Política

“Gilmar Mendes está no centro do processo de erosão do STF”

Professor de Direito da Fundação Getulio Vargas analisa os riscos da atuação político-partidária do ministro para a credibilidade da Corte

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Desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes acumula polêmicas relacionadas à sua atuação político-partidária. Indicado em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o magistrado teve de fazer uma opção entre sua atuação na Corte e sua militância.

O atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deixou de se filiar ao PSDB, pelo qual seria lançado a candidato a governador do Mato Grosso do Sul, para poder assumir uma cadeira no tribunal. Nos últimos 15 anos, Mendes mostrou, porém, jamais ter deixado de lado suas preferências políticas, apesar do cargo exigir distanciamento.

O teor partidário de muitos de seus votos e sua boa vontade com políticos e empresários com quem mantém relações próximas têm despertado um incômodo cada vez maior.  Mendes é alvo de dois pedidos de impeachment e oito arguições de impedimento, maior número de ações contra um ministro do STF na história do tribunal.

Recentemente, a arguição de suspeição feita pelo procurador geral da República, Rodrigo Janot, colocou em xeque a atuação do ministro após ele conceder habeas corpus aos empresários Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira. De acordo com Janot, são vários os vínculos pessoais que impedem Mendes de julgar o processo com a imparcialidade devida de um juiz.

Suspeitas contra a atuação de ministros não são uma novidade.  O STF acumula 123 arguições que chegaram à Corte e nenhuma foi julgada, segundo levantamento feito por Douglas Zaidan, doutor pela Universidade de Brasília (UnB).

A suspeição de Janot contra Gilmar Mendes pode, porém, mudar essa tradição. Na manhã desta terça-feira, o presidente do TSE foi notificado oficialmente sobre a arguição e poderá respondê-la ou não, um fato inédito na história do Supremo. 

O professor de Direito da Fundação Getulio Vargas, Rubens Glezer, afirma que os casos recentemente noticiados pela imprensa podem causar desgaste para o tribunal, além de gerar o sentimento de impunidade, “como se os ministros pudessem violar livremente a lei processual sem medo ou controle”.

A insatisfação popular ganhou forma com um abaixo assinado a pedir o impeachment do presidente do TSE. Organizado na plataforma change.org, o documento visa atingir um milhão de assinaturas e até o fechamento desta reportagem já contava com cerca de 830 mil.

Em entrevista a CartaCapital, o professor Rubens Glezer fala sobre a atuação do ministro, suas relações político-partidárias e a atuação de seus colegas da Corte em relação às seguidas suspeitas de parcialidade que colocam em dúvida a atuação de Gilmar Mendes.

CartaCapital: É natural que ministros do STF tenham relações políticas fora dos autos? Como você avalia isso?
Rubens Glezer: É necessário qualificar o que se entende por relações políticas. Há um grau de convivência e de relação com o poder político que é natural e, até certo ponto, saudável. Ministros estão sujeitos à pressão de grupos de interesse dos mais variados, desde o mundo político e empresarial até a sociedade civil. Além disso, há naturalmente um envolvimento com as agendas e pautas corporativas do Judiciário que precisam ser reconhecidas como um tipo de relação política. Tudo isso é esperado e ordinário.

Contudo, há uma série de “relações políticas” problemáticas e até ilegítimas. Isso ocorre quando um ministro ou ministra atua como um agente partidário, representando parcialmente a sua ideologia dentro do Tribunal, colocando-a acima dos seus compromissos com a atividade de interpretação do Direito.

Ninguém espera que ministros do STF sejam ideologicamente neutros, mas todos possuem um dever de imparcialidade. Isso significa que ministros e ministras não podem colocar sua vontade ou interesse pessoal acima de uma atuação de boa-fé como julgadores e julgadoras.

As “relações políticas” ilegítimas comprometem a imparcialidade dos ministros e, com isso, a credibilidade do Tribunal perante a população. O STF não pode ser tratado por seus ministros como um braço armado de qualquer partido ou agenda política; como apenas um espaço de poder.

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CC: Recentemente Gilmar Mendes foi pego em uma conversa telefônica com o senador Aécio Neves, que na ocasião estava afastado por denúncias de corrupção. Paralelamente, o ministro mantém encontros fora da agenda com Temer e seus ministros. Como você avalia essas relações?
RG: É possível dizer que a figura do ministro Gilmar Mendes está no centro do processo de erosão da credibilidade do STF e possivelmente do Judiciário como um todo.

O trânsito notório do ministro no alto escalão do PSDB e PMDB, somada a um combate agressivo e expresso ao PT (da qual é exemplar seu voto a favor da doação de empresas em campanhas eleitorais), transmite a ideia de que suas decisões são comandadas por essas afinidades e desafetos ao invés de serem motivadas por regras gerais e aplicáveis universalmente.

São situações que colocam o Ministro na situação de alguém potencialmente interessado no resultado dos casos que está julgando e, por esse motivo, ressoa uma percepção ampla de comprometimento de sua imparcialidade.

CC: Mendes afirmou no julgamento sobre a chapa Dilma-Temer que “a instabilidade política do país influencia a decisão do TSE”. Como você avalia esse tipo de posição?
RG: A princípio a frase poderia ser a expressão de uma concepção jurídica controversa, porém legítima, de que as decisões judiciais precisam ser bem pautadas pelas consequências políticas, econômicas ou sociais.

De certa maneira é algo especialmente presente na mentalidade de diversos ministros do Supremo que historicamente tem esse compromisso com a estabilidade política em detrimento da aplicação do Direito. Há diversas decisões do Supremo em que irregularidades e ilegalidades são aceitas ou toleradas em prol de alguma ideia de estabilidade.

Contudo, se fosse esse o caso, seria importante que esta consideração estivessem presentes nas considerações do ministro ao longo de todo o processo da cassação da chapa Dilma-Temer.

Porém, conforme narrativa presente no voto do Ministro Herman Benjamin no caso, o que se viu foi um comprometimento de Mendes com o discurso de aplicação estrita da legislação durante o governo Dilma, mas comprometido a estabilidade política durante o governo Temer. Sendo este o caso, a frase indica adaptação dos discursos à conveniência do momento.

CC: Os dois pedidos de impeachment e as oito arguições de impedimento são um fator para a deterioração da imagem do ministro?

RG: Não acredito que os pedidos de impedimento sejam relevantes para deterioração da imagem pública de qualquer ministro do Supremo porque é razoavelmente fácil apresentar essas petições.

A perda de confiança da população em um ministro ou que qualquer juiz decorre de uma percepção de parcialidade e voluntarismo. Ao acreditar que um magistrado age como um político togado, não há porque confiar que a lei será aplicada com as virtudes esperadas de um juiz.

Essa perda de confiança decorre muito mais do acúmulo lento, gradual e constante de exposição do ministro a situações de acentuadas contradições.

CC: Carmem Lúcia avalia agora o pedido de suspeição, e dados informam que o STF não tem histórico de julgar as arguições de suspeição e impedimento protocoladas no Tribunal. Caso a ministra leve a julgamento, a opinião pública aprofundará sua desconfiança em relação à Corte?

RG: A lei estabeleceu um sistema pelo qual a imparcialidade dos ministros deve ser controlada por seus pares. É o conjunto de ministros do Supremo que deve dizer se há um excesso por parte desses ou daquele ministro que não se considera impedido.

O que os dados revelam é que esse mecanismo não atua adequadamente. Os ministros não controlam uns aos outros, garantindo sua liberdade para agir com suspeita de imparcialidade caso queiram.

Esse é um cenário que contribui duplamente para o desgaste da imagem do Tribunal. Em primeiro lugar em razão de cada notícia que individualmente expõem os ministros, gerando o acúmulo de episódios em que ministros votam e decidem casos nos quais paira a suspeita de parcialidade. Esse desgaste é reforçado pela percepção de que isso ocorre impunemente como se os ministros pudessem violar livremente a lei processual sem medo ou controle.

Se o Supremo controlar a atuação do Ministro Gilmar Mendes será inédito como inusitado. Contudo, seria uma forma importante do Tribunal tentar remediar o quadro atual, que já é de amplo desgaste.

 

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