Política
O técnico escala
Lula não abre mão de indicar um nome de sua confiança para o Supremo, e Jorge Messias desponta como favorito


Poucos meses antes da Copa de 1970, João Saldanha irritou-se com os pitacos do ditador Emílio Garrastazu Médici na lista de convocados para a Seleção Brasileira de futebol. O general manifestou-se a favor de Dadá Maravilha no Escrete Canarinho, mas o treinador rejeitou a intromissão: “Nem eu escalo o ministério, nem ele escala o time”. Duas semanas depois, “João Sem Medo”, como ficou conhecido o técnico que peitou o regime militar, foi destituído do cargo. Passados 55 anos, quem precisa reagir aos pitaqueiros de plantão para fazer valer sua prerrogativa é o próprio chefe do Estado brasileiro. “As pessoas acham que podem decidir pelo governo”, queixou-se o presidente Lula, na segunda-feira 13, ao comentar as “sugestões” de nomes (ou de atributos desejáveis) para o sucessor de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. “Indicar um ministro para a Suprema Corte, ou uma ministra, é tarefa do presidente da República.”
Um dia após Barroso anunciar sua aposentadoria precoce, durante um pedante discurso de despedida no plenário do STF, três organizações sociais – Fórum Justiça, Plataforma Justa e Themis Gênero e Justiça – apressaram-se em apresentar ao presidente uma lista com 13 nomes de mulheres qualificadas para ocupar o cargo e contribuir para a superação da “constrangedora e histórica desigualdade de gênero” na Corte. De fato, após a saída de Rosa Weber, em 2023, só restou Cármen Lúcia, nomeada por Lula em 2006, no Supremo. O apelo foi reforçado pelo presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Leonardo Sica, para quem é “inadmissível” haver apenas uma ministra no plenário. Já o movimento Mulheres Negras Decidem reivindica que, além da questão de gênero, o líder petista também promova a equidade racial na indicação.
Indiferente aos apelos por maior diversidade, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), faz campanha aberta em favor do colega Rodrigo Pacheco (PSD). Na segunda-feira 13, o senador fez questão de incluir seu candidato em uma reunião, em seu gabinete, com o presidente do STF, Edson Fachin, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, para tratar do Projeto de Lei 429/2024, que atualiza os valores das custas processuais da Justiça Federal. Antes mesmo de Barroso pendurar as chuteiras, Gilmar Mendes, decano do STF, já manifestava simpatia pelo nome de Pacheco. “O STF é um jogo para adultos”, afirmou no início de setembro, enquanto o colega ainda ocupava a presidência da Corte. Enquanto isso, parlamentares bolsonaristas semeiam na mídia o nome de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, como “mais palatável” para a oposição.
Apesar dos apelos de movimentos sociais por maior equidade na Corte e das pressões de lideranças do Legislativo para emplacar aliados, Jorge Messias continua a ser o favorito na banca de apostas. Além de ocupar um cargo de confiança no governo e ter afinidade ideológica com o presidente, o chefe da Advocacia-Geral da União frequenta, desde 2016, a Igreja Batista Cristã de Brasília. Criado em lar evangélico, seria o nome perfeito para se contrapor ao terrivelmente reacionário André Mendonça, pastor presbiteriano indicado por Jair Bolsonaro ao STF em 2021, e sepultar de vez a delirante acusação de que Lula e o PT perseguem o “povo de Deus”.
Rodrigo Pacheco tem o apoio do presidente do Senado, mas é o “plano A” do PT para o governo de Minas em 2026
Coordenadora da Frente Evangélica pelo Estado de Direito, Nilza Valéria Zacarias avalia que o Judiciário é, dos Três Poderes da República, o mais fechado e hermético. Ampliar a diversidade de gênero e raça é essencial, mas a ativista pondera que a nomeação de Messias, um evangélico nordestino, também representa um avanço na luta por equidade. “Uma das crueldades do sistema de privilégios é jogar os segmentos sub-representados uns contra os outros, quando temos de pensar na ampliação para todos eles”, afirma Nilza Zacarias, que também milita nos movimentos negro e feminista.
Fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas, o advogado Marco Aurélio de Carvalho observa que os nomes cotados – Pacheco, Dantas e Messias – possuem “sólida formação jurídica” e, portanto, estão capacitados para ocupar a vaga de Barroso no STF. Acredita, porém, que o advogado-geral da União se distingue dos demais por um fator determinante: “Ele tem a confiança do presidente Lula, e isso o torna o franco favorito”, avalia. “Messias já foi testado e aprovado em posições de poder, diante de pressões dos mais variados tipos e espécies.”
No quesito confiança, o chefe da AGU seria imbatível, acrescenta o advogado e procurador de Justiça aposentado Lenio Streck. “Lula está calejado, vacinado de indicações anteriores. Embora Pacheco e Dantas tenham um sólido currículo, eles não têm um vínculo orgânico com o governo, com aquilo que o presidente pensa”, afirma Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa. “O advogado-geral da União conhece toda a estrutura do Estado como poucos. Há também a confiança ideológica, claro. Nenhum ministro é neutro, ninguém sai de um ponto arquimediano, não há grau zero de sentido. Portanto, todos os caminhos levam a Jorge Messias.”
Lula não tem prazo determinado para indicar o novo integrante do STF. O presidente sabe que a indicação de Pacheco seria mais bem recebida no Senado, a quem compete referendar ou rejeitar a escolha. O PT tem planos, porém, de apoiar o senador como candidato ao governo de Minas Gerais em 2026. Além disso, o líder petista poderá indicar outros dois ministros do Supremo, caso se reeleja no próximo ano, como apontam as pesquisas. Em abril de 2028, Luiz Fux completa 75 anos, a idade-limite para a aposentadoria compulsória. O mesmo ocorre com Cármen Lúcia em abril de 2029. Gilmar Mendes terá de pendurar a toga em dezembro de 2030. Em tese, Lula poderia indicar seu sucessor, mas o Congresso dificilmente teria tempo hábil (ou disposição) para avaliar a indicação antes do fim do mandato. Seja como for, o presidente já deixou claro que a palavra final será sempre sua. •
Publicado na edição n° 1384 de CartaCapital, em 22 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O técnico escala’
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