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O técnico escala

Lula não abre mão de indicar um nome de sua confiança para o Supremo, e Jorge Messias desponta como favorito

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Cotados. Messias tem vínculo orgânico com o governo. Pacheco transita com desenvoltura pelo Congresso. E Dantas é o “mais palatável” para a oposição – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil, Roque de Sá/Agência Senado e Daniel Estevão/AGU
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Poucos meses antes da Copa de 1970, João Saldanha irritou-se com os pitacos do ditador Emílio Garrastazu Médici na lista de convocados para a Seleção Brasileira de futebol. O general manifestou-se a favor de Dadá Maravilha no Escrete Canarinho, mas o treinador rejeitou a intromissão: “Nem eu escalo o ministério, nem ele escala o time”. Duas semanas depois, “João Sem Medo”, como ficou conhecido o técnico que peitou o regime militar, foi destituído do cargo. Passados 55 anos, quem precisa reagir aos pitaqueiros de plantão para fazer valer sua prerrogativa é o próprio chefe do Estado brasileiro. “As pessoas acham que podem decidir pelo governo”, queixou-se o presidente Lula, na segunda-feira 13, ao comentar as “sugestões” de nomes (ou de atributos desejáveis) para o sucessor de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. “Indicar um ministro para a Suprema Corte, ou uma ministra, é tarefa do presidente da República.”

Um dia após Barroso anunciar sua aposentadoria precoce, durante um pedante discurso de despedida no plenário do STF, três organizações sociais – Fórum Justiça, Plataforma Justa e Themis Gênero e Justiça – apressaram-se em apresentar ao presidente uma lista com 13 nomes de mulheres qualificadas para ocupar o cargo e contribuir para a superação da “constrangedora e histórica desigualdade de gênero” na Corte. De fato, após a saída de Rosa Weber, em 2023, só restou Cármen Lúcia, nomeada por Lula em 2006, no Supremo. O apelo foi reforçado pelo presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Leonardo Sica, para quem é “inadmissível” haver apenas uma ministra no plenário. Já o movimento Mulheres Negras Decidem reivindica que, além da questão de gênero, o líder petista também promova a equidade racial na indicação.

Indiferente aos apelos por maior diversidade, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), faz campanha aberta em favor do colega Rodrigo Pacheco (PSD). Na segunda-feira 13, o senador fez questão de incluir seu candidato em uma reunião, em seu gabinete, com o presidente do STF, Edson Fachin, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, para tratar do Projeto de Lei 429/2024, que atualiza os valores das custas processuais­ da Justiça Federal. Antes mesmo de Barroso pendurar as chuteiras, Gilmar Mendes, decano do STF, já manifestava simpatia pelo nome de Pacheco. “O STF é um jogo para adultos”, afirmou no início de setembro, enquanto o colega ainda ocupava a presidência da Corte. Enquanto isso, parlamentares bolsonaristas semeiam na mídia o nome de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União, como “mais palatável” para a oposição.

Apesar dos apelos de movimentos sociais por maior equidade na Corte e das pressões de lideranças do Legislativo para emplacar aliados, Jorge Messias continua a ser o favorito na banca de apostas. Além de ocupar um cargo de confiança no governo e ter afinidade ideológica com o presidente, o chefe da Advocacia-Geral da União frequenta, desde 2016, a Igreja Batista Cristã de Brasília. Criado em lar evangélico, seria o nome perfeito para se contrapor ao terrivelmente reacionário André Mendonça, pastor presbiteriano indicado por Jair Bolsonaro ao STF em 2021, e sepultar de vez a delirante acusação de que Lula e o PT perseguem o “povo de Deus”.

Rodrigo Pacheco tem o apoio do presidente do Senado, mas é o “plano A” do PT para o governo de Minas em 2026

Coordenadora da Frente Evangélica pelo Estado de Direito, Nilza Valéria ­Zacarias avalia que o Judiciário é, dos Três Poderes da República, o mais fechado e hermético. Ampliar a diversidade de gênero e raça é essencial, mas a ativista pondera que a nomeação de Messias, um evangélico nordestino, também representa um avanço na luta por equidade. “Uma das crueldades do sistema de privilégios é jogar os segmentos sub-representados uns contra os outros, quando temos de pensar na ampliação para todos eles”, afirma Nilza Zacarias, que também milita nos movimentos negro e feminista.

Fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas, o advogado Marco Aurélio de Carvalho observa que os nomes cotados – Pacheco, Dantas e Messias – possuem “sólida formação jurídica” e, portanto, estão capacitados para ocupar a vaga de Barroso no STF. Acredita, porém, que o advogado-geral da União se distingue dos demais por um fator determinante: “Ele tem a confiança do presidente Lula, e isso o torna o franco favorito”, avalia. “Messias já foi testado e aprovado em posições de poder, diante de pressões dos mais variados tipos e espécies.”

No quesito confiança, o chefe da AGU seria imbatível, acrescenta o advogado e procurador de Justiça aposentado ­Lenio Streck. “Lula está calejado, vacinado de indicações anteriores. Embora Pacheco e Dantas tenham um sólido currículo, eles não têm um vínculo orgânico com o governo, com aquilo que o presidente pensa”, afirma Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa. “O advogado-geral da União conhece toda a estrutura do Estado como poucos. Há também a confiança ideológica, claro. Nenhum ministro é neutro, ninguém sai de um ponto arquimediano, não há grau zero de sentido. Portanto, todos os caminhos levam a Jorge Messias.”

Lula não tem prazo determinado para indicar o novo integrante do STF. O presidente sabe que a indicação de Pacheco seria mais bem recebida no Senado, a quem compete referendar ou rejeitar a escolha. O PT tem planos, porém, de apoiar o senador como candidato ao governo de Minas Gerais em 2026. Além disso, o líder petista poderá indicar outros dois ministros do Supremo, caso se reeleja no próximo ano, como apontam as pesquisas. Em abril de 2028, Luiz Fux completa 75 anos, a idade-limite para a aposentadoria compulsória. O mesmo ocorre com Cármen Lúcia em abril de 2029. Gilmar Mendes terá de pendurar a toga em dezembro de 2030. Em tese, Lula poderia indicar seu sucessor, mas o Congresso dificilmente teria tempo hábil (ou disposição) para avaliar a indicação antes do fim do mandato. Seja como for, o presidente já deixou claro que a palavra final será sempre sua. •

Publicado na edição n° 1384 de CartaCapital, em 22 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O técnico escala’

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