Mundo

Macri e Bolsonaro sinalizam união e criticam “ditadura de Maduro”

Para além da rejeição ao governo venezuelano, encontro dos presidentes brasileiro e argentino gera expectativas sobre o destino do Mercosul

O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Argentina, Mauricio Macri, para almoço no Palácio do Itamaraty. (Foto: Marcelo Camargo/EBC)
Apoie Siga-nos no

No crepúsculo dos governos de esquerda na América Latina, com a crise venezuelana no cerne do debate regional, o primeiro encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri gerou expectativas em relação à capacidade de uma nova geração de líderes conservadores de pôr em prática algo além da alternativa ideológica que tanto postulam.

Bolsonaro e Macri se encontraram nesta quarta-feira 16, em Brasília, em meio a um consenso em relação à Venezuela e à expectativa de poder demonstrar união entre essas duas potências latino-americanas em outros temas.

Em declaração à imprensa após reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, Macri disse que os governos brasileiro e argentino se preocupam com a situação dos venezuelanos e reafirmam sua posição de condenar o que classificam de “ditadura de Nicolás Maduro”.

“Maduro é um ditador que busca se perpetuar no poder com eleições fictícias, encarcerando opositores e levando os venezuelanos a uma situação desesperadora”, afirmou o líder argentino. “Reiteramos que reconhecemos a Assembleia Nacional como a única instituição legítima na Venezuela, eleita democraticamente pelo povo venezuelano.”

Bolsonaro, por sua vez, destacou o compromisso da Argentina e do Brasil com a “defesa da liberdade e a democracia na região” e afirmou que a cooperação na questão da Venezuela é um exemplo claro disso.

Antes mesmo das declarações desta quarta-feira, já parecia claro que Bolsonaro e Macri compartilham a mesma posição em relação à situação turbulenta na Venezuela, especialmente depois que o presidente Nicolás Maduro iniciou um novo mandato em 10 de janeiro, mas foi declarado formalmente um “usurpador” da presidência pela Assembleia Nacional cinco dias depois.

Leia também: Seis pontos mal explicados no decreto pró-armas de Bolsonaro

Argentina e Brasil são membros do Grupo de Lima, um mecanismo político formado por 14 países das Américas para abordar a crise venezuelana e que concordou em 4 de janeiro – exceto o México – em não reconhecer o novo governo de Maduro. O Grupo de Lima defende que o poder na Venezuela seja transferido à Assembleia Nacional.

Não há dúvidas de que a Venezuela é um ponto de consenso, comenta Bandarra. Mas o que Macri e Bolsonaro poderiam fazer para promover uma mudança em Caracas? “Eles não podem fazer muito mais bilateralmente”, diz. Porém, na próxima reunião do Mercosul, os dois líderes poderiam ir além. “Eles poderiam recorrer a sanções sob a cláusula democrática” do bloco, afirma.

O presidente argentino, que é o primeiro chefe de Estado a visitar o Brasil desde a posse de Bolsonaro, afirmou que o encontro foi “muito produtivo, pois deixou clara a vontade” dos dois países de trabalharem juntos.

“As conversas de hoje com o presidente Macri só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo: o rumo da democracia, da liberdade e segurança e do desenvolvimento”, declarou Bolsonaro.

Visões sobre o Mercosul

Leia também: Otimismo ou só papo? Temer diz que Bolsonaro pode melhorar Mercosul

Os dois presidentes ainda precisam demonstrar que são capazes de estruturar algo mais do que palavras em comum. Os bons laços econômicos entre os dois países jogam a seu favor. O Brasil é o terceiro maior parceiro comercial da Argentina – e o mesmo ocorre na direção oposta da relação comercial.

“No entanto, isso também significa que não há muito mais a crescer nessa área”, observa o cientista político Leonardo Bandarra, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).

Porém, a negociação na área econômica fica complicada quando se toca num dos pontos de maior expectativa: o Mercosul. Em tese, as inclinações liberais de ambos os presidentes deveriam facilitar um acerto. Só que, para tirar o bloco do marasmo, será preciso mais do que coincidências ideológicas.

A cientista política argentina María Esperança Casullo demonstra ceticismo. “Não parece que Macri ou Bolsonaro tenham muito entusiasmo pelo Mercosul”, comenta. “Até agora não se tem visto uma melhor coordenação em nível supranacional.”

Após o encontro com Macri, Bolsonaro defendeu que o Mercosul seja aperfeiçoado e mais enxuto. “No plano interno, o Mercosul precisa valorizar a sua tradição original, com abertura comercial, redução de barreiras e eliminação de burocracias. O propósito é construir um Mercosul enxuto, que continue a fazer sentido e ter relevância”, disse.

Leia também: Com governo Macri, argentinos voltam a viver fantasma de 2001

Durante brinde em almoço oferecido pelo governo brasileiro no Palácio do Itamaraty, Macri disse que as relações multilaterais no Mercosul começaram “de maneira equivocada”, o que levou ao atraso na região. “Protegíamos o crescimento, mas isso não funcionou. Aconteceu o contrário: nossos países ficaram atrasados.”

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), que tem sido adiado constantemente, era outra das principais questões na agenda. Bolsonaro vê o acordo com ressalvas e anunciou que revisará tudo o que foi negociado pelo governo do presidente Michel Temer, sob o argumento de que este cedeu à agenda multilateral argentina devido à sua fraqueza institucional.

Macri, por sua vez, tem sido um forte defensor do acordo. “A negociação com a União Europeia exigiu muito esforço. E avançou, senhor presidente Bolsonaro, como nunca antes. Com a sua chegada, temos a oportunidade de renovar o compromisso político do Mercosul e dar os passos para um acordo de beneficie os dois blocos comerciais”, afirmou o presidente nesta quarta.

Dentro do Executivo brasileiro existem três perfis políticos bem diferenciados – liberais, militares e conservadores –, que representam uma complexa constelação de interesses, destaca Bandarra. No entanto, o cientista político afirma acreditar que obstáculos ainda maiores podem surgir do lado europeu, devido à relutância de França e Alemanha em negociar com Bolsonaro.

Macri de olhos nas eleições

Com a eleição presidencial argentina ainda em 2019, e tendo em vista que Macri deverá ter poucas conquistas econômicas para apresentar ao seu eleitorado, a segurança pública passou a ser uma das questões que ganhou importância na agenda da Casa Rosada.

Para Casullo, trata-se de uma “bolsonarização” do discurso do presidente argentino. “Não era seu plano original, mas o governo de Macri não tem muitas outras áreas para mostrar êxitos”, afirma a pesquisadora.

A segurança marítima, segundo Bandarra, é uma área de cooperação da qual a Argentina pode tirar proveito. Assim como a segurança na fronteira. “A questão do tráfico de drogas não entrará na agenda comum com tanta força por causa das diferenças entre os dois governos”, prevê Bandarra. “Mas a segurança na fronteira, sim.”

O especialista enfatizou que uma prova disso é que a reforma militar promovida pelo governo de Macri foi “influenciada pela intervenção que ocorreu no Rio de Janeiro, embora na Argentina o envolvimento das Forças Armadas continue sendo um tabu”.

Mas o compromisso com a segurança, um dos estandartes políticos de Bolsonaro, não precisa obrigatoriamente resultar nos mesmos frutos no país vizinho. “É uma estratégia que tem seus riscos. A Argentina não é o Brasil, aqui há uma tradição de uma linguagem de direitos humanos que nasceu da transição à democracia. No Brasil isso não existe da mesma maneira”, aponta Casullo.

Isso, aliado à situação de que Macri carece do fator inovador que acompanhou Bolsonaro, torna difícil para o presidente argentino obter resultados eleitorais semelhantes. Jogar com as cartas de Bolsonaro e repetir seu discurso pode acabar saindo caro nas urnas. “Se Macri se mover muito para a direita, ele poderá perder o apoio crítico”, resume Casullo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo