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Nação de idosos

O rápido envelhecimento da população brasileira é um enorme desafio para os gestores públicos

Impasse. Para um homem se aposentar, é exigida idade mínima de 65 anos, mas o mercado descarta profissionais a partir dos 50 anos, às vezes até antes disso – Imagem: Cristian Góes/Sec. Previdência Social e iStockphoto
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Com dois anos de atraso e marcado por problemas ideológicos e sanitários, o Censo Demográfico 2022, cujos primeiros números foram divulgados pelo IBGE no fim de junho, tem despertado dúvidas quanto aos resultados. Em meio às incertezas, ao menos um fenômeno captado pela pesquisa parece ser consensual entre os especialistas: a população brasileira está envelhecendo em ritmo mais acelerado que o previsto. Embora os quantitativos em relação à idade, sexo, raça e escolaridade ainda não tenham sido revelados, a forte desaceleração do crescimento populacional nos últimos 12 anos indica a possibilidade de o País chegar a ter 40% de idosos na segunda metade deste século, o que vai exigir dos gestores públicos e da sociedade em geral atenção especial para esse público.

Os números do Censo revelam o menor crescimento populacional dos últimos 150 anos, com uma taxa inédita de expansão­ inferior a 1%. Até a década de 1960, a ­taxa de fecundidade no Brasil era muito alta, uma característica que começa a mudar a partir dos anos 1970 e continuou numa crescente até os dias de hoje, sendo definidor para a desaceleração do crescimento populacional e aumento no número de idosos. Nos anos 1970, o número de habitantes crescia, em média, 2,8% ao ano. Entre os Censos de 2010 e 2022, esse porcentual despencou para 0,52% ao ano.

O IBGE previa redução populacional a partir de 2047, vaticínio antecipado em mais de 20 anos

Não é tudo. Em 2018, o IBGE estimava a existência de 214 milhões de brasileiros em 2022, 10 milhões a mais do que revelou o novo Censo. O instituto também previa redução populacional a partir de 2047, vaticínio antecipado em mais de 20 anos. “Esse número de 203 milhões de habitantes está muito abaixo do esperado. Não estou falando que está errado, mas a população de 2010 era de 191 milhões e, se eu somar todos os nascimentos do período e subtrair todas as mortes, isso dá 18 milhões de pessoas. Se eu tinha 191 milhões e somo 18 milhões, dá 209 milhões. O número não bate. Mas é preciso lembrar que, no crescimento vegetativo, não entram os fluxos migratórios, então esse número pode ser menor mesmo”, pondera José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador aposentado do IBGE.

O especialista reconhece que vários problemas atrapalharam a pesquisa de campo. Desde que assumiu o comando do País em 2019, o governo Bolsonaro colecionou ataques ao IBGE, começando pela desqualificação do instituto, passando pelo corte de verbas e não reposição de pessoal, até a suspensão do Censo. Em meio ao boicote e ataques ao órgão, veio a pandemia de Covid-19, mais um motivo de adiamento da pesquisa demográfica. Só em 2021, depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que obrigou o governo a destinar recursos para a realização do Censo, o estudo saiu e, mesmo assim, aconteceu em meio à eleição mais polarizada da história recente do Brasil, no segundo semestre de 2022.

Dano. Se dificultar ainda mais o acesso à aposentadoria, teremos milhões de idosos na mendicância, como já ocorre no México – Imagem: iStockphoto

Considerando a série histórica do ­Censo Demográfico, o crescimento populacional tende a cair ainda mais nas próximas décadas, até alcançar o nível de ­decrescer, ou seja, registrar mais óbitos que nascimentos, consolidando o envelhecimento da sociedade brasileira. Esse dado tem gerado até especulação sobre uma nova proposta de reforma da Previdência.

“O País não aguentaria mais”, alerta Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “As sucessivas reformas já tornaram a aposentadoria pelo INSS algo inatingível para a grande maioria da população. Até porque metade da população economicamente ativa está desempregada, desalentada ou na informalidade. Os outros 50% têm acesso restrito, uma vez que a aposentadoria integral é praticamente inalcançável, exige dos homens 65 anos de idade e 40 de contribuição e, das mulheres, 62 anos de idade e 35 de contribuição. Propor uma nova reforma é desumano e uma hipocrisia. Na próxima década, a grande maioria dos idosos não terá direito à aposentadoria. Será um caos social”, emenda o economista, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho da Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política e Social. Para o especialista, os dados do Censo não têm impacto substancial de imediato na vida dos idosos, porque esse público já é vítima de regras excessivas no tocante à aposentadoria e, caso a situação se acentue, o Brasil pode passar a ter um grande número de idosos nas ruas na condição de mendicância, como já acontece em países como México e Chile.

Jorge Félix, professor de Gerontologia da USP e autor do livro Economia da Longevidade – O Envelhecimento Populacional Muito Além da Previdência, lembra que, desde a década de 1990, as reformas são apontadas como resposta para a dinâmica demográfica que indica o envelhecimento da população, independentemente de governo ou partido político. “Na verdade, não são reformas. A intenção é privatizar o sistema previdenciário, empurrar as pessoas cada vez mais para a previdência privada. No INSS, mais de 70% dos aposentados e pensionistas ganham até um salário mínimo. Teremos uma população idosa no futuro próximo com renda muito baixa, devido a essas reformas. A previdência pública está se metamorfoseando em um sistema de assistência social. Menos de 1% dos benefícios chega ao teto, a grande maioria só recebe o mínimo”, explica, acrescentando que a tendência de muitos idosos é depender do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A população brasileira crescia 2,5% ao ano na década de 1970. De 2010 a 2022, a taxa despencou para 0,52%

Se alcançar a aposentadoria é quase uma utopia para a grande maioria dos brasileiros, manter-se no mercado de trabalho na chamada terceira idade é o maior dos desafios. Depois de 50 anos – às vezes até mais jovem – o trabalhador vem sendo enxotado dos seus postos de trabalho. Para José Dari Krein, doutor em Economia Social e do Trabalho e professor da Unicamp, é preciso aproveitar a janela da oportunidade, porque o Brasil ainda tem uma população ativa maior do que a aposentada. Com o envelhecimento de seus habitantes, a tendência é de que, a partir das próximas décadas, o número de ­pessoas com trabalho formal vai ser menor que o de aposentados. “É preciso redistribuir as atividades úteis para a sociedade, o que significa reduzir o tempo laboral dos trabalhadores. Tem de repensar um pouco todo o processo de reorganização da vida social, para que as pessoas possam trabalhar menos e usufruir de uma qualidade de vida melhor na terceira idade. O Estado vai precisar injetar recursos no INSS para garantir que as pessoas se aposentem.”

José Eustáquio Diniz Alves defende um terceiro bônus demográfico como alternativa à inclusão dos idosos no mercado de trabalho. Segundo explica, há 30 anos, o Brasil contava com apenas com 5% da população com mais de 60 anos, enquanto a maioria maciça era formada pelos grupos economicamente ativos, dentro do que se configurou chamar de o primeiro bônus demográfico. “Todo país que enriqueceu no mundo passou por esse bônus demográfico, dando um alto padrão de vida à população”, diz. Agora, a população em idade ativa vem diminuindo e, por volta de 2030, vai ter menos gente em idade de trabalhar. “Aí será preciso investir na educação, na produtividade e na tecnologia, para que essa população consiga produzir mais com menos gente. Isso chamamos de segundo bônus demográfico, ou bônus da produtividade.” O terceiro, segundo Alves, caracteriza-se pelo aumento do volume de idosos na sociedade e do aproveitamento desse contingente. “Isso pode ser benéfico se contarmos com o envelhecimento saudável e ativo. O grande número de pessoas da terceira idade deve ser encarado como ativo, e não como passivo”, defende, salientando que o Japão vive essa fase, criando condições para a população idosa contribuir com a sociedade.

Imagem: Arte: Regina Assis

Para Jorge Félix, os dados revelados pelo IBGE forçam o Poder Público a priorizar as três principais áreas que afetam a população idosa: alimentação, habitação e saúde, setores que sugam a maior parte da renda das pessoas acima de 60 anos. “As futuras gerações de idosos terão uma renda muito baixa, não serão capazes de honrar com esses compromissos. Além disso, essa população já está endividada”, alerta.

A antropóloga e professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e em Ciências Sociais da Unicamp Guita Grin Debert chama atenção para um público específico de idosos, os quais deveriam ser priorizados pelas políticas públicas. Debert refere-se às pessoas acima de 60 anos que têm algum tipo de dependência. Ela explica que o Brasil tem uma legislação avançada para o idoso, mas que só contempla as ­pessoas com independência funcional. “Temos o Estatuto do Idoso, uma política nacional, o Brasil assinou programas internacionais voltados para essa população, os municípios têm programas voltados para ­pessoas da terceira idade… Mas me parece que essas políticas mobilizam principalmente os jovens idosos, pessoas que têm alto grau de autonomia funcional. Ainda são poucas as instituições de longa permanência para idosos que dependem de cuidados especiais. Essa realidade precisa ser olhada com mais carinho, com mais atenção.” •


MAIS UMA JABUTICABA

A população brasileira envelhece em ritmo muito superior ao verificado na Europa, alerta a demógrafa Suzana Cavenaghi

Missão. “O Censo é essencial para planejar políticas públicas” – Imagem: ONU/Desenvolvimento Econômico

Os dados do Censo 2022 apontam para forte desaceleração do crescimento populacional, números que vêm sendo contestados por alguns especialistas, surpresos com a totalidade de 203 milhões de brasileiros revelada pela pesquisa. Para ajudar a decifrar o fenômeno, CartaCapital entrevistou Suzana Cavenaghi, doutora em Demografia e professora da pós-graduação da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Ela confia nos dados do IBGE, mas reconhece que o instituto pode revisar alguns deles.

CartaCapital: Como a senhora avalia o novo Censo do IBGE?
Suzana Cavenaghi: O Censo teve uma trajetória conturbada por questões políticas. Países que dão importância às políticas públicas baseadas em evidências sabem da relevância de se fazer um censo, sobretudo nos anos terminados em zero. A pandemia não impediu a realização de Censos em muitos países. Nenhuma pandemia anterior ou mesmo situação de guerra fez com que os institutos de estatística desistissem de realizá-los. O IBGE já vinha passando por dificuldades para obter recursos, a contagem populacional do meio da década não foi realizada. Fora isso, o quadro funcional despencou de cerca de 7 mil servidores para pouco mais de 4 mil. Não bastasse, o trabalho de campo ocorreu em meio à campanha mais polarizada da história recente do País. Os técnicos do IBGE e os recenseadores fizeram um milagre. Temos aí um Censo com alguns problemas, mas que servirão para o planejamento das políticas públicas.

CC: Então existem fragilidades nos dados apresentados?
SC: O primeiro problema que a gente aponta, como demógrafos, é que o Censo não deveria demorar mais que quatro meses em campo. Estava previsto para ser concluído em três meses, mas demorou muito mais. E ainda teve a conjunção da falta de entrevistadores no momento adequado, além de uma resistência maior de alguns grupos populacionais em responder. Esse atraso é um dos maiores problemas e a gente vai ver o que isso pode ter causado na hora que olhar os dados mais internamente. Porque a gente tem visto uma diminuição de populações de capitais, algumas muito mais do que aquilo que já se estava esperando. Informações sobre migração vão ajudar nisso, assim como informações sobre fecundidade que ainda vão ser divulgadas. Eu acreditava que a população brasileira estava entre 207 e 211 milhões de pessoas. Temos de confiar nesses números e olhar com atenção onde tiver alguma dúvida. O IBGE tem ferramentas hoje em dia para isso.

CC: Ainda que os dados sejam preliminares, é possível afirmar que o Brasil está se tornando um país mais idoso e menos urbano. O que isso significa?
SC: A população vai começar a decrescer em valores absolutos, vai chegar a uma taxa negativa a partir da próxima década. Eu acho que os gestores já deveriam estar olhando para esses dados. O aumento da expectativa de vida com uma diminuição da mortalidade causa, na população, o que a gente chama de transição demográfica, muda a estrutura etária. O recado para os políticos é: “Prestem atenção nas estruturas etárias da população sob sua administração”. Num período de 40 anos, baixou muito a fecundidade e o envelhecimento populacional vem em ritmo acelerado. Ele é muito mais rápido do que ocorreu na Europa e em outros países desenvolvidos, que levaram às vezes 100, 150, até 200 anos para chegar a esse patamar. Precisamos colocar no mercado de trabalho os jovens que estão aí, as pessoas de meia idade com capacitação, e tornar essa população mais produtiva. A gente não pode cuidar da população idosa só quando ela ficar idosa. A gente sabe que saúde é um processo de bem-estar, que precisa ser iniciado antes. Se a população na idade­ de trabalhar tem mais saúde, envelhece mais saudável.

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

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