Política

G20 tem Bolsonaro sitiado e sem exemplos a oferecer

Série de fragilidades deixa dúvidas sobre saldo do presidente no encontro com a comunidade internacional

Foto: Alan Santos/PR
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A viagem do presidente da República Jair Bolsonaro à reunião do G20, no Japão, já lotou o noticiário. Um militar foi encontrado com 39kg de cocaína na comitiva presidencial. Bolsonaro trocou declarações pouco gentis com a chanceler alemã Angela Merkel. O presidente francês Emmanuel Macron disparou sua indisposição em costurar acordos com o Brasil. Tudo antes mesmo que a reunião começasse. Movimentações neste curto período, portanto, põem em xeque as possibilidades reais de que o Brasil retorne contando vantagens.

Na verdade, não será uma surpresa se o encontro não for decisivo para o país. Nascido em 1999, o G20 era um fórum de diálogo entre ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de economias desenvolvidas e ascendentes. Cresceu como um espaço de discussão para soluções frente às vulnerabilidades do sistema financeiro internacional. Na crise de 2008, expandiu-se em duas vias: a reunião anual passou a incluir a participação de chefes de Estado e governo e a abraçar pautas como sustentabilidade, mudanças climáticas, combate à corrupção, tecnologia, energia, emprego, infraestrutura.

A reunião do G20 já foi importante para o Brasil no fortalecimento de sua articulação estratégica com o bloco econômico dos Brics, composto por Rússia, Índia, China e África do Sul. Mas, nesta ocasião, nossa agenda é restrita. Bolsonaro tem como principais tarefas o estreitamento de relações com o governo de Donald Trump, a soma de apoios para a entrada do Brasil na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, a OCDE, e a consolidação de acordos de livre comércio. Na avaliação de especialistas, nossos interesses são pouco implicados pelo assunto da vez: a disputa comercial entre Estados Unidos e China.

A partir deste contexto, a dúvida que se abre é de que forma o Brasil poderá contribuir ao encontro, se colocada à mesa a série de evidências que fragiliza a credibilidade do nosso representante.

Descrédito 1: a crise na ciência brasileira

À primeira vista, o presidente terá oportunidade de falar ao mundo como orador na sessão temática sobre Inovação e Tecnologia. A rigor, demais países não devem se espelhar pelo exemplo que damos na área com o atual governo. Mesmo que usufrua de reconhecimento internacional, a ciência brasileira sofreu duro corte orçamentário neste ano, de cerca de 2 bilhões de reais, uma fatia equivalente a 42% das verbas. O Ministério da Educação também anunciou contingenciamentos que arriscam o funcionamento regular de universidades. Pesquisadores veem projetos ruírem e parcela deles se desloca para o exterior.

Para o doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Leonardo Ramos, o que sobra para o Brasil é se declarar como um espaço aberto para investimentos e anunciar reformas em curso.

“Acho que deve ser zero a contribuição. Se olharmos as reuniões que ele tem agendadas, são todas discussões sobre livre comércio em outras áreas, e não sobre investimento em inovação. Qual que é o tópico central da agenda da inovação para a cúpula, definida pelo Japão? É a ideia da revolução 4.0, com uma perspectiva mais humana. Quem investe pesado nisso? China, Alemanha, Estados Unidos, Japão. Esse é o ponto. O que o Brasil tem a dizer sobre isso? Nada”, avalia o pesquisador.

Descrédito 2: o desmonte de políticas ambientais

Em reuniões bilaterais, Bolsonaro chega com o projeto de entrar para a OCDE, mas também há obstáculos. Falta ao presidente credibilidade em pontos-chave para ser aceito no seleto grupo de países desenvolvidos, como a questão do meio ambiente, que virou prioridade para Merkel e Macron no encontro. Já em sua chegada ao país-sede do G20, Bolsonaro desembarcou com a declaração da chanceler: “Vejo como dramático o que está acontecendo no Brasil”.

É visível o que o governo brasileiro apresenta. No início desta semana, o Ministério da Agricultura liberou mais 42 agrotóxicos, chegando a 239 autorizações desde janeiro, com itens banidos pela União Europeia e vários definidos como “muito perigosos para o meio ambiente”. O avanço do desmatamento na Amazônia também chama a atenção do mundo: em maio, uma frente de ex-ministros do Meio Ambiente denunciou o desmonte de políticas da pasta na gestão Bolsonaro. No combate às mudanças climáticas, também não oferecemos bons indícios de progresso, já que contingenciamos 95% das verbas destinadas a ações que envolvem a pauta.

O descumprimento de compromissos do Acordo de Paris, que trata sobre o tema, levou Macron a adiantar: “Se o Brasil deixar o acordo, no que nos diz respeito, não poderemos assinar um acordo comercial com eles. Por uma simples razão. Estamos pedindo aos nossos agricultores que parem de usar pesticidas, pedimos a nossas empresas que produzam menos carbono, o que tem custo de competitividade”.

Descrédito 3: escândalos da #VazaJato

O combate à corrupção é outra cartilha da OCDE, e Bolsonaro até poderia louvar os esforços da Operação Lava Jato e do pacote anticorrupção do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Mas também estamos combalidos neste ponto, principalmente após o escândalo internacional dos vazamentos noticiados pelo site The Intercept Brasil.

“Já faz algum tempo que o G20 discute, de maneira mais avançada, sobre corrupção e lavagem de dinheiro. Bolsonaro coloca a questão como importante, e põe o Brasil como espécie de referência, tendo em vista o pacote de Moro. Existia, por parte de atores internacionais, interesse nisso. Não obstante, a grande questão que fica aberta envolve as notícias que o Intercept vazou sobre o papel do Moro na Lava Jato. Bolsonaro tinha a intenção de apresentar a Operação como exemplo de moralidade, mas agora há uma série de interrogações sobre até que ponto a comunidade internacional levará a sério o que ele tem a dizer a respeito”, analisa o pesquisador.

Um grão de areia no G20

Outros focos de atenção são a reunião entre Bolsonaro e o presidente chinês, Xi Jinping, e o encontro informal com o bloco dos BRICS. Para Ana Saggioro Garcia, professora e doutora de Relações Internacionais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Bolsonaro tentará manter relações com estes países, dentro de suas limitações ideológicas. O agronegócio, por exemplo, é um braço de apoio do governo que não pode prescindir da parceria com a China.

No entanto, a vontade central do presidente, na opinião da pesquisadora, é obter algum saldo positivo nas relações com os EUA, o que pode render benefícios pontuais a alguns setores, mas a equação não é tão simples.

“O governo espera que a total submissão aos Estados Unidos, que vai desde a abertura de turistas sem visto até a tentativa de alinhamento ideológica, a abertura de Alcântara, a abertura da Amazônia para exercícios militares, que isso faça os americanos mais amigáveis para a entrada na OCDE, mas a equação que os EUA fazem é mais ampla. Não acho que será tão rápido”, examina. “O Brasil é um grão de areia numa agenda muito mais global, que é a guerra comercial. O centro do G20 de Buenos Aires [realizado em 2018] se repete no G20 de Osaka, que é a tentativa de minimizar danos da política de cerceamento da China, que Trump vem levando a cabo.”

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