando a visão do chefe da força-tarefa, tornou o PIC sigiloso, “a bem da investigação”.

Dentro do governo, Guedes foi blindado pela Comissão de Ética Pública, órgão da Presidência, e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que está sob sua jurisdição.

Paulo Ramos havia requisitado à Comissão uma cópia da declaração patrimonial que Guedes, como acontece com todos os ministros, precisou entregar ao entrar no governo. A solicitação foi negada no início de fevereiro. O presidente da Comissão, Paulo Henrique Lucon, alegou que a declaração está protegida por sigilo graças à Lei de Acesso à Informação, a 12.527, de 2011.

A negativa da Comissão foi usada pelo deputado ao requerer ao Supremo o afastamento de Guedes do cargo. Seria um exemplo do poder do ministro de proteger-se graças à influência do cargo.

O mesmo poder teria se manifestado anteriormente no BNDES.

A Câmara dos Deputados teve em 2019 uma CPI do BNDES. Ramos era membro dela e requisitou informações ao banco sobre financiamentos a empresas e fundos dos quais Guedes fez ou faria parte.

O presidente do banco, Gustavo Montezano, só se pronunciou, segundo o pedetista, quando a CPI já tinha terminado. Sua resposta não citava empresas, só setores. E continha uma recomendação esquisita: guardar as informações sob sigilo. Ramos não conseguiu levar para o gabinete uma cópia do documento. Só pode olhar e fazer anotações.

Montezano trabalhou no passado em um banco fundado por Guedes, o BTG Pactual. Antes de chegar ao comando do BNDES, posto para o qual foi indicado pelo “posto Ipiranga”, havia sido secretário-adjunto do ministro para privatizações.

Perante o STF, Ramos alegou que o caso do BNDES caracterizaria “blindagem institucional” de Guedes pelo próprio “posto Ipiranga”, graças aos poderes ministeriais dele. Seria uma situação de potencial “crime de responsabilidade”, inclusive. Mas o STF lavou as mãos.

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