Política

Nem tudo é tão linear

Aqueles apegados ao linear esquema de análise da polarização subestimaram as disputas internas e a microfísica dos pequenos poderes.

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A divulgação do áudio de uma conversa entre o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, confirmando muito do dito por senador Romero Jucá (PMDB-RR), também a Machado, demonstra algo já apontado por Marx no 18 Brumário: as forças sociais nem sempre agem de forma articulada e movida pelos mesmos interesses imediatos.

Havia um interesse das forças econômicas do mercado na interrupção de um governo – embora com muitas concessões – que passou a ser visto como incapaz de ceder às pressões dos movimentos sociais para seguir adiante com o programa de arrocho e aniquilação de direitos sociais.
 
De outra parte, forças políticas que se aninharam, nos últimos 30 anos, no conveniente jogo de corrupção privada dentro do Estado mostraram-se atemorizadas com o curso de investigações e delações que “saíram do controle”. Isso demonstra que Sergio Moro e a Operação Lava Jato passaram a ter jogo próprio.
Assim como os promotores de São Paulo que, ao se precipitarem de forma exibicionista no pedido de prisão do ex-presidente Lula, desencadearam uma reação política – quase espontânea por parte da militância de esquerda – e complicou a possibilidade de um grande acordo de concertação política.
 
Evidencia, ainda, que o PSDB perdeu o protagonismo da oposição e Lula teve enfraquecida sua capacidade de fazer acordos com tudo e todos.
 
Meio caminho
Dilma errou ao ficar no meio do caminho entre o programa conservador e as pressões progressistas – perdendo a confiança de todos os lados – e por deixar seguir investigações profundas no aparelho de Estado, como se fossem meras questões gerenciais.
 
Aqueles que continuaram apegados ao linear esquema de análise da polarização entre PT e PSDB ou burguesia versus proletariado subestimaram as disputas internas e a microfísica dos pequenos poderes. 
 
Tais jogos secundários tendem a ganhar a cena principal em tempos de crise das grandes forças estruturais. Me parece que é o que vivemos agora, neste tempo de interregno.
 
Não há ainda nenhuma liderança ou organização que consiga catalisar a unidade da disputa política, nem de um lado, nem de outro. Os representantes do capital estão em crise e a esquerda também.
 
Nestes tempos, o palco fica livre para personagens menores, mas perigosamente nefastos e imprevisíveis.
 
Hitler emergiu em um tempo histórico similar.
  
Andrea Caldas é diretora da faculdade de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

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