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Fio a fio

O futuro governo começa a acomodar os interesses da ampla aliança, a bolsa de apostas corre solta e até lavajatistas são lembrados

Alckmin, Dias, Gleisi e Mercadante negociam com o deputado Castro o Orçamento de 2023 - Imagem: Marcelo Camargo/ABR
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Jair Bolsonaro continua a curtir a fossa no Palácio da Alvorada e uma dezena de seus seguidores, cada vez em menor número, insiste em bloquear estradas e pedir intervenção militar na porta dos quartéis. O resto do País preferiu, no entanto, tocar a vida. Na segunda-feira 7, começaram oficialmente os trabalhos da equipe de transição de governo sob o comando do futuro vice-presidente, Geraldo Alckmin. Líderes partidários da aliança e representantes de legendas que decidiram nos últimos dias somar-se à base no Congresso foram indicados para o conselho político e os principais grupos temáticos tomaram forma. Listas apócrifas com os nomes de possíveis ministros circulam por Brasília, ao gosto do freguês, mas a disputa entre os novos inquilinos do poder ainda está incipiente. Lula continua em silêncio, o que estimula o mercado de apostas e as pressões, legítimas ou nem tanto.

O PT teme ser diluído na ampla coalizão e reivindica o direito de indicar um grupo próprio durante o processo, forma de garantir a ocupação de cargos de confiança nos ministérios, autarquias e estatais. Setores caros ao partido, as pastas das áreas­ sociais entre eles, estão na mesa de negociação. O caso mais delicado envolve o MDB e Simone Tebet, figura de destaque no apoio a Lula no segundo turno, embora a adesão tenha produzido efeito mais simbólico do que prático. A senadora e o partido insistem em ocupar o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável por gerenciar o Bolsa Família vitaminado pela garantia do pagamento mensal de 600 reais, valor a ser incluído na discussão do Orçamento do próximo ano, e pela base de beneficiários ampliada. O problema é que técnicos petistas detêm a expertise de gestão dos programas sociais, desempenho reconhecido internacionalmente, e teriam dificuldade em ceder espaço aos emedebistas. A legenda abrirá mão da vitrine eleitoral para contemplar a neoaliada e garantir a fidelidade do MDB no Congresso? Haverá uma composição?

O Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República e as duas indicações ao Supremo Tribunal Federal em 2023, em decorrência das aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa ­Weber, são outros quinhões cobiçados. O nome mais cotado para a Justiça é o de Flávio Dino, eleito senador pelo Maranhão. Consta, porém, que Dino, outro a projetar uma candidatura presidencial no pós-Lula, gostaria de ocupar uma pasta com recursos e capilaridade nos estados e municípios. O ex-governador teria citado a interlocutores o Desenvolvimento Regional. Um experiente dirigente petista acrescenta mais um dilema: seria um erro incorporar de uma só tacada ao governo nomes de peso eleitos para o Senado, que se tornou um paiol de pólvora com a eleição dos mais ideológicos e tresloucados bolsonaristas. Além de Dino, Wellington Dias, eleito pelo Piauí, é lembrado para a Fazenda ou Casa Civil, enquanto Jaques Wagner, senador pela Bahia, poderia ser escolhido chanceler. Não se sabe se os suplentes teriam envergadura na contenção da rebeldia dos aliados de Bolsonaro em uma Casa decisiva na aprovação de mudanças constitucionais e de reformas de vulto.

Nicolau Dino e Bottini: há quem lembre o apoio à Lava Jato – Imagem: Alice Vergueiro/Abraji e Carlos Moura/STF

A indefinição na Justiça e adjacências faz crescer o zunzunzum. Até antigos defensores da Lava Jato são citados. O procurador Nicolau Dino, irmão que não comunga dos mesmos ­ideais de Flávio Dino, poderia, segundo relatos na mídia, substituir Augusto Aras na PGR. Um experiente quadro petista é, porém, peremptório ao negar essa possibilidade: “Fake news”. Nicolau Dino integrou a equipe de Rodrigo Janot, que deu carta branca à República de Curitiba e permitiu que o Ministério Público Federal se tornasse instrumento da luta político-partidária, vetor do golpe contra Dilma Rousseff e da prisão ilegal de Lula. Não bastasse, diz a liderança do PT, não haveria razão para acomodar dois Dino no mesmo governo. O presidente eleito ainda não sabe como lidar com a lista tríplice enviada pelos procuradores. Nos mandatos anteriores da legenda, prevaleceu a escolha do mais votado pela corporação, mas a experiência “republicana” deu no que deu. O mandato de Aras termina em setembro do próximo ano e até lá será preciso encontrar um meio-termo entre a autonomia da instituição e o direito constitucional do presidente de indicar o procurador-geral. De qualquer maneira, após os crimes da Lava Jato e a atuação desavergonhada de Aras em favor de Bolsonaro, o MP só conseguirá recuperar alguma credibilidade se agir nos limites da lei. Ou ao menos assim acredita a equipe de transição.

Entre os novos rostos lembrados para a Justiça surge o de Pierpaolo Bottini, professor livre-docente do Departamento de Direito Penal da USP e auxiliar do ministro Márcio Thomaz Bastos no primeiro mandato de Lula. A resistência a ­Bottini entre petistas tem, porém, a mesma origem daquela a Nicolau Dino: o advogado é, ou era, um entusiasta da Lava Jato e em diversas entrevistas minimizou os desmandos de Sergio Moro e da força-tarefa. Segundo um petista, Bottini estaria de olho, na verdade, em uma das vagas no STF, desejo que não seria realizado. “Não tenho nenhuma pretensão de ocupar cargos no governo”, afirma o professor. “Quero ajudar o governo a dar certo, mas não faço questão de estar no ministério.”

O comando da Petrobras também figura entre os temas sensíveis. O senador Jean-Paul Prates, do Rio Grande do Norte, parece ter perdido força na corrida, conforme descreve o editor Carlos Drummond. Central no projeto de recuperação da economia, a petroleira foi desidratada durante os governos Temer e Bolsonaro e está à mercê dos acionistas minoritários, premiados novamente com dividendos recordes, em detrimento dos investimentos em produção e distribuição. Lula prometeu na campanha mudar a política de preços, mas terá de contemplar os sócios privados e impedir que a estatal volte a frequentar o noticiário policial.

Apesar dos desafios, um experiente petista está otimista. Segundo ele, o Congresso não negará ao futuro governo a manutenção dos 600 reais do recriado Bolsa Família nem um reajuste acima da inflação, embora esquálido, do salário mínimo. As medidas garantem margem de manobra nos primeiros meses, tempo para se costurar um apoio sólido no Congresso. Esse mesmo dirigente aposta que metade do PL e grande parte do PP, ícones do Centrão, abandonarão Bolsonaro e embarcarão na canoa lulista. Para aprovar projetos relevantes e se proteger de ameaças de impeachment, Lula vai precisar de 220 a 240 deputados na Câmara, além dos parlamentares progressistas eleitos em outubro. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Fio a fio”

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