Economia

‘O caminho é o correto, nós temos agora que aprimorá-lo’

Para Vagner Freitas, presidente do Conselho Nacional do SESI e ex-presidente da CUT, o governo acerta em propor um plano de desenvolvimento baseado na indústria

(Foto: Divulgação)
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No início da semana, o governo Lula anunciou um ambicioso programa econômico, o Nova Indústria Brasil. Sob a difícil missão de reverter a desindustrialização precoce do país, o governo disponibilizará R$ 300 bilhões até 2026 em investimentos, dessa vez com foco em sustentabilidade e inovação tecnológica.

Para Vagner Freitas, presidente do Conselho Nacional do SESI e ex-presidente da CUT, o governo acerta ao propor um plano de desenvolvimento baseado na indústria. Apesar de não ser perfeito, diz, o plano é um convite ao debate sobre a reindustrialização, que se alinha à transição global para novas matrizes energéticas.

A conversa também trata da qualidade do emprego e a precarização do trabalho pós-reforma trabalhista, evidenciando a necessidade de empregos qualificados e bem remunerados para um mercado consumidor interno forte. Vagner critica a visão reducionista do empreendedorismo e enfatiza a importância da democracia e do diálogo para o progresso econômico e social.

Confira os destaques a seguir.

CartaCapital: O plano tem sido recebido de formas distintas por diferentes setores da economia brasileira. Quais são as suas impressões iniciais e expectativas?

VF: Acho que o governo está bastante correto ao propor um plano de desenvolvimento para o Brasil. Estamos tratando não apenas de reindustrialização, mas de um plano de desenvolvimento calcado sobre a indústria, pelas características que a indústria sempre teve para a economia brasileira. O Brasil, que já foi um país industrial, quer voltar a sê-lo. Quem apoiou a proposta deste governo apoiou a ideia de que o Brasil deve ter uma soberania econômica para ter uma soberania política. Então, acho que o plano deveria ser visto com bons olhos por toda a sociedade.

Evidentemente, não tenho dúvida de que o plano não é perfeito. Mas ele está aí para ser debatido. Não podemos perder essa oportunidade. O Brasil é um dos países mais propícios do mundo para ser um grande país desenvolvido industrialmente, justamente por conta da ‘nova Revolução Industrial’. O que está em jogo é onde o Brasil vai estar no mundo. Se ele vai estar no primeiro mundo ou vai estar no terceiro, quarto, quinto mundo.

Outra questão importantíssima é que o governo apresenta esse plano através de uma discussão com a sociedade. O plano surgiu de um conselho do qual fazem parte industriários e industriais, o governo e outros setores da sociedade. O caminho é o correto, e agora precisamos aprimorá-lo.

https://www.youtube.com/watch?v=ZQ51xVIRYRw

CC: O setor industrial, de fato, tem elogiado muito o projeto. Já os representantes do mercado financeiro…

VF: Há disputas internacionais do capitalismo, que são até normais. Nem sempre querem ver o Brasil produzindo no Brasil, mas sim sendo um polo que exporta produtos in natura e importa produtos manufaturados.

O plano não traz nada de diferente do que está sendo feito nos Estados Unidos ou no mercado europeu. Depois da crise econômica de 2008 e da pandemia, os estados nacionais, através de políticas de governo, é que estão sendo os maiores investidores da sua própria economia, inclusive porque o setor privado não tem a liquidez que tinha. É simples.

E o Brasil tem um instrumento fortíssimo para investimento, que é o BNDES. Há um debate em relação ao papel do BNDES. Setores do setor financeiro internacional e nacional o veem como competidor no mercado de crédito, mas não, ele tem outra função.

Empreendedorismo virou sinônimo de um menino ou menina entregando pizza de bicicleta

CC: Como conselheiro do Sesi, qual você acha que é o papel do sistema S nessa concertação?

VF: Um movimento de modernização da indústria brasileira precisa contar com mão de obra qualificada. Um dos grandes problemas que a reforma trabalhista trouxe é o fato de não haver mais investimento na mão de obra qualificada. Acabaram com a especialização profissional e transformaram todos em genéricos.

Os próprios empresários, com os quais convivo, estão dizendo que precisamos ter mão de obra qualificada, pois a mão de obra precarizada é um custo, não um investimento. O trabalhador é importante para a economia. Não há desenvolvimento econômico, não há indústria forte, sem um mercado consumidor.

Precisamos olhar para os trabalhadores e investir neles. Qualificação e salários dignos são o básico para construir uma sociedade que não só funciona, mas também prospera. E o empreendedorismo? No Brasil, virou sinônimo de um menino ou uma menina que entrega pizza de bicicleta. Precisamos valorizar os trabalhadores, dar espaço para eles construírem suas vidas e contribuírem para a economia de verdade.

É possível haver desoneração de determinados setores, mas é preciso uma contrapartida

CC: Com a transição de líder sindical para líder no sistema S, como tem sido a interação com o setor empresarial? Existe um ambiente propício ao diálogo?

VF: O Brasil precisa esquecer o terceiro turno; a eleição já acabou. O diálogo entre diferentes setores é mais viável hoje. Após um período turbulento, vejo um potencial real para a construção de um consenso em torno do desenvolvimento nacional. O presidente Lula tem a capacidade única de liderar esse processo, buscando um projeto de desenvolvimento que inclua todos os segmentos da sociedade. A reforma tributária recente exemplifica a possibilidade de avanço via negociação, mesmo em um Congresso conservador. Obviamente, ela não é perfeita e está em desenvolvimento, mas o governo, que não tem maioria no Congresso, conseguiu aprovar uma reforma tributária.

CC: Um tema que ainda divide governo e empresariado é a desoneração da folha. Como vê essa questão?

VF: Essa virou uma disputa ideológica, e não deveria ser. A discussão central é se o Estado tem uma função na economia ou não. É possível haver desoneração de determinados setores, desde que haja uma contrapartida alinhada a um projeto nacional de desenvolvimento. Eu sou especialista nisso, era presidente da CUT quando a Dilma propôs sua desoneração. O problema é que muitos dos acordos não foram cumpridos. O governo precisa ter mecanismos para punir quando os acordos não são respeitados.

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