Entrevistas

cadastre-se e leia

No coração de Lula

O ministro Wellington Dias rebate as críticas ao seu desempenho e cita “mútua confiança” com o presidente

Experiência. Ex-governador, Dias está acostumado com as intrigas e com o “fogo amigo” – Imagem: Wanezza Soares
Apoie Siga-nos no

O Centrão não está para brincadeiras. Na primeira sessão da Câmara após o recesso parlamentar, na terça-feira 1°, o presidente da Casa, Arthur Lira, e seus associados mandaram um recado ao Palácio do Planalto: enquanto Lula não concretizar a nomeação para o ministério de Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA), nada feito. Lira suspendeu por tempo indeterminado a votação final do arcabouço fiscal.

Entre as pastas cobiçadas está o Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, atualmente nas mãos do petista Wellington Dias, ex-governador e senador licenciado pelo Piauí. Maior orçamento do Executivo – 273 bilhões de reais neste ano –, o MDS administra dois dos maiores programas sociais do País, o Bolsa Família e o Benefício de Proteção Continuada (BPC), cuja capilaridade pelo País aguça o apetite do Centrão. Lula resiste ao assédio. “Este é um ministério meu. Não é o partido que quer vir para o governo que pede ministério. É o governo que oferece.” Dias conta ainda com o aval da primeira-dama, ­Janja, que gravou um vídeo em apoio ao ministro.

O ex-governador não escapa, porém, da fúria de velhos adversários, entre eles Ciro Nogueira, piauiense que controla o PP, e do fogo amigo (petistas reclamam da ausência de pautas positivas nestes sete meses de mandato). Uma corrente do governo defende o desmembramento do ministério e a divisão dos programas sociais, o que permitiria entregar a Fufuca, fiel escudeiro de Lira e Nogueira, um naco das ações do governo direcionadas aos mais pobres. Sob Bolsonaro, o Centrão mandou no Bolsa Família, transformado em Auxílio Brasil. No período, o Brasil voltou a ocupar um lugar no vergonhoso mapa da fome. As cenas de famintos a brigar por ossos correram o mundo e ilustraram o período infame dos últimos quatro anos. Os desafios continuam.

Na entrevista a seguir, Dias rebate as críticas, faz um balanço da gestão, fala da necessidade de o governo construir bases no Congresso Nacional, mas se mostra reticente em relação à adesão do Centrão. “O Bolsa Família é o próprio coração do presidente Lula”, resume. “A minha relação com o presidente é de confiança mútua.”

“A ordem é trabalhar, e trabalhar muito. Vamos tirar o Brasil do mapa da fome”

CartaCapital: O que explica a cobiça do Centrão pelo Ministério de Desenvolvimento Social?
Wellington Dias: Pela vivência, na condição de governador do Piauí, sempre persegui o objetivo de ter uma base que permitisse uma estabilidade maior. Às vezes, de fora, parece muito mais um acordo dos políticos, mas na prática se trata do interesse do País. Não é fácil, tem de discutir com quem você acabou de disputar uma eleição, tem de tratar a partir da conjuntura de cada estado, cada região, das disputas partidárias. Do outro lado, é natural que existam as especulações, o que chamo de fuxico. O fato: quem toma a decisão é o presidente da República. Conversei com Lula durante esse período e a ordem é trabalhar, e trabalhar muito. Encontramos o Brasil numa situação de elevado número de gente na pobreza. Recebemos do governo anterior 94,7 milhões de inscritos no Cadastro Único, 55 milhões na extrema pobreza e muita gente passando fome. O que desejam o presidente e o Ministério do Desenvolvimento Social? Primeiro, tirar o Brasil do mapa da fome. Depois, reduzir a pobreza, ou seja, abrir oportunidades pelo crescimento da economia, por meio da qualificação dos integrantes do Cadastro Único, pelo emprego e pelo empreendedorismo. Daí vem a importância do maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família. A gente repassa por mês algo em torno de 14 bilhões de reais para, aproximadamente, 21 milhões de famílias, cerca de 54 milhões de brasileiros. O objetivo é ter um Brasil sem fome, integrar o Bolsa Família com um conjunto de outros programas que o presidente Lula trouxe de volta, e que tinham sido desmantelados. O Bolsa Família é o próprio coração do presidente Lula e tenho me dedicado muito, estou animado para trabalhar com toda a equipe, integrada com estados, municípios, com as entidades, empresários, trabalhadores. E temos conseguido bons resultados.

Mala e cuia. Lira e Nogueira, adversário de Dias no Piauí, preparam a adesão ao governo – Imagem: Mateus Bonomi/Agif/AFP

CC: Existe a informação de que o próprio presidente Lula estaria insatisfeito, pois esperava pautas positivas do seu ministério. Quais resultados o governo esperava?
WD: Infelizmente, alguns acreditam nesse jogo de intriga, de jogar uns contra os outros. Estive com o presidente Lula para tratar do programa Escola de Tempo Integral, até porque a prioridade é o público do Cadastro Único. Crianças e adolescentes vão ficar ao menos sete horas por dia na escola. Temos o combate à desnutrição, a gente tem o café da manhã quando chega na escola, o lanche e o almoço. O presidente está preocupado com a necessidade de se avançar, por exemplo, em relação à população em situação de rua e à população idosa. A minha relação com o presidente é de mútua confiança. Claro, ele comanda, dá o caminho e a gente segue. Ele quer que a gente foque em tirar o Brasil do mapa da fome, em reduzir a pobreza, integrar para dar mais dignidade aos cidadãos, com o Minha Casa Minha Vida, com o Luz para Todos, Tarifa Social de Energia, Farmácia Popular, um conjunto de programas importantes para o público do Cadastro Único. E me adiantando sobre o “fogo amigo”. Tenho tido muita parceria e trabalho integrado com os meus colegas ministros, tenho o apoio da bancada, dos meus colegas de partido, dos governadores, dos municípios, ninguém faz nada só. Essa integração vai dar bons resultados.

“Acho uma aventura fatiar o ministério. Não dá certo, como vimos no governo anterior”

CC: Especificamente sobre o Bolsa Família, além da recriação do programa, o senhor lançou recentemente um incremento com base na renda per capita das famílias. Do que se trata exatamente?
WD: Lá atrás, o governo que ali estava praticamente parou a segurança no repasse do cofinanciamento aos municípios, estados e mesmo às entidades, uma rede extraordinária com 12 mil pontos espalhados no Brasil. Olha só o resultado: aumentaram a fome e a população em situação de rua, aumentou o número de pessoas em completa desproteção, caiu a vacinação, caiu a matrícula nas escolas, cresceu a informalidade tanto no emprego quanto na área do empreendedorismo. Estamos em um período de reconstrução e trabalhamos o modelo do Bolsa Família não apenas com o mínimo de 600 ­reais e 150 reais por criança até 6 anos, mas também o repasse a mais para gestante e para crianças entre 7 anos e 18 anos. O objetivo é garantir que estejam no Cadastro Único todos em situação de dificuldade. No cadastro, a gente faz a medição da renda, a partir de um sistema de cruzamento de dados e, com base nisso, descobrimos se a renda por indivíduo é igual ou abaixo de 218 reais. Se está abaixo, recebe o Bolsa Família, mesmo se alguém da família começar a trabalhar com carteira assinada. Antes, perdia o Auxílio Brasil, mas agora a gente mede e, se a renda per capita for menor que 218 reais, o beneficiário recebe o Bolsa Família e o salário do emprego. Se essa renda ultrapassar esse valor, mas ficar abaixo de 660 ­reais, meio salário mínimo per capita, o limite do Bolsa Família, então recebe o salário e mais 50% do Bolsa Família. Quando ultrapassa 660 reais, sai do Bolsa Família, mas permanece no Cadastro Único. A qualquer momento, caiu o salário, caiu a renda, perdeu o emprego, não tem o seguro desemprego, a medição é feita novamente. Com isso, eliminamos o medo de se assinar a carteira, de regularizar o negócio. Entrou na rede de proteção, não sai mais, permanecerá sempre de forma protegida. Só sai do Cadastro Único quando for para a porta de ­entrada da classe média, na classe C.

Sobras. Sob Bolsonaro, 33 milhões de brasileiros foram buscar na lata de lixo um naco de sobrevivência – Imagem: Raimundo Paccó/AFP

CC: O Bolsa Família e outros programas sociais como o BPC estiveram recentemente na nas mãos do Centrão. O que representaria o fato de programas como esses voltarem às mãos desse grupo?
WD: Eu, mais que ninguém, sei da importância da organização de uma base do governo. Agora, quando a gente olha o que que aconteceu no governo anterior, vê o desmantelamento do Bolsa Família e a sua desvinculação de outros programas. O Bolsa Família é o maior programa social do planeta, mas é também integrado à busca da dignidade. Trabalhamos nisso agora, setor público e setor privado, para, por meio do emprego, do empreendedorismo, dar uma oportunidade a esses brasileiros. Então, não se trata nem mesmo de um partido ou de um governo. Ninguém quer ver o País voltar à situação que só gerou mais pobreza.

CC: Há vários acenos em defesa do ministério e do senhor, mas existe também uma ala do governo a propor o desmembramento da pasta, retirando o Bolsa Família e o BPC. Existe MDS sem o Bolsa Família e o BPC?
WD: Veja a tentativa no mandato anterior de desvincular o Bolsa Família de outros programas, de promover o apartheid com os próprios municípios, quando pegaram o dinheiro do cofinanciamento e transformaram num toma lá dá cá. Tenho a confiança, na condição de ministro, de coordenar uma câmara integrada de segurança alimentar e nutricional com 24 ministérios que também voltaram à rede de fiscalização federal do Bolsa Família. É um conjunto de coisas que bate com a promessa do presidente de reconstrução. Acho uma aventura fatiar uma área como essa. Está provado pela experiência do mandato do presidente anterior que não dá certo. Ao contrário, criou graves problemas para o povo.

“Sei da importância de uma base no Congresso. E o presidente Lula sabe o que quer”

CC: Existe uma grita do Congresso Nacional em relação a emendas. O senhor tem dificultado a liberação dos recursos?
WD: Sei da importância dessa boa relação com o Congresso. Fiquei feliz em ver vários ministros bem avaliados, eu ali na terceira posição nessa avaliação. As conjunturas mudam, se alteram, e temos de aperfeiçoar. Quando a gente tem a liberação dos recursos, abre o sistema, os municípios se cadastram, há todo um esforço para regularizar o documento que falta, temos de cumprir regras legais. Do outro lado, há toda uma agilidade para empenhar e liberar. Se tem uma ou outra insatisfação, estou aberto a receber pela manhã, tarde, noite, dia de semana, fim de semana, porque sei da importância de cada projeto para o povo em cada canto do Brasil.

CC: O senhor tem a fama de ser um bom articulador político. Qual a sua avaliação sobre a articulação do governo e como melhorar a relação com o Congresso?
WD: Se a gente olhar a conjuntura do primeiro semestre, tivemos importantes entregas. Aprovações no meu próprio ministério, do Bolsa Família, do programa de aquisição de alimentos e de cisternas, permitindo a liberação de 562 milhões de reais. O Congresso foi bastante atencioso com o povo brasileiro, aprovando o orçamento deste ano, alterado conforme propôs o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin, aprovando a lei que trata de igualdade de remuneração entre homens e mulheres, a lei que garantiu as condições do Minha Casa Minha Vida, um conjunto de projetos da maior importância para o Brasil. Estou animado em relação à aprovação do novo arcabouço fiscal, que permitirá ao País ter o controle das contas de verdade, da reforma tributária e de outras medidas em tramitação. Vejo um saldo positivo, no momento em que ainda estamos na fase de consolidação de uma base parlamentar permanente.

Apoio. Janja, a primeira-dama, ressaltou em vídeo a importância do ministério de Dias – Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABR

CC: A entrada do Centrão no governo não vai comprometer o projeto político eleito nas urnas em 2022?
WD: Fazer uma composição não é simples. Acabou de ter uma eleição tensa, o presidente Lula venceu e, agora, como a gente fez uma minoria, especialmente na Câmara, é preciso fazer composição, num diálogo com os partidos, com as lideranças de cada estado. O presidente sabe o que quer. Quando ele apresenta aos parlamentares a condição de trabalhar em conjunto, não abre mão de ser o presidente, de ter o plano com que ele se comprometeu com o Brasil, de fazer crescer a economia, melhorar o social, dar oportunidades de emprego, de empreendedorismo, trazendo mais dignidade, casa para quem não tem, energia e água onde não chegaram, melhorando as estradas, os portos e aeroportos. •

Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘No coração de Lula’

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo