Economia

O persistente impasse para tornar o piso salarial da enfermagem uma realidade

A matéria virou pivô de um cabo de guerra entre governo federal, municípios e hospitais privados

Brasília (DF), 21/05/2023 - Profissionais de enfermagem de Brasília participam da 1ª Caminhada da Enfermagem pela valorização profissional. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Quase um ano após o Congresso aprovar o piso salarial da enfermagem, o pagamento do mínimo da categoria enfrenta um impasse para virar realidade no País e virou pivô de um cabo de guerra entre governo federal, municípios e hospitais privados.

Em mais um capítulo dessa história, o Supremo Tribunal Federal voltou a analisar o caso no plenário virtual da Corte nesta sexta-feira 16, modalidade na qual os magistrados apenas depositam seus votos, sem necessidade de discussão.

Poucos minutos após o retorno do julgamento, porém, o ministro Dias Toffolli pediu vista e suspendeu novamente a votação.

A lei do piso estabeleceu um salário-base de 4.750 reais para enfermeiros, de 3.325 para técnicos de enfermagem e de 2.375 para auxiliares e parteiras. Um mês após receber o aval dos parlamentares, porém, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos do texto, por considerar que os impactos orçamentários não teriam sido apresentados.

Desde então, entidades municipalistas e representantes de hospitais privados passaram a discutir com o governo federal uma saída para o impasse.

Após um longo debate, o Palácio do Planalto articulou o envio do projeto de lei que destinava 7,3 bilhões de reais a estados e municípios com o objetivo de viabilizar o pagamento do piso. O texto foi sancionado por Lula (PT) em 12 de maio, Dia Internacional da Enfermagem.

O valor, contudo, é alvo de reclamação da Confederação Nacional dos Municípios. O presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, diz que a demanda dos enfermeiros é “justa”, mas classifica a fonte que o governo encontrou para bancar os recursos de “fictícia” – a previsão feita pela CNM é que o impacto financeiro será de 10,5 bilhões de reais apenas na esfera municipal.

Edvaldo Nogueira (PDT), presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, afirma que a entidade espera “uma decisão justa” do Supremo sobre o tema e defende que os ministros estabeleçam critérios sobre como funcionará o pagamento.

Ele também destaca que a FNP tem buscado o governo para equacionar o “descompasso” entre os recursos liberados e a realidade dos municípios.

“O aporte indicado, de 7,3 bilhões, não é suficiente para que estados e municípios assegurem o pagamento aos profissionais, e o próprio governo federal já reconheceu que com esse montante seria um grande desafio para os gestores honrarem com o pagamento”, declarou a CartaCapital.

Os cálculos da FNP indicam que o Executivo ainda precisaria ampliar o repasse em cerca de 20 bilhões de reais para suprir as demandas dos municípios. “Somente esses dados já apontam para o descompasso que há. Temos realizado diversos debates, com a presença de representantes do governo federal, para encontrar as melhores soluções à pauta”, acrescenta Nogueira.

A viabilidade do pagamento também é questionada pelos hospitais privados, que alegam “insuficiência financeira” para arcar com o aumento nas remunerações dos profissionais.

Em 7 de junho, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios enviou um boletim informativo às unidades da rede privada com orientações para incluir o pagamento do piso salarial nos contracheques a partir de 1º de julho.

Conforme as regras definidas pelo Ministério da Saúde, os recursos disponibilizados pelo governo seriam destinados à complementação dos salários da categoria. Ou seja, devem cobrir apenas a quantia excedente para que os pagamentos cheguem ao valor do piso.

“Todo município já tem o quantitativo de profissionais trabalhando hoje, consequentemente já pagam [os salários]. Então, o cálculo desse repasse foi feito como complementação, não 100%”, argumenta a deputada federal Enfermeira Ana Paula (PDT-CE).

Outro impasse para efetivar a lei é a imprecisão no cálculo de quantos profissionais pertencem à categoria da enfermagem, segundo a parlamentar. Isso porque a plataforma utilizada pelo governo para definir como os recursos para o pagamento do piso seriam distribuídos entre estados e municípios não leva em consideração os profissionais contratados por meio de cooperativas de Saúde.

“O Ministério [da Saúde] escolheu na perspectiva de que, na enfermagem, não existia essa precarização da contratação direta. Na enfermagem, [os concursados] são minoria. No Ceará, temos algo em torno de 25% a 30%”, pontua.

Procurada por CartaCapital, a pasta diz ter aberto prazo para estados e municípios informarem o número de profissionais da categoria pagos pela administração pública. O prazo se encerra nesta sexta-feira 16.

O ministro Gilmar Mendes é o próximo a votar na retomada do julgamento no STF. Interlocutores do magistrado afirmam, de forma reservada, que ele pode abrir uma nova discussão sobre o caso: há possibilidade de o Congresso estabelecer um piso para o setor privado sem violar o princípio da livre iniciativa?

Existe ainda uma preocupação, dizem, em relação à adequação regional do piso em municípios menores, que demandariam aumento salarial superior ao das cidades maiores – caso os ministros decidam neste sentido, a tendência é que a Corte imponha um limite ao Congresso sobre a aprovação de pisos para outras categorias.

Por enquanto, está em vigor a decisão de Barroso que restabeleceu os efeitos da lei do piso e definiu os seguintes critérios:

  • servidores públicos civis de União, autarquias e fundações públicas federais: o pagamento será feito de acordo com o texto original;
  • servidores públicos de estados, Distrito Federal, municípios e de suas autarquias e fundações: a União terá de prestar assistência financeira para custear a diferença resultante do piso salarial nacional e o valor pago atualmente;
  • profissionais contratados por entidades privadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS: a União terá de prestar assistência financeira para custear a diferença resultante do piso salarial nacional e o valor pago atualmente.
  • profissionais celetistas em geral: empresas terão de pagar conforme estabelece a lei do piso, mas poderão negociar coletivamente com a categoria em meio à preocupação com eventuais demissões.

A reportagem procurou o Palácio do Planalto para comentar as críticas feitas pelas entidades municipalistas, mas ainda não obteve retorno.

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