Justiça

Inelegível, Bolsonaro ainda pode ser condenado por abusos e golpismo no 7 de Setembro

O ex-presidente é alvo de ações por se apropriar do Bicentenário da Independência; em 2021, ele chegou ao auge das ameaças golpistas

Apropriação indébita. Bolsonaro e apoiadores no Rio de Janeiro, 7 de Setembro. O capitão sequestrou a festividade e fez um ato descarado de campanha eleitoral - Imagem: Ruy Baron/AFP
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O governo Lula tenta conferir ao 7 de Setembro deste ano uma aura institucional ignorada por Jair Bolsonaro. Ao longo de seu mandato – especialmente nos últimos dois anos –, o ex-capitão buscou se apropriar das celebrações da independência com objetivos políticos e entrou na mira da Justiça.

São quatro os processos em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral que envolvem o Bicentenário da Independência, comemorado no ano passado. Bolsonaro e seu então candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Netto, são acusados de abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

O argumento é que a dupla utilizou os eventos para “promoção abusiva e ilícita” de suas candidaturas.

Em julho, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, determinou a prática de atos conjuntos em três Ações de Investigação Judicial Eleitoral e uma Representação Especial sobre o 7 de Setembro de 2022.

As Aijes foram protocoladas pela coligação de Lula, pelo PDT e pela então candidata à Presidência Soraya Thronicke (União). A reclamação também é de autoria de Thronicke.

Entre outros pontos, as peças apontam as seguintes práticas:

  • emprego de recursos públicos na cerimônia;
  • desvio de finalidade das comemorações do Bicentenário da Independência;
  • reprodução de imagens de atos de chefe de Estado em propaganda eleitoral;
  • uso de servidores da União em benefício da campanha eleitoral dos candidatos.

“O senhor Jair Messias Bolsonaro, ao promover ato de campanha no desfile cívico do dia 07/09/2022, utilizando-se de seu poder político, beneficiou-se sobremodo da conduta ilícita, pois auferiu dividendos eleitorais através da realização e difusão do ato ora questionado, de modo a abalar a normalidade e a legitimidade do pleito”, diz a peça apresentada pelo PDT um dia depois do Bicentenário da Independência.

No ano passado, Bolsonaro participou de atos do 7 de Setembro em Brasília e no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, ele usou uma manifestação para pedir votos. “Tenha certeza de que teremos um governo muito melhor com a nossa reeleição, com a graça de Deus”, disse, em dado momento do ato no Rio.

Em Brasília, horas antes, ele havia assistido ao tradicional desfile cívico-militar em uma das vias da Esplanada dos Ministérios. Logo depois, foi para a via ao lado, onde bolsonaristas promoviam uma manifestação em defesa do governo, e também pediu votos.

“A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar, vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil”, afirmou o então presidente.

Um ano antes, no 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro havia atingido o ápice de suas ameaças golpistas.

Pela manhã, em discurso a apoiadores em Brasília, manteve o tom de intimidação aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder desta República”, disparou. Ainda disse que “juramos respeitar a nossa Constituição” e que “quem age fora dela se enquadra ou pede para sair”.

A violência no discurso se tornou ainda mais explícita horas depois, quando Bolsonaro voou até a capital paulista para reiterar as ameaças e os ataques ao Poder Judiciário, com ofensas direcionadas a Moraes.

“Não se pode permitir que um homem apenas turve a nossa liberdade. Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos. Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro, deixa de censurar”, afirmou o então presidente.

Não satisfeito, ele também estimulou a desobediência a decisões do STF.

“Nós devemos, sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade”, declarou. “Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo para pedir seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.”

É improvável que a Justiça condene Bolsonaro por suas agressões verbais registradas em 2021, mas o discurso de rompimento da ordem democrática pode ser lembrado em uma eventual responsabilização pelo 8 de Janeiro.

O ex-presidente é alvo de um inquérito da Procuradoria-Geral da República para determinar se ele foi um dos instigadores dos ataques às sedes dos Três Poderes no início do governo Lula.

Bolsonaro já foi condenado pelo TSE a oito anos de inelegibilidade devido à reunião com embaixadores em julho de 2022 na qual repetiu notícias falsas sobre o sistema eleitoral e atacou instituições. Portanto, uma condenação por sua conduta no 7 de Setembro poderia ter como principal efeito prático uma punição a Braga Netto, absolvido no episódio dos diplomatas estrangeiros.

Além disso, caso o TSE responsabilize Bolsonaro por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação no Bicentenário da Independência, os recursos que o ex-presidente planeja apresentar para recuperar sua elegibilidade podem se enfraquecer.

A defesa de Bolsonaro alega que ele não tentou se apropriar das cerimônias oficiais e não proferiu discursos nesses atos, apenas em manifestações de apoiadores. A tentativa de confundir e misturar eventos de Estado e compromissos de campanha, porém, entrou na mira dos autores das ações levadas ao TSE.

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