Política

Ministros do Superior Tribunal Militar faziam piadas sobre casos de tortura, diz historiador Carlos Fico

Historiador teve acesso a gravações de sessões abertas e secretas do Superior Tribunal Militar

Ministros do Superior Tribunal Militar faziam piadas sobre casos de tortura, diz historiador Carlos Fico
Ministros do Superior Tribunal Militar faziam piadas sobre casos de tortura, diz historiador Carlos Fico
Protesto durante a ditadura no Brasil, iniciada em 1964. Foto: Reprodução
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Os conhecidos horrores praticados pela ditadura no Brasil entre 1964 e 1985 voltaram ao centro do debate nacional neste fim de semana com a divulgação de áudios de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) em que os ministros da Corte reconhecem que presos políticos foram torturados no país. O material vem sendo compilado pelo historiador e pesquisador da UFRJ Carlos Fico e foi divulgado pela colunista do GLOBO Miriam Leitão, que também foi perseguida pelo regime militar e submetida à tortura.

Responsável pelo estudo falou com O GLOBO. De acordo com ele, as gravações revelam que os integrantes do STM faziam comentários desrespeitosos sobre as vítimas, inclusive piadas a respeito dos torturados.

Sobretudo em sessões secretas, esses ministros se sentiam muito confortáveis. Tem falas muito pesadas, grotescas, piadas com vítimas de tortura — relata o historiador, que teve acesso aos áudios de sessões do STM que ocorreram entre 1975 e 1985.

O historiador explica que os áudios deixam claro que os ministros militares demonstravam um incômodo quando havia relatos de tortura cometidos pelos oficiais das Forças Armadas. O mesmo, porém, não ocorria quando os casos eram colocados na conta de policiais civis ou policiais militares, de acordo com Carlos Fico.

— Os ministros tinham consciência de que acontecia, e ficavam muito desconfortáveis quando a tortura era praticada por oficiais militares. Havia esse negacionismo. A ditadura tentou evitar a confirmação da existência de tortura o quanto pode, tanto que o maior número de proibições da censura é de casos de repressão — observa.

Mesmo o desconforto de saber que militares comandavam os castigos físicos não impedia que os ministros do STM proferissem comentários duros sobre as vítimas:

— Esses ministros eram naturalmente inseridos nesse contexto autoritário, nessa ideologia extremista, segundo a qual era preciso reprimir e acabar com a subversão, com o que eles chamavam de subversivo. Em vários momentos, comentários muito inadequados eram feitos. Ouvia coisas dessa natureza, coisa como “morreu mesmo e está enterrado”. Isso é uma frase que eu me lembro. Ou o ministro perguntando sobre o réu e falando de uma maneira muito depreciativa dessas pessoas e da circunstância de terem apanhado — relata, lembrando que ainda está trabalhando na seleção desses áudios.

A pesquisa original de Fico buscava entender como eram tomadas as decisões pelos militares nesta corte. Chama atenção do historiador o fato de, apesar de terem mantido a Constituição válida, os militares publicavam atos institucionais que permitiam abrir uma série de exceções ao regime.

Carlos Fico conta que a motivação para compartilhar o material com Miriam Leitão foi a publicação feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) em que ele debochou da tortura sofrida por ela. Grávida, ela é posta numa sala diante de uma cobra. Na rede social, o filho do presidente escreveu: “Ainda com pena da cobra”. O próprio mandatário da República, em outra ocasião, já dissera algo semelhante: “coitada da cobra”.

É importante que o estado e que as autoridades se manifestem sempre em defesa dos direitos humanos, e é o que a gente não tem desde a eleição do atual presidente. É preciso sempre, permanentemente, defender os direitos humanos, coisa que o governo Bolsonaro não faz. Em todos os governos, mesmo os mais conservadores, como Collor e Sarney, mais ao centro como o FHC e à esquerda com Lula, todos defenderam os direitos humanos. Tem o ineditismo do governo Bolsonaro, que é péssimo para sociedade porque afloram esses sentimentos de negacionismo — diz.

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