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Gelo ao sol

Desgastado por disputas internas e ofuscado pelo bolsonarismo, o partido tenta recuperar-se da debacle em 2022

Farpas. Leite quer emplacar um aliado no comando da legenda, mas “deveria focar no seu governo”, alfineta Aécio – Imagem: Marina Ramos/Ag. Câmara e GOVRS
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Na política real, quem um dia foi rei pode, sim, perder a majestade. Fundado há 35 anos e um dos mais importantes partidos brasileiros durante a década de 1990 e o início deste século, “pai” do Plano Real que domou o monstro da inflação no Brasil e ocupante da Presidência da República por oito anos após duas vitórias consagradoras nas urnas, o PSDB aproxima-se de sua 16ª Convenção Nacional mergulhado em crise e diante de um processo de derretimento que aparenta ser irreversível. Hoje com apenas dois senadores e 14 ­deputados, a legenda sofre morte lenta, mas recebeu o beijo da dita-cuja em 2018, ao não lançar candidato a presidente e perder seu principal bastião político por três décadas: o governo de São Paulo.

O encolhimento parlamentar observa-se desde que o ex-governador de Minas Gerais e então presidenciável ­Aécio Neves, hoje deputado federal, questionou o resultado das eleições de 2014, nas quais foi derrotado pela petista ­Dilma Rousseff. A retração estendeu-se às prefeituras paulistas assim que os tucanos deixaram de ser inquilinos do Palácio dos Bandeirantes. A debandada é impressionante. Dos 240 prefeitos eleitos no estado em 2020, hoje restam no partido apenas 42. Em nível nacional, o encolhimento é menos severo, mas também notável: foram 512 prefeitos eleitos em todo o Brasil há três anos, quase a metade dos 991 prefeitos eleitos em 2000.

É com esse cenário que os delegados deverão escolher a nova direção nacional do PSDB na convenção marcada para 29 e 30 de novembro, em Brasília. Ainda não está claro quem herdará o comando da sigla, mas é certo que o atual presidente, Eduardo Leite, não será candidato à reeleição. Mesmo fora do páreo, o governador do Rio Grande do Sul, possível candidato à Presidência da República em 2026, articula uma candidatura do seu campo, hoje majoritário, e o nome mais provável para representá-lo é o de Tasso Jereissati, ex-governador do Ceará e um dos fundadores do partido.

Dos 240 prefeitos eleitos no estado de São Paulo em 2020, hoje restam na sigla apenas 42

Desta vez, Leite não contará com o apoio de Aécio, que o abraçou nas últimas e conturbadas eleições internas. Insatisfeito com os rumos do partido, o mineiro articula a candidatura de um nome próximo, caso do líder na Câmara, ­Adolfo Viana. Também pode investir em “nomes históricos”. Nesse caso, surgem como possíveis postulantes os ex-governadores de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, e de Goiás, Marconi Perillo. Em todo caso, como as forças do partido entraram internamente em acordo para apresentar uma chapa única e a disputa política se dá previamente à convenção, Aécio, que pode formar maioria no novo diretório nacional do PSDB, ressurge como o mais influente político tucano, independentemente do nome alçado à presidência do partido: “Todas as questões internas vêm sendo discutidas de forma extremamente democrática, o que culminou com a apresentação de uma chapa única ao diretório nacional, que, por sua vez, esperamos, também possa construir uma nova direção do partido de forma convergente”, afirmou Aécio a CartaCapital.

Com a tradicional habilidade da política mineira, Aécio classifica como “extremamente harmoniosa” a condução do processo eleitoral no partido e não poupa elogios a Leite. “A liderança do governador é inconteste. É ele a nossa grande figura e aposta para 2026”, afirma, antes de pontuar: “Por isso, compreendemos que a sua prioridade agora deve ser governar o Rio Grande do Sul. Até porque os resultados da sua boa gestão, que devem se repetir, serão seu passaporte para as eleições de 2026 com reais chances”. Da legenda Aécio encarrega-se de cuidar: “Que o PSDB dê novos e vigorosos passos rumo ao fortalecimento do seu papel de oposição ao governo Lula, à gastança desenfreada do Estado, à pouca aptidão pela gestão pública, aos injustificáveis alinhamentos ideológicos na política externa”.

Mas é justamente essa guinada à direita, agravada pelo alinhamento ao governo Bolsonaro no Congresso, que está na raiz da perda de vigor do PSDB. “Aquele PSDB social-democrata já não existe desde a chegada de João Doria à prefeitura de São Paulo e, sobretudo, ao governo paulista. É um partido que já governou o País e vários estados grandes, mas hoje tem uma bancada do tamanho do PSOL”, observa o cientista político Cláudio Couto. Em São Paulo, acrescenta o professor da FGV-SP, o partido também minguou, e o atual número de prefeitos reflete isso: “Nos anos de governo houve um inchaço. Um monte de políticos que poderiam estar em qualquer lugar foram parar no PSDB e vários deles abandonaram o partido no momento que ele deixou de ser interessante”.

Diretor do Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia da UFRJ, Luiz Eduardo Motta lembra que diversas mudanças aconteceram na sigla nesses 35 anos de vida: “A formação do ­PSDB ­dá-se a partir de uma ruptura com o PMDB. Eram os chamados ‘autênticos’, a ­esquerda do PMDB. Quando surge, no fim dos anos 1980, o partido tinha claramente a marca da defesa do parlamentarismo e do desenvolvimento nacional. A campanha de Mario Covas à Presidência da República tinha um forte teor nacionalista”. Segundo o especialista, os tucanos mantiveram essa característica até 1993, quando aconteceu o plebiscito que rejeitou o parlamentarismo. “Logo depois, o PSDB chega ao poder. Apoiou o governo de Itamar Franco, fez o Plano Real e conseguiu eleger Fernando Henrique Cardoso presidente. A bandeira do parlamentarismo foi abandonada no decorrer do tempo.”

Com a emergência da extrema-direita em 2018 e nos anos seguintes, o ­PSDB, que tinha perdido sua característica inicial, perdeu também seu espaço. “Essa perda se deu tanto para a extrema-direita quanto para uma direita que podemos chamar de ‘federativa’ ou ‘regional’. O melhor exemplo disso é o crescimento do PSD nos últimos anos”, diz Motta. Para o professor, o PSDB perdeu força nacional ao abandonar sua personalidade a ponto de “tornar-se uma legenda de aluguel para candidatos em vários estados”.

Couto, por sua vez, avalia que o PT ajudou a afastar o PSBD para a direita e, depois desse empurrão inicial, os tucanos não pararam mais. “Várias lideranças tomaram posições alinhadas ao bolsonarismo e com um discurso extremista. Talvez o direitista mais moderado do PSDB hoje seja o Eduardo Leite.­ E o ­Aécio é aquele que abriu a caixa de ­Pandora com o questionamento das eleições de 2014”, observa. “O PSDB é um partido rumo ao ocaso. É de se perguntar se ele, de fato, ainda existe.” •

Publicado na edição n° 1287 de CartaCapital, em 29 de novembro de 2023.

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