Política

Oposição não tira vantagem da “balbúrdia” do governo Bolsonaro

A oposição assiste atônita aos desmandos e à autofagia do governo e continua sem apontar uma saída

Livre, e agora? Lula prega uma aliança à esquerda contra o governo. Mas a sua força aglutinadora ainda é incerta
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Cercado por um quórum de artistas, aliados e admiradores que lotou o Circo Voador na última quarta-feira 18, o ex-presidente Lula ensaiou um chamado para uma frente ampla de esquerda. Contra o que chamou de “fascismo instalado no governo brasileiro”, disse contar com o PCdoB, o PSOL e “uma parte do PDT”. A direção desta última sigla não vê as coisas assim. “Essa tática diversionista não tem espaço dentro do PDT”, rebate Carlos Lupi, presidente de partido. Segundo ele, o partido tenta reeditar a mesma estratégia da época do governo Dilma, quando, em 2012, indicou Brizola Neto a um ministério para conquistar o apoio do partido. No horizonte, 2022. “Nosso candidato é o Ciro e Lula sabe disso.”

O saldo do primeiro ano de oposição ao deputado do baixo clero que virou presidente é ambíguo. Conseguiu-se, por um lado, evitar em escárnio completo e reagir de forma rápida e contundente aos desmandos do governo. O maior e mais sintomático exemplo é a concertação liderada por Marcelo Freixo (PSOL) que evitou o mal maior no pacote anticrime. A reforma da Previdência, porém, passou pelo Congresso com relativa tranquilidade. E como bem ilustra o diálogo do parágrafo acima, o campo progressista está longe de superar as rixas de 2018: a troca de farpas pública e a pouca disposição ao diálogo e a uniões estratégicas. 

 

A disputa nas cidades será o grande balão de ensaio para esta guerra. Lula livre embola esse meio de campo, é fato. Mas ainda é cedo para medir os impactos da soltura do ex-presidente. A plateia que ouviu o discurso de Lula no Rio não era maior do que aquela que comparecia aos atos por sua libertação. Interlocutores do Centrão, aliás, duvidam da capacidade petista de liderar uma oposição ampliada. Enquanto isso, Lula tem mantido a proximidade pública com Fernando Haddad, agora ventilado como postulante à prefeitura paulistana. Sobre 2022, não são poucos  dentro do partido que confiam em uma solução judicial que garantiria ao próprio Lula a chance de disputar a Presidência em 2022. Enquanto isso, outros nomes têm corrido por fora para se projetar como alternativa, caso do governador baiano Rui Costa. 

O PDT, que considera ter “sobrevivido” ao primeiro ano de Bolsonaro, tenta formar alianças para 2020, mas sem tirar os olhos de 2022. O plano é ter candidatura própria em capitais e todas as cidades com mais de 200 mil habitantes. Lideranças do partido têm se reunido com o PSB, PV e Rede para construir uma alternativa de centro-esquerda. O destino de Tábata Amaral, outrora golden girl do partido, virou assunto indigesto. Punida por votar a favor da reforma da Previdência, a jovem deputada foi à Justiça pelo direito de levar o mandato a outro partido. “Vamos ver se o TSE vai manter o mandato com o partido ou abrir precedente para a infidelidade partidária”, diz Lupi.

Conseguiu-se evitar o mal maior no pacote anticrime. E só

O Centro parece disposto a se lançar como terceira via. Sob a guarida de marqueteiros prestigiados, o DEM e outros quatro partidos lançaram a frente política batizada de Centro, com C maiúsculo.  Sob o slogan O Brasil em Movimento, a plataforma lançou um site e vem divulgando vídeos. Pesquisas internas indicam que difícil é descolar este novo e orgulhoso Centro do infame Centrão. E a moderação ainda é vista pelos eleitores como um eufemismo para indecisão. Há dois meses sob nova direção, o MDB encomendou uma extensa pesquisa para orientar um novo rumo. Quis saber, entre dezenas de perguntas, se o partido deveria fazer oposição ao governo ou erguer bandeira contra o spread bancário.

Descobriu-se que a sigla é vista como de centro. Falta é emplacar uma narrativa. 

Diante das contendas com o TSE, o novo partido de Bolsonaro deve chegar a 2020 sem nenhum candidato. Não é o pior dos mundos para Bolsonaro. Sem partido, fortalece-se a narrativa “antissistema” que seu círculo mais próximo tenta emplacar. Menos provável é que o ex-capitão escape de o Caso Queiroz. Depois de quase um ano de inércia, o MP fluminense pôs-se no encalço de Flávio Bolsonaro e de seu ex-assessor. Sobram evidências de que o filho 01, outrora deputado federal, nomeou a parentela para se apropriar de dinheiro público, sempre com o auxílio de Queiroz. Paira sobre ele também a ameaça dos ex-aliados que se bandearam para a trincheira oposta, cujo melhor exemplo são Alexandre Frota e Gustavo Bebianno, ambos acolhidos pelo PSDB. 

Bolsonaro é, desde os anos Collor, o presidente estreante menos popular. Comanda um governo que autofabrica crises em tempo recorde. Não conseguiu manter unido o próprio partido. Pouco de sua agenda de desmonte foi de fato aplicada. A anuência do establishment e uma estranha concertação parlamentar evitam o desastre completo. E o terço do eleitorado que ainda o apoia segue sendo suficiente. Ao contrário dos tucanos, que sempre fugiram da pecha de direitistas, Bolsonaro afirmou-se como o líder carismático desse campo. Condensou, além do antipetismo, o lavajatismo e o reacionarismo moral. Não se trata, porém, de uma polarização ideológica. Ao erguer a bandeira da direita, criou uma referência afetiva aos que simpatizam com ele. É o que diz um estudo do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV.  

A opinião dos eleitores muda conforme a posição de Bolsonaro. Em junho, os pesquisadores fizeram um experimento sobre a privatização da Petrobras. Os participantes foram divididos em dois grupos: um soube que Bolsonaro apoia a privatização; o outro não. Entre aqueles que aprovam o governo e não souberam da opinião de Bolsonaro, 45% disseram sim à privatização. Na turma informada sobre o posicionamento do presidente foram 57%. “Uma via moderada tem poucas chances em um cenário como esse”, avalia Jairo Pimentel, um dos autores do estudo. “Sobretudo, se a disputa se fragmentar em várias candidaturas.” 

Além de tomar para si a direita, o bolsonarismo conseguiu também emplacar uma guerra entre o “marxismo cultural” e o cristianismo. Nessa falsa batalha a esquerda é o mal e a direita, o bem. O mesmo Datafolha pôs Damares Alves como a segunda figura mais popular do governo — perde apenas para Sérgio Moro. A simpatia pela ministra sinaliza uma afinidade do eleitorado mais pobre com a franja mais reacionária do governo. Soma-se a isso o impressionante crescimento do rebanho evangélico. Achar esse antídoto é uma das maiores tarefas para o próximo ano. Certas franjas da esquerda defendem uma reaproximação com evangélicos, embora haja pouco de concreto sobre como fazer isso. A parcela progressista da cristandade pentecostal tem bem menos poder de fogo que os televangelistas que ladeiam Bolsonaro. Enfrentá-lo nesse campo, aliás, pode ser uma batalha perdida. Para Pimentel, a esquerda faria melhor reagindo menos e propondo mais em emprego e renda. “Em política não se muda como as pessoas pensam e falam, mas sim sobre o que elas pensam e falam.” Outro desafio é saber quando reagir à verborragia do alto escalão do governo. “Acho, sim, que eles exageram muitas vezes para distrair, mas há ameaças graves e concretas”, avalia Sâmia Bomfim (PSOL). “O caso do AI-5, por exemplo, normalizar aquilo seria um terror.” A deputada defende uma atuação combinada no plenário, comissões e redes sociais para emplacar outros assuntos na vida nacional. “Sem isso, não superamos a revolta e a insatisfação popular com a política.” O grande desafio é oferecer alternativas concretas sem abrir mão de nenhuma bandeira de direitos e liberdades. A errática base parlamentar de Bolsonaro, por sua vez, promete dobrar a aposta no reacionarismo moral. Já está programada uma comissão especial para debater o Escola Sem Partido. 

Desavenças. Gleisi Hoffmann e Carlos Lupi: caminhos opostos em 2022

Na Supremo, presente e futuro indicam um cenário de desalento. Correm hoje 66 ações contra iniciativas do governo, 28 delas apresentadas por partidos. Os ministros, porém, decidiram não decidir. Foram julgadas apenas três até agora. A agenda do ano que vem deixará de fora temas ligados a liberdades civis. O principal exemplo é o recurso que discute a descriminalização do porte de drogas — previsto para 2019, mas adiado indefinidamente. Bolsonaro poderá indicar ao menos um ministro à corte, cuja presidência será de Luiz Fux.

Embora a economia reaja minimamente, a crise não terminou para os mais pobres. Um estudo do Ipea mostrou que a parcela mais vulnerável da população brasileira é a única a empobrecer neste primeiro ano sob Bolsonaro. A missão é oferecer uma saída rápida e coerente. “É importante que haja uma retomada da economia brasileira. Eu torço e trabalho por isso. Há alguns sinais, mas muito fracos. É pouco nesse momento um crescimento do PIB de 1% ou 2%”, diz o governador maranhense Flávio Dino. Essa explícita e difusa piora e a difusa insatisfação com o governo não ressoam nas ruas.

A alta reprovação ao ex-capitão não se refletiu em protestos nas ruas

A explicação é relativamente simples. Foi a classe média que encheu as ruas na última década e meia. Mesmo nos atos do #EleNão. E essa fatia, se não apoia, ao menos ainda tolera Bolsonaro. Pesquisas mostram que o apoio ao ex-capitão é maior nos estratos cuja renda familiar passa de cinco salários mínimos. Os mais pobres, por sua vez, engrossam as fileiras do precariado e perdem de vez o contato o sindicalismo e outros movimentos sociais. Os sindicatos perderam 1,5 milhão de filiados no ano passado. Os que trabalham montados em carros e motos, por sua vez, cresceram quase 30% e chegam a 3,6 milhões. Que alternativas a esquerda oferece a eles?

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