Economia

Nova Indústria Brasil é esforço abrangente, mas exigirá um novo papel do Estado

É fundamental que todas as políticas macroeconômicas se orientem para atender às missões estipuladas pela NIB – começando pelo Banco Central

O pré-sal é mais um caso de sucesso, mas não conseguiu mudar a cara da indústria nacional – Imagem: Agência Petrobras
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O processo de industrialização no Brasil distingue-se por uma fase de intensa industrialização, impulsionada pela substituição de importações no período pós-guerra até a década de 1980. Esta fase foi abruptamente seguida por um processo de desindustrialização precoce, desencadeado pela liberalização econômica iniciada nos anos 90. A literatura econômica ressalta a importância fundamental da indústria manufatureira no estímulo ao dinamismo econômico. 

No atual contexto brasileiro, a recuperação da capacidade de crescimento econômico deve estar calcada em uma política industrial ambiciosa, pois necessita transcender a mera modernização do parque industrial existente. Esta política deve promover uma mudança estrutural significativa, ampliando o escopo das atividades industriais para abranger setores tecnologicamente mais avançados e, simultaneamente, mitigar os efeitos da tripla crise global: ambiental, climática e social. A relevância desta abordagem reside em sua capacidade de redefinir o curso da industrialização brasileira, alinhando-a com as exigências contemporâneas de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social.

A Nova Indústria Brasil, lançada no dia 22 de janeiro pelo governo federal, se propõe a endereçar justamente essas questões. Com lógica de planejamento de longo prazo, fundamental para esse tipo de política, a NIB busca estimular o desenvolvimento nacional até 2033, enfatizando a sustentabilidade e a inovação, fomentando o desenvolvimento produtivo e tecnológico, aumentando a competitividade da indústria brasileira, orientando investimentos, promovendo a geração de empregos de qualidade e fortalecendo a posição qualificada do Brasil no mercado global.

A história recente registra uma tendência à desindustrialização, principalmente em economias da América Latina

A política contempla um aporte de R$ 300 bilhões até 2026, dos quais R$ 106 bilhões já foram anunciados, com adicionais 194 bilhões provenientes de diversas fontes. A NIB inclui linhas de crédito especiais, recursos não-reembolsáveis, medidas regulatórias e de propriedade intelectual, além de políticas de obras e compras públicas como propulsores da demanda doméstica. Tais medidas visam estimular o setor produtivo, atraindo investimentos privados e utilizando os recursos públicos de forma responsável.

Os novos instrumentos de financiamento englobam a necessidade de criação de Letras de Crédito de Desenvolvimento – com projeto enviado pelo governo já em tramitação no Congresso –, e adota um conjunto de novas políticas, incluindo o mercado regulado de carbono e a criação da taxonomia sustentável brasileira. Estas medidas visam posicionar a inovação e a sustentabilidade como pilares centrais do desenvolvimento econômico, incentivando a pesquisa e a tecnologia em diversos segmentos com responsabilidade social e ambiental.

O plano de ação para o período de 2024-2026 destaca as áreas estratégicas prioritárias para a aplicação dos recursos. As seis missões – na terminologia da economista Mariana Mazzucato – previamente definidas visam abarcar a atuação de um conjunto de setores, trazendo horizontalidade e transversalidade à uma série de medidas e promovendo ganho de escala na política pública. Dessa forma, a política abrange um amplo espectro de setores, incluindo segurança alimentar e nutricional, saúde, bem-estar urbano, modernização industrial, bioeconomia, descarbonização, e defesa, estabelecendo metas e prioridades específicas para cada área. Em síntese, a Nova Indústria Brasil representa um esforço abrangente e multifacetado para transformar a indústria brasileira, tornando-a mais competitiva, sustentável e inovadora no cenário global.

É fundamental que todas as políticas se orientem para atender às missões estipuladas pela NIB. Isso exige uma reavaliação do papel do Estado e de suas instituições

A iniciativa é muito bem-vinda, mas para lograr o sucesso almejado é necessário um amplo alinhamento com a política macroeconômica. Esse não é um processo fácil, dado que se a história recente registra uma tendência à desindustrialização, principalmente em economias da América Latina, casos de reindustrialização ainda são novidade. Durante o período de substituição de importações, quando o processo industrial foi bem-sucedido, o planejamento emergiu como uma ferramenta vital de política econômica. Em contraste, ainda que os ventos internacionais sejam mais propícios, seguem prevalecendo os preceitos neoliberais de um Estado enxuto e corretor de falhas de mercado. 

Adicionalmente, a inserção subordinada de economias como a brasileira permanece reduzindo margens de política, atrelando-as aos ciclos de liquidez internacional. Ou seja, períodos de condições externas favoráveis e expansão da demanda agregada geralmente coincidem com reduções nas taxas de juros domésticas e expansão fiscal, ao passo que o oposto ocorre em tempos de retração econômica global. Tal padrão econômico inibe o investimento produtivo, essencial para o crescimento a médio e longo prazo, devido à natureza curta e volátil do ciclo econômico em economias periféricas, resultando em uma perda de dinamismo.

Esta dinâmica apresenta um desafio substancial para a reindustrialização, que depende do aumento da taxa de investimento público e privado. Tal incremento exige, por um lado, expectativas positivas de expansão da demanda agregada e, por outro, uma alta confiança nessas expectativas. Identificam-se, portanto, duas condições primordiais para um projeto de reindustrialização bem-sucedido: uma política macroeconômica dedicada a sustentar o crescimento da demanda com estabilidade de preços, fomentando expectativas positivas quanto ao retorno futuro dos investimentos, e uma política industrial que minimize as incertezas associadas ao investimento em tecnologias novas e sustentáveis. A viabilização de investimentos produtivos que transformem a estrutura produtiva deve ocorrer por meio do fornecimento de condições de financiamento adequadas aos riscos envolvidos.

Para efetivar a reindustrialização, é crucial adotar o que o economista Antonio Barros de Castro denominou de “convenção para o crescimento”. Atualmente, essa convenção precisa ser adaptada para enfrentar novos desafios, transformando-se em uma convenção para o desenvolvimento sustentável. Neste contexto, é fundamental que todas as políticas macroeconômicas se orientem para atender às missões estipuladas pela NIB. Isso exige uma reavaliação do papel do Estado e de suas instituições, iniciando pelo Banco Central, cuja política monetária deve estar subordinada à política fiscal – e não o contrário. 

Em suma, o projeto de reindustrialização implica na criação de um ambiente institucional onde diferentes esferas do poder público – responsáveis tanto por políticas de curto prazo quanto por políticas estruturantes de longo prazo, incluindo políticas sociais de acesso a bens públicos – operem de maneira coordenada. Tal abordagem deve promover uma mudança estrutural significativa, direcionando a economia para uma trajetória de crescimento sustentável e tecnologicamente avançado.

Seguimos torcendo para que esse seja um primeiro passo para a tão necessária mudança de convenção. 

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