Política

“Impeachment de Bolsonaro é perfeitamente legível”, diz jurista

Segundo Pedro Serrano, professor da PUC-SP, presidente atenta contra valores fundamentais da Constituição, que é garantir a saúde e a vida

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Mais de 205 mil pessoas já perderam a vida para a Covid-19 no Brasil. Diante da inépcia do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e do caos sanitário que tomou conta de Manaus nesta semana, o termo “impeachment” voltou a ganhar força. Partidos de oposição ao governo federal anunciaram na última sexta-feira, 15, que apresentarão um novo pedido contra o presidente. Será o 61º protocolado na Câmara.

Além disso, segundo um levantamento inédito da consultoria Arquimedes, obtido com exclusividade pela CartaCapital, a palavra  “impeachment” cresceu 432% nas últimas 24 horas nas redes sociais. De acordo com o jurista e professor da PUC-SP, Pedro Serrano, um possível impeachment de Bolsonaro seria o primeiro constitucional da história do País. “Ele atenta contra os valores fundamentais da Constituição e da sociabilidade, que é garantir a saúde e a vida dos seus membros. Bolsonaro apertou a bomba atômica contra a população brasileira. O impeachment é absolutamente legível sob a perspectiva jurídica”, afirma o professor em entrevista à CartaCapital. Leia abaixo a íntegra da entrevista.

CartaCapital: Em 24h, os pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro cresceram 432% nas redes sociais. O quão importante é a opinião pública para que o processo de impeachment seja levado adiante?

Pedro Serrano: A opinião pública é de extrema importância. O problema é que se criou uma lenda urbana no Brasil de que um homem que tenha 25% ou 30% de apoio, como é o caso de Jair Bolsonaro, não pode sofrer impeachment. O impeachment não é uma coisa estritamente numérica. Não há um índice de minoria para isso. Diante da gravidade do que nós estamos vivendo, isso não significa que ele não possa ser impedido pelos 70% restantes da população. É uma lenda urbana dizer que ele é apoiado por 30% da população e não poderá sofrer impeachment. A política é uma eterna fonte de criatividade. O fato disso nunca ter acontecido antes na história do País não significa que não possa ser feito. A meu ver, tivemos dois impeachments ilegítimos na história do Brasil. O mais interessante, entretanto, é que um possível impeachment do presidente Jair Bolsonaro seria, para mim, o primeiro constitucional, mesmo que ele tenha 30% de apoio da população.

CC: Quais as condições jurídicas legais para o impeachment do presidente Jair Bolsonaro?

PS: Eu sigo sempre a filosofia do jurista anglo-saxão Ronald Dworkin. Foi ele quem cunhou a expressão “golpe” para chamar os impeachments inconstitucionais. Não foi a juventude brasileira que criou essa expressão. Em um de seus artigos mais conhecidos, publicado na revista The New Yorker, Dworkin dizia que o impeachment inconstitucional era a forma de utilizar a Constituição contra a própria condição. Ele iniciava o artigo falando que o impeachment no presidencialismo constitucional deveria ser usado como uma arma atômica numa guerra, ou seja, numa situação de absoluta emergência e necessidade. A nossa Constituição segue exatamente essa linha. Ela fala que o impeachment não ocorre numa ilegalidade. A Constituição de 1988 usa a expressão “atentado à Constituição”. Portanto, só pode ser considerado crime de responsabilidade condutas que representam um grave atentado à Constituição. Por isso eu considerei o impeachment de Collor inconstitucional. O mesmo vale para o pedido de impeachment de Fernando Henrique Cardoso e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A meu ver, o primeiro caso legítimo de impeachment do País seria o do presidente Jair Bolsonaro. A situação dele é gravíssima. Ele atenta contra os valores fundamentais da Constituição e da sociabilidade, que é garantir a saúde e a vida dos seus membros. Sob o ponto de vista de uma teoria da organização política, ele tem um governo pior do que o de qualquer ditadura. Bolsonaro atenta contra à vida, à saúde e à integridade de um amplo contingente populacional. Isso não pode ser atribuído à sua ideologia. Não se pode dizer que a extrema direita atenta contra a vida das pessoas. Temos o exemplo da Hungria, do Reino Unidos e dos Estados Unidos. Nenhum dos governantes desses países, salvo em um primeiro momento, se opôs ao isolamento, à vacinação e ao uso de máscaras. É uma degeneração moral e política individual. Ele apertou a bomba atômica contra a população brasileira. O impeachment é absolutamente legível sob a perspectiva jurídica. O impeachment, no entanto, não é só jurídico. Trata-se de uma ação política também.

CC: O presidente Jair Bolsonaro já possui 60 pedidos de impeachment protocolados na Câmara. O que impede esses pedidos de seguirem adiante?

PS: O grande responsável por isso é o presidente da Câmara Rodrigo Maia. Na verdade, ele é tão irresponsável e degenerado quanto Jair Bolsonaro. Ele usou os 30% de aprovação como desculpa para não agir e não levar esses processos adiante. No fundo, ele fez isso para obter vantagens pessoais e menores do governo. Maia é o corresponsável, junto a Bolsonaro, por boa parte das mortes por Covid-19 no País e o colapso sanitário no Amazonas. Maia é o responsável imediato por esse caos. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente o ministro Ricardo Lewandowski, respondeu de forma rápida e eficiente, todas as vezes que foi provocado. O Judiciário não age de ofício. Ele só atua quando é provocado. Não se pode criticar o STF nesta pandemia. O Judiciário não pode substituir o Legislativo e o Executivo. O Judiciário não puniu Bolsonaro porque ele não foi provocado a isso. O Ministério Público não agiu contra o Bolsonaro. Temos que ser honestos e justos com as críticas. Quem agiu de forma equivocada foi o Executivo e o Legislativo, que tinham que ter instaurado um processo de impeachment e não o fizeram. Os responsáveis pela tragédia no Brasil e em Manaus têm dois culpados: Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro.

CC: Diante da negligência em relação à pandemia, às vacinas e o cenário catastrófico em Manaus, o presidente Jair Bolsonaro pode responder por crime de responsabilidade?

PS: Com certeza. É o maior atentado à sociabilidade e a uma condição democrática que se tem notícia no ocidente. É uma nova forma de genocídio, e isso era inimaginável. Sempre se imaginou genocídio como um governante que determina a morte de uma etnia, de uma parcela do povo que era vista como inimiga. Ninguém havia imaginado a hipótese de um governante que, tendo consciência de que a saúde do povo tem que ser protegida por uma vacina, não determina a vacinação da população. Ele determinou o sigilo de 100 anos da sua própria carteira de vacinação porque sabe que é importante se vacinar e, claro, pretende se vacinar. Ele quer proteger a própria saúde, mas não quer proteger a saúde do povo. É uma postura consciente de não proteger a saúde do povo. A humanidade ainda não havia imaginado a hipótese de um governante tão degenerado. Os direitos internacionais terão de tomar providências e pensar em sanções contra esses governantes.

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