Cultura

“Marighella”, de Wagner Moura, estreia na Berlinale com protestos

O ator/diretor transmite mensagem política na estreia, que tem presença de Jean Wyllys e atos por Marielle e Lula

Moura, seu Jorge e o elenco de 'Marighella' no Festival de Berlim (Foto: Tobias SCHWARZ / AFP)
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O primeiro filme dirigido pelo ator Wagner Moura, Marighella, estreou nesta sexta-feira 15 na mostra principal do Festival de Cinema de Berlim. A obra retrata a história de Carlos Marighella, guerrilheiro baiano assassinado pela ditadura militar em 1969.

A estreia foi marcada por protestos. No tapete vermelho, Wagner Moura entrou com uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco. A execução da ativista e de seu motorista Anderson Gomes completou onze meses e, até hoje, o crime permanece sem respostas. O público acompanhou a entrada da equipe gritando “Marielle presente”.

“Nosso filme não é obviamente somente sobre os que resistiram nas décadas de 1960 e 1970, mas é também sobre os que estão resistindo agora”, afirmou Moura após a exibição do filme, arrancando aplausos da plateia.

Falando em inglês, o diretor disse acreditar que será “extremamente difícil” lançar o filme no Brasil, mencionando a polarização política. Segundo ele, a participação na Berlinale, ao promover internacionalmente a obra, será importante para a estreia do filme em solo brasileiro.

Moura chamou ao palco a equipe do filme e encerrou seu pequeno discurso de cerca de cinco minutos entoando “Marielle presente”.

Fãs seguram uma faixa perto do tapete vermelho antes da estréia do filme “Marighella” exibido fora da competição durante o 69º Berlinale. (Foto: Tobias SCHWARZ / AFP)

Em coletiva de imprensa na quarta-feira, o brasileiro já havia lembrado a morte da vereadora. “Marighella foi assassinado em 1969. Um homem negro, revolucionário, de esquerda. Foi assassinado pelo Estado dentro de um carro há 50 anos. E 50 anos depois de Marighella, uma vereadora no Rio de Janeiro, também negra, de esquerda e defensora dos direitos humanos, foi assassinada dentro de um carro provavelmente também por agentes do Estado”, afirmou.

Questionado se o filme é declaração ao novo governo brasileiro, o diretor disse não se tratar de uma resposta ao presidente Jair Bolsonaro, que em diversas ocasiões já saiu em defesa da ditadura militar e manifestou abertamente apoio à tortura.

“Esse filme é provavelmente um dos primeiros produtos culturais da arte brasileira que está em contraste com o grupo que está no poder no Brasil”, acrescentou.

Wagner Moura, a neta de Carlos Marighella, Maria, a atriz Bella Camero e Bruno Gagliasso no tapete vermelho (Foto: Tobias SCHWARZ / AFP)

Inspirado na biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras), escrita pelo jornalista Mário Magalhães, o filme conta com o músico e ator Seu Jorge no papel principal. O elenco tem ainda outros nomes de peso como Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, que interpreta o policial que perseguiu Marighella, e Humberto Carrão.

“Esse filme é forte, é visceral, é potente, mas é movido por amor. Isso ninguém pode esquecer”, afirmou Gagliasso na coletiva.

A narrativa do filme começa logo após o golpe militar de 1964 e mostra os últimos cinco anos da vida do guerrilheiro. Apesar de ter sido selecionado para a mostra principal do festival, Marighella não concorre ao Urso de Ouro.

Primeira aparição pública de Jean Wyllys

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A estreia do filme contou ainda com a presença de Jean Wyllys (Psol), na primeira aparição pública do ex-deputado desde que ele anunciou que estava desistindo de seu terceiro mandato no Congresso para deixar o Brasil. Ameaçado de morte, o parlamentar vivia com escolta policial desde o assassinato de Marielle.

À DW Brasil, Wyllys disse ter se emocionado muito com o longa. “Marighella foi um filme que me tocou muito pessoalmente, particularmente pela situação que estou vivendo. O Wagner Moura construiu uma obra prima”, afirmou.

“É um filme necessário para instruir as novas gerações sobre o fato de que nós não devemos ser complacentes e nem tão pouco tolerantes com torturadores. Por isso não me arrependendo de ter cuspido na cara do atual presidente do Brasil no dia em que ele elogiou um torturador em cadeia nacional”, acrescentou.

“A decisão que eu tomei foi muito difícil, deixar para trás minha família, meus amigos, meus livros por conta de ameaças de morte, por conta de uma ditadura nova que não tem as características da ditadura que Marighella enfrentou, mas que tem pontos semelhantes, porém vem de outra maneira, inclusive muitas vezes invisibilizada”, ressaltou.

Wyllys aproveitou para criticar as propostas anticrime apresentadas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. “O pacote é nada mais do que a legitimação, por parte do Estado, da tortura e da violência contra qualquer resistência ao pacote neoliberal econômico”, ressaltou.

Protesto à parte

A estreia do filme em Berlim também motivou um protesto organizado por brasileiros que moram na cidade. Cerca de 35 pessoas se reuniram na Potsdamer Platz, que fica próxima ao palácio da Berlinale, para se manifestar contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contra as políticas do governo Bolsonaro que ameaçam os indígenas em detrimento do agronegócio.

O governo transferiu da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura a tarefa de demarcação de terras indígenas. Já a própria Funai, que fazia parte do Ministério da Justiça em administrações anteriores, foi submetida ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

“O protesto é importante para nós não cairmos na sensação de impotência e também para chamar a atenção para o que está acontecendo no Brasil”, afirmou Marta Rocha, uma das organizadoras do ato.

Os manifestantes também denunciaram os riscos que a guinada à direita no Brasil representam para minorias e movimentos sociais e alertaram contra reformas que podem reduzir o direito de trabalhadores.

O grupo lembrou ainda a morte de Marielle Franco. Da Potsdamer Platz, os manifestantes caminharam em direção ao palácio da Berlinale, para aguardar a chegada do elenco ao tapete vermelho.

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