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Operação palanque

A ministra Laurita Vaz, do STJ, afasta o governador Paulo Dantas e interfere no segundo turno das eleições

Reação. Em nota, o governador e candidato à reeleição disse não estar surpreso. Segundo ele, os adversários faziam ameaças desde o primeiro turno - Imagem: Paulo15
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Com quase 67% da preferência dos votos no Nordeste, conforme revelaram as urnas no primeiro turno, o ex-presidente Lula teve seu pior desempenho entre os nove estados em Alagoas: 56,5%. Além disso, Maceió foi a única capital da região a dar a vitória a Jair Bolsonaro: ao menos 49,59% votaram no atual mandatário, 9 pontos a mais do que no petista. Coincidência ou não, exatamente no estado onde Lula teve a pior performance, uma controversa operação da Polícia Federal acaba de atingir em cheio Paulo Dantas, do MDB, candidato a governador apoiado pelo ex-presidente. Ligado ao grupo do senador Renan Calheiros, Dantas foi o mais votado no primeiro turno, 46,64% contra 26,79% de Rodrigo Cunha, do União Brasil, ligado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP, espécie de primeiro-ministro informal da República. Dono da chave do cofre do orçamento secreto, Lira é um dos organizadores da campanha do ex-capitão no Nordeste e trava uma guerra cruenta com a família Calheiros pelo comando político no estado.

Nas primeiras horas da terça-feira 11, dois dias antes de uma atividade de rua da campanha de Dantas com a presença de Lula em Maceió, uma medida cautelar do Superior Tribunal de Justiça afastou do cargo o governador por 180 dias e outorgou à PF 31 mandados de busca e apreensão na Assembleia Legislativa, no Palácio do Governo, na residência do governador e em outros locais. A investida faz parte da Operação Edema e apura o suposto envolvimento do emedebista em desvio de recursos públicos iniciado em 2017. Dantas é acusado de contratar funcionários fantasmas em seu gabinete na época em que era deputado estadual, prática, segundo os investigadores, mantida no exercício do mandato-tampão de governador. A decisão do STJ foi assinada pela ministra Laurita Vaz, acusada por Calheiros de ser bolsonarista, e incluiu ordem de sequestro de bens e valores no total de 54 milhões de reais. A decisão ainda será apreciada pelo plenário da Corte.

Duelo. Calheiros e Lira trocaram acusações nas redes sociais – Imagem: Marina Ramos/Ag.Câmara e Jefferson Rudy/Ag.Senado

A operação em meio à campanha do segundo turno é vista como uma tentativa de interferir no processo eleitoral, suspeita que ganhou corpo até no Supremo Tribunal Federal. Em nota, ­Dantas classifica a operação como um golpe à democracia, acusa o aparelhamento de uma ala da PF para atender a interesses político-eleitorais de Lira e Cunha e promete recorrer da decisão. “A tentativa de criar alarde perto da confirmação da vitória é fácil de ser desconstruída: foi anunciada por adversários, evidenciando a manipulação da operação policial. O presidente da Câmara dos Deputados, ­Arthur Lira, por exemplo, já havia ameaçado, na véspera do 1º turno, revelar no 2º turno detalhes da operação, que seria sigilosa.” A nota refere-se à repercussão da declaração feita pelo pai do governador, o ­ex-deputado Luiz Dantas, que gravou um vídeo para Cunha no qual acusa o filho de participar de esquema de corrução.

A partir daí o tema passou a ser amplamente utilizado pela campanha adversária e, na sequência, desembocou na operação da PF. “Aos que acham que os alagoanos são manipuláveis por uma fake news travestida de oficialidade, a nossa campanha avisa: nosso povo não se rende a enganações e sabe muito bem a origem das mentiras”, conclui o texto do governador afastado. A coligação, formada por MDB, PT, PCdoB, PV, PDT, PSC, Podemos e Solidariedade, também publicou nota em apoio ao candidato e acusa Lira de manipular os policiais federais em Alagoas. “O que os últimos fatos indicam é uma tentativa de vencer a disputa na base do golpe, já que as urnas revelaram outra coisa”, diz um trecho do documento. No dia anterior à operação, na segunda-feira 10, o instituto Ibrape divulgou a primeira pesquisa eleitoral do segundo turno em Alagoas, na qual Dantas aparece com 59% dos votos válidos e Cunha com 41%, porcentuais que praticamente se repetem na disputa nacional: Lula tem 60% e Bolsonaro, 40%.

A Operação Edema tomou conta das redes sociais, com uma violenta troca de acusações entre Calheiros e Lira. O senador emedebista acusa a PF alagoana de polícia política a serviço do presidente da Câmara, enquanto o pepista afirma que o desafeto está desesperado. “AL é vítima do uso político da PF e do abuso de autoridades. Pedi a troca do superintendente, cabo eleitoral de Arthur Lira, que sonha com a Gestapo. Lira levou uma surra. Vencemos em 83 cidades, elegemos o senador e temos 60% dos votos no 2° turno (Ibrape)”, disparou Calheiros no ­Twitter, antes de prosseguir em outro post: “A perseguição ao governador @paulodantasal remonta a 2017, é da competência estadual. Foi parar no STJ por uma armação de Lira e lá perambulou por vários gabinetes até cair nas mãos certas da ministra bolsonarista Laurita Vaz, que não tem competência para o caso.”

O estado é “vítima do uso político da PF e do abuso de autoridade”, tuitou Renan Calheiros, aliado do candidato à reeleição

Lira não tardou a responder: “O ­@renancalheiros entrou em desespero. Seu candidato ao governo de AL foi denunciado de fazer o malfeito p/próprio pai, q/acusou o filho de se envolver com gente acostumada a praticar corrupção. ­Alguém vestiu a carapuça e, covardemente, como sempre faz, acusa p/desviar a atenção”, rebateu o presidente da Câmara, para completar em outra postagem: “Renan quer mesmo é esconder embaixo do tapete as denúncias de corrupção que envolvem o seu grupo político e manter o poder em AL”.

Ex-deputado estadual, Dantas assumiu o governo de Alagoas em maio deste ano para cumprir um mandato-tampão depois que o então governador ­Renan ­Filho renunciou para concorrer ao Senado (foi eleito com quase 57% dos votos). Como o vice de Renan, Luciano ­Barbosa, tinha deixado o cargo depois de se eleger prefeito de Arapiraca em 2020, a Assembleia Legislativa precisou realizar uma eleição indireta, que resultou na nomeação de Dantas. Cunha é senador na metade do mandato e filho de ­Ceci Cunha, deputada federal assassinada em 1998 a mando do seu suplente, Tavares ­Albuquerque, que teve seu mandato cassado e chegou a ser preso pelo crime. À época, o então deputado Jair Bolsonaro votou contra a cassação. Hoje, Cunha disputa o governo alagoano sob o manto dos bolsonaristas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1230 DE CARTACAPITAL, EM 19 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Operação palanque”

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