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O amigo emergente

Apoiador de primeira hora de Bolsonaro, Ricardo Faria é dono de terras envolvidas em denúncias de grilagem e troca mimos com o Planalto

Imagem: Clauber Cléber Caetano/PR
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Em uma tarde descontraída de maio, Jair Bolsonaro foi apresentado ao jingle que embalará sua campanha à reeleição. “É o capitão do povo que vai vencer de novo. Ele é de Deus, e pode confiar. Defende a família e não vai te enganar”, entoaram os gêmeos sertanejos Matheus e Cristiano. Na pequena plateia, além do próprio candidato, o general Walter Braga Netto, indicado ao posto de vice na chapa, o “primeiro-ministro” Ciro Nogueira, almirante do Centrão e um dos maestros do orçamento secreto, e o empresário Luciano Hang, o “véio da Havan”, que desistiu de concorrer a um cargo público, mas mantém sua cruzada para livrar o Brasil do comunismo. A primeira execução de Capitão do Povo foi ouvida em uma propriedade de Ricardo Faria, conhecido como o “emergente do agro”, avaliada em 75 milhões de reais e equipada com cinema, academia de ginástica e campo de futebol. O casarão fica localizado no exclusivo empreendimento Fazenda Boa Vista, que possui não um, mas dois campos de golfe de 18 buracos, e abriga um Hotel Fasano, onde poucas horas antes havia se desenrolado outro compromisso obscuro de campanha de Bolsonaro, um almoço no qual o bilionário Elon Musk, paladino da “liberdade de expressão”, segundo o conceito da extrema-direita global, e frenético apoiador de Donald Trump, apresentou seus projetos de investimento na Amazônia brasileira. Nas mesas ao redor, banqueiros, expoentes do agronegócio, executivos do setor de telecomunicação e autoridades variadas, entre elas o ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Apoiador de primeira hora de Bolsonaro e frequentemente visto aos abraços e sorrisos com o ex-capitão, Faria negou a CartaCapital que o presidente seja seu amigo. “Sou um engenheiro agrônomo de centro e não tenho nenhum envolvimento político-partidário. O encontro com o Musk foi no Fasano, um evento do governo brasileiro de divulgação de tecnologia em escolas e foram convidados vários empresários de todos os setores da economia.” A história recente coloca em dúvida essa versão. Ao lado de Hang, o empreendedor que trocou uma rede de lavanderias por investimentos no agronegócio tornou-se conhecido, em 2018, por constranger seus funcionários a gravar mensagens públicas de apoio ao ex-capitão. “Vocês têm que ajudar quem está ajudando a gente. O meu candidato é o Bolsonaro. Estamos caminhando para a beira do precipício. Se nós votarmos no PT, vamos cair dentro desse precipício”, discursou a mais de 300 funcionários da granja que controla em Darcinópolis, em Tocantins, ao lado do então prefeito Jackson Soares. Pelo mesmo motivo, Hang foi proibido naquele ano pelo juizado da 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis de adotar condutas que poderiam influenciar o voto de empregados, ou colaboradores, como se diz hoje em dia. Em outros vídeos, após o segundo turno, comemora a vitória e celebra o fato de seu “estado”, Santa Catarina (na verdade, o garoto do agro nasceu em Niterói), ter despejado votos no número 17.

O EMPRESÁRIO, QUE SE DECLARA DE “CENTRO”, ABRIU AS PORTAS DE CASA PARA A APRESENTAÇÃO DO JINGLE DA CAMPANHA À REELEIÇÃO

Um amigo de infância conta que Tatá, como Faria, de 47 anos, é carinhosamente chamado pelos íntimos, tem, desde pequeno, o tênis como hobby. “Ele sempre foi de família boa, mas sempre correu atrás. Mas a ideia bolsonarista, acho que vem da ideia de vida dele mesmo. Desde que ele ficou muito rico acabou afastando da gente, né?” Os dois foram criados juntos, mas Tatá “sumiu e só aparece às vezes”. A trajetória empresarial de Faria começou nos anos 1990, no ramo de confecção (o empreendedor fabricava macacões para as empresas de conhecidos). Em 1997, nasceu a Lavebras, rede de lavanderias, que receberia um aporte de 115 milhões de reais de Edson Bueno, antigo dono do plano de saúde Amil. Uma década depois, Faria vendeu a Lavebras ao grupo francês Elis pela quantia de 1,7 bilhão de reais. A transação levou a centenas de ações trabalhistas e a uma ação civil pública, instalada em 2018, na qual o empresário é réu, juntamente com os franceses, por danos ambientais coletivos. Segundo o Ministério Público do Maranhão, a Lavebras é uma das responsáveis por intoxicar moradores de Passos do Lumiar. A promotoria pede a cassação da licença de funcionamento da lavanderia, que seria irregular, e sua interdição.

Com o dinheiro da venda da Lavebras, Faria deu início a uma ascensão meteórica no agronegócio, impulsionada pela eleição do amigo. No ano passado, tornou-se um dos maiores, senão o maior proprietário individual­ de terras do País. Calcula-se que seus domínios se estendam por 120 mil hectares, área do tamanho da cidade do Rio de Janeiro. Faria também é, desde 2006, dono de uma granja, batizada com seu sobrenome, na qual cria 14 milhões de aves e cujo faturamento entre 2017 e 2020 saltou de 180 milhões para 785 milhões de reais, segundo dados que circulam no mercado. Como todo empreendedor antenado, o “emergente do agro” enxergou uma oportunidade no desastre econômico produzido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”. Diante da constatação de que carne virou um item de luxo no cardápio dos brasileiros, o empresário decidiu lançar uma rede de restaurantes cuja estrela principal é o ovo. A primeira loja da franquia Eggy foi inaugurada, em 2021, no Itaim Bibi, região Oeste de São Paulo. Outras 30 unidades devem ser inauguradas no futuro próximo.

O agroboy, ao lado do “Véio da Havan”, no almoço com Musk – Imagem: Clauber Cléber Caetano/PR

Embora os inúmeros compromissos o afastem de Criciúma, o atual prefeito, o tucano Clésio Salvaro nomeou Tatá “embaixador” do empreendedorismo da cidade, maneira de surfar na popularidade do bilionário. Salvaro e Tatá comungam da mesma obsessão: livrar o País da influência do esquerdismo. O prefeito foi alvo de investigação do Ministério Público por exonerar um professor que usou a música Etérea, do cantor Criolo, com temática LGBTQI na sala de aula. Segundo o alcaide, o clipe seria “viadagem”. O tucano também figura na lista de negacionistas: um decreto municipal contrariou as regras estaduais e isentou os cidadãos de Criciúma do uso obrigatório de máscaras durante a pandemia.

A fortuna de Faria engordou, no entanto, por conta de uma transação de 2021 cercada de suspeitas e alvo de investigações. Após adquirir a Insolo, empresa do agronegócio, o ex-dono de lavanderias tornou-se proprietário da maior produtora de grãos do País, a Fazenda Ipê, localizada em Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí, terra do ministro Nogueira. Não por coincidência, a primeira antena 5G do Brasil foi instalada na propriedade. Participaram da cerimônia Nogueira, Fábio Faria, ministro das Telecomunicações e sem parentesco com o empresário, e o próprio Bolsonaro, que pousou de helicóptero no terreno, dirigiu um trator, tirou fotos com funcionários e fez um tour pela fazenda recém-adquirida pelo amigo. Segundo Faria, a antena foi instalada pela operadora de telefonia TIM ao custo de 500 mil reais. A mensalidade é paga pela fazenda, “focada no agrodigital”. Sobre o motivo da participação de Bolsonaro e dos ministros na singela “inauguração” de uma obra negociada entre companhias privadas, o empresário afirmou: “O governo gostou muito da iniciativa e a ida do presidente foi liberada até para ajudar a divulgar o uso da tecnologia”. O solo escolhido pelo Palácio do Planalto como símbolo da expansão da tecnologia 5G envolve, no entanto, um escândalo de especulação, grilagem, desmatamento e violação das leis brasileiras por fundos de investimento sediados nos Estados Unidos.

Nogueira, Bolsonaro e Fábio Faria na inauguração de uma antena 5G na fazenda do empresário – Imagem: Reprodução TV

Em novembro do ano passado, Faria pagou 1,7 bilhão de reais e levou a Insolo Agroindustrial de “porteira fechada” e com pagamento em dinheiro. A companhia somou-se ao Terrus, grupo criado pelo agroemergente um ano antes e que administra terras no Maranhão, Piauí e Tocantins, nas quais cultiva soja, milho, arroz e algodão e fatura cerca de 1 bilhão de reais. “Agora ele tá usando o esterco das galinhas para adubar o agronegócio”, define o amigo sobre a nova empreitada. Trata-se da empresa Fertifar, com investimentos de 50 milhões de reais e sediada em Darcinópolis, Tocantins, aquela do vídeo de apoio a Bolsonaro. Antes de sua entrada, 95% da Insolo pertencia ao Harvard, fundo de pensão dos funcionários da prestigiosa universidade norte-americana, que a usava para burlar os limites legais de aquisição de terras por estrangeiros e é alvo de um movimento internacional contra a grilagem e a intimidação de comunidades autóctones, denúncias amparadas judicialmente no Brasil. Em maio de 2018, a Justiça Agrária do Piauí concluiu que uma das subsidiárias da Insolo, a Sorotivo Agroindustial, havia grilado 27 mil hectares incorporados à Fazenda Ipê, praticamente metade da fazenda. “No Piauí, a grilagem é um dos principais vetores do desflorestamento e causa de conflitos fundiários, já que as transações imobiliárias no mercado rural acontecem independentemente da observância das normas relativas à legislação civil, ambiental e agrária, impossibilitando a responsabilização dos envolvidos. E foi justamente essa prática repudiada que executaram os autores e o réu (Sorotivo Agroindustrial Ltda.) em suas matrículas”, registrou o juízo.

Além disso, imagens do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), incluída no Chain Reaction Research, think tank especializado em riscos ambientais, mostram que, entre 2000 e 2018, quase 24 mil hectares foram desmatados na Ipê (imagem na página 12). Os satélites captaram ainda centenas de focos de incêndio no entorno da fazenda em 2019, quando a escalada da destruição ambiental passou a assombrar o mundo. Ao todo, a Insolo, segundo o monitoramento, teria sido responsável por desmatar mais de 53 mil hectares na última década.

EM 2018, FARIA, COMO LUCIANO HANG, “ESTIMULOU” OS EMPREGADOS A VOTAREM EM BOLSONARO PELO BEM DO BRASIL

O “agrônomo” rechaça as denúncias e afirma que, antes de comprar a Insolo, abriu diligências na região da Fazenda Ipê. “Nada de irregular foi encontrado”, garante. “Nosso negócio na Insolo é crescimento e sustentabilidade. Zero política envolvida. As iniciativas de Harvard foram muito bacanas e essa Insolo foi a joia da coroa. Uma empresa super bem cuidada.” Faria faz questão de citar as políticas inovadoras da empresa, entre elas a inclusão de mulheres em cargos executivos e o compromisso com a sustentabilidade. “Vamos ter 25 mil hectares totalmente biológicos até 2023.”

Aos crimes ambientais no Cerrado somam-se, porém, denúncias de violações de direitos humanos, intimidação de povos tradicionais, contaminação de rios e até o aumento de doenças como câncer, em consequência do uso indiscriminado de pesticidas. Após serem expulsos de suas terras nos arredores da Fazenda Ipê, onde criavam gado e plantavam, os pequenos agricultores relatam terem sido levados a outra propriedade da Harvard, a Fortaleza, e submetidos a restrições de acesso à água potável, desviada para a irrigação de plantações, e expostos à maciça pulverização de fertilizantes. Altamiran Ribeiro, integrante da Comissão Pastoral da Terra no Piauí, viajou aos Estados Unidos para denunciar a atuação do Fundo Harvard na região. Segundo Lopes, muitos investidores desconheciam a atuação dos gestores. A violência armada e as ameaças são comuns, diz o agente, ele mesmo intimidado duas vezes por jagunços. “Tudo que vem de fora assim gera impacto. Muitas vezes eles sabem. Que são documentos fraudulentos, que as terras eram griladas, mas não ligam. E depois vão passando em cima dos moradores, espremendo eles nas terras.” A venda da Insolo, acredita, não vai reduzir a violência e a situação de abandono das comunidades tradicionais. “Agora perto da Fazenda Fortaleza começaram a desmatar, na área da Insolo. Isso tem causado muitos problemas para os povos, pois há risco de seca dos rios. Tem uma comunidade, a Angelim, obrigada a percorrer 20 quilômetros a mais, pois vetaram o acesso deles à estrada.”

Imagens de satélite mostram o desmatamento na Fazenda Ipê, adquirida do fundo norte-americano Harvard – Imagem: Chain Reaction Research/Prodes

Desde a crise financeira de 2008, o Fundo Harvard, cujo patrimônio alcança a marca de 39 bilhões de dólares, buscou diversificar sua carteira de investimentos. O alvo preferencial: terras agrícolas ao redor do mundo, principalmente em países com pouca fiscalização ou regras frouxas. Em pouco tempo, gastou 1 bilhão de dólares em 850 mil hectares, 370 mil só no Brasil. Aqui, a Insolo funcionava como a “facilitadora” na aquisição de terrenos, principalmente no Piauí, segundo relatório da Grain e Direitos Humanos, e teria recebido aportes do fundo de 140 milhões de dólares em oito anos. A fundação é capitalizada por anuidades da aposentadoria dos professores de Harvard, que por anos ficaram sem saber do rastro de destruição causado em países como Brasil, África do Sul, Nova Zelândia, Rússia, Ucrânia e Equador. “Para burlar as regras que impõem limites para aquisição de terras por estrangeiros, tais fundos se utilizam de complexas estruturas entre fundos nacionais, subsidiárias e pessoas jurídicas locais, de modo a se utilizar de CNPJs nacionais para ampliar de forma irrestrita seus negócios com terras”, descreve o relatório. De acordo com a investigação, as aquisições se davam por meio de “estruturas comerciais complexas que dificultam a verificação de suas propriedades agrícolas específicas”.

Faria tornou-se um dos grandes produtores de grãos do País e um dos maiores proprietários de terras – Imagem: Reprodução TV

A estratégia de diversificação mostrou-se, porém, temerária e o fundo deu início a uma tentativa desesperada de se desfazer das terras. No Brasil, a busca por compradores começou em 2019 e foi conduzida por Colin Butterfield, brasileiro de origem e executivo do fundo de dotações da Universidade Harvard, segundo a agência de notícias Bloomberg. Colin é um velho conhecido da política brasileira, do agronegócio e de Faria, pois figurou como sócio do empresário na Insolo e na IPA Investimentos. Um dos fundadores do Vem Pra Rua e do Partido Novo, figurinha fácil nas manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff, Butterfield presidiu a Cosan Alimentos e, em 2013, tornou-se CEO da Radar S.A., joint venture da mesma Cosan com o TIAA (Teachers Insurance and Annuity Association of America – Associação Americana de Seguros e Anuidade de Professores dos Estados Unidos), parceiro do Fundo Harvard na aquisição de terras no Brasil. Rubens Ometto, controlador do Grupo Cosan, é outro empresário empenhado na reeleição de Bolsonaro e foi um dos convidados do almoço com Musk na casa de Faria. “Os investimentos em terras agrícolas feitos por Harvard sem transparência alguma trouxeram lucros extraordinários para os gerentes do fundo e seus parceiros comerciais, mas foram um fracasso enquanto estratégia de investimento para a universidade”, afirma o relatório da Grain.

Além do ex-sócio Colin e da transação comercial com o fundo de pensão, Faria mantém outras relações com a universidade. Em 2019, recebeu o diploma de Harvard Alumni, que homenageia ex-alunos “engajados”, segundo o site da instituição. “A parceria com Harvard foi no sentido de comprar uma área que pertencia ao fundo de pensão da universidade e ela tem uma pegada muito de meio ambiente e sustentabilidade, e criaram em uma das fazendas um polo de tecnologia de biodefensivos (Fazenda Ipê), onde já existe o plantio de 12 mil hectares sem utilização de defensivos químicos que combatem percevejos, moscas, insetos (…) e evita a utilização de produtos químicos no cultivo da área. Área de inovação que muito nos fascina, nós multiplicarmos essa área, não existe como produzir em larga escala se não levar junto o ­viés da sustentabilidade”, afirmou à época.

O FUNDO HARVARD, DONO DAS TERRAS COMPRADAS POR FARIA, BURLOU AS LEIS BRASILEIRAS E INCORPOROU ÁREAS PÚBLICAS AO PATRIMÔNIO

Os investimentos de Harvard, da TIAA e de Faria se concentram na região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), fronteira agrícola cuja localização é o “sonho de consumo” dos empresários do agronegócio. Um simples mapa mostra por que os fundos norte-americanos e outros interessados cobiçam as terras no enclave. Ao redor, são 41 portos fluviais, além de Itaqui, no Maranhão, que encurta a viagem dos navios para a Europa e, em especial, para a China. O Matopiba abriga ainda 35 aeroportos públicos e 160 privados, usados principalmente pelo agricultores, segundos dados do Ipea, além da malha rodoviária e ferroviária. Ao todo, são 73 milhões de hectares distribuídos em 31 microrregiões e 337 cidades. A TIAA e o fundo Harvard não foram as únicas companhias estrangeiras a adquirir terras na região. A holandesa ABP, a japonesa Sojitz e a britânica Valiance Asset Management figuram na lista. “Todas se valem de jeitinhos para realizar as operações agrícolas e ludibriam a legislação, na maioria das vezes trabalham em parceria com o agronegócio brasileiro e  empresas locais que compram as terras”, explica Jessica Siviero, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mestre em desenvolvimento rural e estudiosa do caso Harvard.

A Lei 5.709, de 1971, e o Decreto-Lei 494, de 10 de março de 1969, limitavam o acesso de estrangeiros a terras brasileiras. Em 1998, a Advocacia-Geral da União emitiu, porém, o Parecer 181, que de certa forma serviu como um “liberou geral” no campo, posição revista em 2010 pelo governo federal, que ampliou o controle dos negócios. Sob Michel Temer e Bolsonaro, a “farra” com terras públicas ganhou novos capítulos. A Lei 13.465, de 2017, que modificou 26 diretrizes da regularização fundiária no País, “anistiou terras griladas no Brasil e promoveu uma privatização em massa, uma imediata autorização de 40 milhões de hectares de patrimônio público federal (área do tamanho da Alemanha), sem licitação, com descontos de 90% a 50% dos valores mínimos do Incra”, detalha o relatório da Grain. A MP 910, de 2019, substituída em 2020 pelo Projeto de Lei 2.633, estimula uma concentração das terras sem precedentes na história do Brasil. A MP permitiu a chamada “autodeclaração” de propriedade. “Dados do Sistema de Informações do Cadastro Ambiental Rural (Sicar) até março de 2019 indicavam que 76% do território nacional foi declarado como imóveis rurais particulares. O que indica fraude aos cadastros públicos audeclaratórios, a fim de promover o maior roubo de terras e patrimônio público da história do País, facilitada pelas novas regras da lei de terras vigentes desde dezembro de 2016”, denunciam as organizações. O volume de terras compradas por investidores estrangeiros no Brasil chega a 3 milhões de hectares.

No entorno da Fazenda Ipê, as comunidades enfrentam problemas de acesso a água potável, isolamento e exposição a agrotóxicos – Imagem: Prefeitura de Ribeiro Gonçalves/PI e Prefeitura de Baixa Grande/PI

Nesse contexto, o Cerrado perdeu quase 6 milhões de hectares em vegetação nos últimos dez anos, conforme a MAPBiomas. Segundo a Chain, o desmatamento em fazendas em posse de estrangeiros representa 22% do total detectado no Matopiba entre 2000 e 2017. A Agrosatélite estima 1,9 milhão de hectares de vegetação nativa perdidos na região. A região experimentou um aumento de 25% na violência no campo entre 2019 e 2020, descreve um trabalho da CPT. Lopes aponta a “milicianização” das polícias locais, que atuam em parcerias com grileiros, empresários e especuladores de terras.

O esquema do Fundo Harvard denunciado pelo relatório da Grain e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos incentivou a criação do movimento “Stop Harvard Land Grabs”. A iniciativa reivindica que o fundo pague 9 bilhões de dólares pelo mal causado nos países em que investiu, além de denunciar e defender o combate à grilagem de terras. As entidades também pedem a suspensão de investimentos em terras agrícolas, uma forma, dizem os organizadores, de amenizar os conflitos fundiários resultantes da aquisição desregulada e sem transparência das terras ao redor mundo, com destaque em países da América Latina. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1212 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O amigo emergente”

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