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O desafio da permanência

MEC aposta em uma bolsa para reduzir a evasão escolar no ensino médio

Reserva. O pagamento no fim do curso é para apoiar os jovens no início da vida profissional ou na faculdade, diz Santana – Imagem: Camila Rodrigues/GOVRS e Luis Fortes/MEC
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Mesmo com as políticas afirmativas que estimulam o acesso ao ensino superior da população de baixa renda, a maior parte da juventude permanece fora da universidade. Muitos jovens nem sequer concluíram o ensino médio. É o que mostra o Censo da Educação Superior 2022, divulgado este mês pelo Ministério da Educação, que traz dados preocupantes acerca de uma juventude sem perspectiva de futuro. Segundo o levantamento, apenas 20,2% dos 22,5 milhões de brasileiros entre 18 e 24 anos estão na universidade e só 4% concluíram o ensino superior. Mais de 64% não ingressaram na faculdade, dos quais 21,2% não finalizaram nem o antigo segundo grau. Quando associado ao fato de que mais de 16% dos jovens estão fora do mercado de trabalho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo IBGE em agosto, esse cenário representa um grande desafio para o governo, que precisa criar políticas públicas para os “jovens nem-nem”, que nem estudam nem trabalham.

Uma das metas do MEC para reverter esse quadro é a implantação de políticas de permanência para os alunos de baixa renda que estão no ensino médio. A ideia é pagar uma bolsa mensal e criar uma poupança com valores a serem depositados a cada ano de estudo. Ao concluir o curso, o aluno pode sacar o valor. “Sabemos que a transição do ensino fundamental para o médio é um momento muito emblemático para os nossos jovens, com taxas altíssimas de evasão escolar. Queremos criar incentivos financeiros para estudantes do ensino médio permanecerem na escola e um investimento que só pode ser retirado após a conclusão, para apoiá-lo no início da vida profissional ou em sua entrada na educação superior”, explica o ministro da Educação, Camilo Santana. O MEC negocia um espaço no orçamento com a Casa Civil e os ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento Social para implantar o programa a partir do ano que vem.

Em maio, o Ministério do Trabalho revelou que ao menos 7,1 milhões de brasileiros entre 14 e 24 anos não estudavam nem trabalhavam. A maioria deles era de pessoas pretas e pardas (68%) e do sexo feminino (60%). Enquanto as mulheres desistem dos estudos para cuidar de filhos e afazeres domésticos, os homens são empurrados para a informalidade, viram entregadores de fast-food ou motoristas de plataforma, para citar dois exemplos. Segundo Alexsandro Santos, diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do MEC, entre 60% e 64% dos brasileiros concluem o ensino médio na idade certa (entre 15 e 18 anos), um porcentual bem abaixo dos 85% estipulados pelo Plano Nacional de Educação. Esse índice ainda pode variar de acordo com a classe social, gênero, raça e região.

Além da ajuda de custo mensal, o governo cogita de criar uma poupança para os alunos

O tempo médio de estudo dos jovens de 15 a 29 anos que estão entre os 25% de maior renda é de 13,5 anos, chegando a 14,9 anos se for mulher, branca e viver em áreas urbanas do Sudeste. Um jovem da zona rural inserido nos 25% da população com menor renda estuda apenas 10,3 anos, caindo para 7,8 anos se for da Região Norte e do sexo masculino. Para Santos, o principal motivo de não concluir os estudos na idade certa está relacionado à condição de vulnerabilidade dos alunos, que tem como consequência a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. Mas a precariedade na aprendizagem também é uma das causas que levam ao abandono da escola.

“Esse estudante vem do ensino fundamental com lacunas de aprendizagem que comprometem o primeiro ano do ensino médio. Conforme ele não vai conseguindo aprender, vai se desengajando, achando que aquela escola não é para ele, que ele não nasceu para estudar”, comenta o diretor do MEC. Outro fator de abandono tem a ver com o funcionamento da própria escola, que muitas vezes não consegue dialogar com as necessidades e características da população adolescente, seja no currículo, seja no espaço físico, na relação professor-aluno ou no tipo de atividade que se propõe ao jovem.

A pobreza, acrescenta Santos, também produz uma série de desincentivos à continuidade da escolarização, os quais vão desde a necessidade de trabalhar para sustentar a família até não ter roupa ou calçado para ir à escola, ou não ter dinheiro para comprar material escolar. A distância entre a casa desse jovem e a escola é outro fator que o desestimula a frequentar a sala de aula, uma vez que cerca de 3 mil municípios só têm uma escola de ensino médio. O diretor do MEC lembra ainda que muitos adolescentes em conflito com a lei deixam de estudar porque são estigmatizados pela própria escola e pela comunidade. Por fim, um porcentual considerável de jovens apresenta problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, levando-os a desistir de estudar. Sem formação e com baixa escolaridade, só resta a essa juventude a informalidade e o subemprego, o que termina virando um problema sistêmico, como explica o professor José Dari Krein, do Centro de Estudos Sindicais da Economia do Trabalho da Unicamp.

Trabalho precário. Sem escolaridade, muitos são empurrados para a informalidade – Imagem: iStockphoto

“As pessoas não têm a alternativa de ficar desempregadas porque precisam de renda para sobreviver. Vão para ocupações que pagam salários muito baixos ou para a informalidade. Esses jovens dificilmente vão conseguir a realização profissional. São poucos empregos de qualidade, há concorrência brutal para ocupar os melhores postos e uma enorme quantidade de empregos precários que exigem baixíssima escolaridade. Isso coloca a seguinte questão para o jovem: ‘Por que vou estudar, se o mercado não oferece boas oportunidades?’ O movimento de precarização no trabalho ocorrido nos últimos anos fez com que o trabalho perdesse sentido como fonte organizadora da vida social. Ele tornou-se um mero instrumento racional para a obtenção de renda, porque as pessoas precisam sobreviver. Não traz nenhum tipo de realização”, destaca Krein, reforçando que esse quadro é mais um fator de desestímulo para o jovem insistir nos estudos.

A pesquisadora Mônica Ribeiro, coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná, critica o estereótipo do “nem-nem”, que transfere para os jovens a responsabilidade por não estar estudando ou trabalhando, quando, na verdade, se trata de um problema social histórico que o Estado brasileiro não resolve. “Essa nomenclatura é muito ruim, porque se nomina toda uma juventude que não estuda e não está trabalhando por razões diferentes. A situação é bastante delicada, é um problema social grave não apenas do sistema escolar, mas que atinge toda a sociedade. É preciso considerar a ausência de perspectiva para os jovens.”

Hoje, 7,1 milhões de jovens entre 14 e 24 anos não trabalham nem estudam no País

Para Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese, essa falta de perspectiva cria uma massa de pessoas com futuro comprometido, que não se integram à sociedade por meio do trabalho. “Isso tem uma série de efeitos sociais que se expressam na violência, na polarização, na desvalorização da vida e no adoe­cimento. A gente está assistindo a um processo complicado de desperdício dessa geração de jovens”, opina, defendendo a necessidade de políticas públicas que façam uma transição entre o ensino médio e o ingresso dos jovens no mercado de trabalho ou no ensino superior.

Já Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, defende uma escola que vá além da educação integral, pois muitos jovens precisam trabalhar e não podem passar o dia todo na escola. “O Estado brasileiro ainda não conseguiu garantir o direito à educação para todas as pessoas e a escola em tempo integral está tirando muitos jovens das nossas escolas. A nossa juventude precisa trabalhar para assegurar o sustento de suas famílias. Precisamos de políticas e ações pensadas, detalhadas e colocadas em prática para estancar essa saída dos jovens do ensino médio, barrar esse abandono e motivá-los a concluir a educação básica”, defende Araújo, citando a bolsa-permanência como um estímulo para os jovens concluírem os estudos. •

Publicado na edição n° 1282 de CartaCapital, em 25 de outubro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O desafio da permanência

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