Política

Impeachment é possível, mas dependerá das ruas, diz vice-presidente da Câmara

A CartaCapital, Marcelo Ramos cobra reação às ameaças de Bolsonaro e define reforma ministerial: ‘Completa-se o estelionato eleitoral’

Marcelo Ramos e Jair Bolsonaro. Fotos: Câmara dos Deputados e Evaristo Sá/AFP
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A abertura de um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro é possível, desde que exista pressão popular sobre o Congresso Nacional. A avaliação é do deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara.

Ele não descarta a chance de acolher um dos mais de 100 pedidos de impedimento protocolados, caso assuma interinamente a presidência da Câmara por ausência do titular, Arthur Lira (PP-AL).

Ramos já afirmou que teve acesso a uma cópia do superpedido de impeachment apresentado em junho. Segundo ele, “algumas das imputações de crime de responsabilidade parecem bem consistentes”.

Em entrevista a CartaCapital, o parlamentar também se disse contrário à adoção de um sistema semipresidencialista no Brasil, ironizou o anúncio de uma nova reforma ministerial e rebateu as críticas feitas a ele por Bolsonaro após o Congresso aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias com um ‘fundão’ eleitoral de 5,7 bilhões de reais para 2022.

“Se tem alguém que não teve responsabilidade nenhuma por aquilo ali, sou eu. Eu simplesmente botei para votar”, afirmou Ramos.

No domingo 18, Bolsonaro se referiu diretamente ao vice-presidente da Câmara. “O deputado responsável por aprovar isso aí é o Marcelo Ramos, lá do Amazonas. O presidente”, disparou.  “O Marcelo Ramos que fez isso tudo. Se tivesse destacado, talvez o resultado teria sido diferente. Então, cobre em primeiro lugar do Marcelo Ramos”. Na terça-feira 20, Bolsonaro anunciou que vetaria o aumento para o fundão.

A seguir, leia os principais pontos da entrevista.

CartaCapital: Como o senhor avalia a reforma ministerial de Bolsonaro, principalmente a ida do senador Ciro Nogueira à Casa Civil?

Marcelo Ramos: Acho que o presidente Bolsonaro, com essa reforma, completa o ciclo de estelionato eleitoral, entregando definitivamente o governo dele a tudo o que ele disse que iria combater se ganhasse a eleição. Não digo isso com nenhum demérito ao Ciro, que acho que pode cumprir um bom papel, digo isso por absoluta incoerência do presidente.

CC: E, em meio a isso, se fortalece no Congresso a discussão sobre o semipresidencialismo…

MR: Na prática, o Brasil já vive um semipresidencialismo. Todo o orçamento de investimento não está no Executivo, está no Legislativo, através da ação orçamentária RP 9 [emenda de relator-geral]. Os cargos nos ministérios hoje são todos indicados pelo Parlamento. E, agora, o ‘governar’ também está terceirizado para os partidos.

Então, o presidente já virou uma figura decorativa. Já estamos vivendo um semipresidencialismo, porque presidente que não tem autoridade sobre os cargos que comanda e sobre o orçamento não é mais presidente.

Do ponto de vista conceitual, sou daqueles que entendem que o Brasil tem uma tradição presidencialista e que, nela, as instituições vêm se aperfeiçoando. Passamos por dois impeachments, estamos passando por um presidente que não tem nenhum compromisso com as instituições democráticas e as nossas instituições continuam de pé, firmes. Eu prefiro seguir nesse processo de aprimoramento do que zerar para começar tudo de novo experimentando um novo modelo.

CC: Existe alguma perspectiva de abertura de processo de impeachment? O senhor tomaria essa atitude como presidente interino?

MR: Perspectiva existe, até porque os requerimentos de impeachment nunca foram indeferidos. Eles não foram lidos, mas também não foram formalmente indeferidos. Então, há uma perspectiva, tanto com ele [Lira], quanto comigo. Me parece que hoje há uma atitude do presidente Arthur Lira que, sob a ótica dele, é corretamente prudente, por conta da proximidade dele com o governo, o que é natural e democrático. Então, eu respeito. Mas que há possibilidade, há, porque os requerimentos estão lá, não foram indeferidos.

CC: Bolsonaro fez duras críticas ao senhor após a votação da LDO com o ‘fundão’. Foi por isso que se declarou oposição ao governo?

MR: Eu passei aquela quinta-feira inteira trabalhando pelo Brasil e pelo governo. Eu sentei na cadeira de presidente às 11 horas e saí após 1 hora da manhã para aprovar a LDO, porque era importante para o governo. E para aprovar o texto que o líder do governo articulou lá no plenário.

Então, o que o presidente fez foi uma covardia, uma deslealdade a alguém que tem críticas a ele quando ele ultrapassa os limites democráticos, mas que majoritariamente vota com o governo na Câmara.

Então, eu até me surpreendi com o que aconteceu naquele dia. Mas o presidente tem uma tradição de preservar os seus filhos a qualquer custo, e me parece que o filho deputado [Eduardo Bolsonaro] estava muito incomodado com as críticas que vinha sofrendo nas redes sociais porque, indubitavelmente, votou a favor do fundão.

CC: O senhor se decepcionou com Arthur Lira por ele não sair em sua defesa contra as críticas de Bolsonaro?

MR: Eu não vou dizer isso. O presidente [Lira]  foi muito prudente, não quis colocar mais água na fervura, mas confesso que esperava tanto do presidente Arthur, quanto do presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco e do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes, não comprar briga por mim, mas simplesmente dizer que eu não me afastei do regimento, não me afastei do que estava acordado com os líderes e que quem colocou o fundão na LDO foram os líderes, não eu.

Constatar a verdade é um gesto que eu esperava, mas cada um tem as suas motivações. O presidente Arthur em momento nenhum deixou de reconhecer, pelo menos para mim, não sei se na imprensa, mas para mim não deixou de reconhecer que eu não me afastei do acordado e do regimento. Se tem alguém que não teve responsabilidade nenhuma por aquilo ali, sou eu. Eu simplesmente botei para votar.

CC: Bolsonaro insiste em ameaças às eleições e às instituições, ou seja, à democracia. Qual é o tamanho do perigo que o País enfrenta?

MR: Acho que Bolsonaro é um arrivista, um cara que ameaça colocar bomba nos dutos do gasoduto porque não tem reajuste salarial de militar. Mas não vejo clima institucional, econômico e internacional para uma saída fora da democracia. E os generais do alto escalão brasileiro sabem que o preço de entrar numa aventura dessa se ela não der certo é muito alto para eles.

Então, acho que vontade ao Bolsonaro não falta, mas as condições não permitem. Por outro lado, as condições podem permitir amanhã? Depende do que a gente fizer hoje. Chegou a hora de as instituições – Câmara, Senado e STF – riscarem uma linha no chão da Esplanada para mostrar de onde Bolsonaro não pode avançar.

CC: E as instituições têm feito isso?

MR: Acho que o STF tem sido muito firme. Não fosse o STF, não tenho dúvida de que já teria havido uma invasão ou já teriam soltado uma bomba lá dentro. Então, o Supremo até aqui tem tido uma atitude muito firme de reação a esse avanço antidemocrático. A Câmara e o Senado ainda têm uma reação tímida.

CC: O senhor acredita que Bolsonaro terminará o mandato?

MR: Vai depender muito de como vão se comportar as ruas e a economia – mas não a economia formal, que gera um entusiasmo de que vai crescer 5%, abstraindo que decresceu 4% ano passado e, portanto, seria um crescimento no biênio de 1%, que não abre nem as vagas suficientes para quem está entrando no mercado de trabalho, muito menos para quem perdeu o emprego.

Então, acho que esses fatores serão decisivos no que vai acontecer daqui para frente. Porque o efeito dessas manifestações populares dentro do Parlamento é sempre retardado. A coisa sempre chega ao Parlamento depois que esquentou demais na rua. Então, diria que a água ainda não está fervendo, mas a temperatura está esquentando.

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