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Fim de linha

O processo de cassação do mandato de Sergio Moro avança em tribunal paranaense

A pré-campanha à Presidência da República gerou uma vantagem indevida ao ex-juiz na disputa pelo Senado – Imagem: Arquivo/Ag. Senado
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Quando abandonou a toga para ocupar uma vaga no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro, parecia que Sergio Moro havia, finalmente, entendido que o Judiciário não é o lugar adequado para fazer política. Desprovido do manto de super-herói do combate à corrupção, tão bem cerzido pela mídia nativa, o ex-juiz logo percebeu que não seria tão simples fazer deslanchar a nova carreira. Saiu do Ministério da Justiça pela porta dos fundos, sem qualquer feito relevante e acusando o chefe de interferir no trabalho da Polícia Federal. Logo depois, filiou-se ao nanico Podemos para lançar sua candidatura à Presidência da República. Ao notar que o partido não tinha musculatura para sustentar seu projeto, bandeou-se para o União Brasil. Os caciques da nova legenda podaram as asas de Moro, oferecendo ao neófito a possibilidade de disputar apenas o Senado. Impedido pela Justiça Eleitoral de disputar o cargo por São Paulo, retornou à República de Curitiba, onde se elegeu senador com o voto de 1,9 milhão de paranaenses. Agora, vê-se diante de uma nova ameaça, que pode alijá-lo da vida pública.

Alvo de dois processos que podem resultar na cassação de seu mandato, Moro ganhou uma curta sobrevida após o desembargador Dartagnan Serpa Sá, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, adiar em um mês os depoimentos das testemunhas arroladas pelo senador e pelos partidos que ingressaram no Judiciário com as ações. Inicialmente previstas para ocorrer de 25 a 27 de outubro, as oitivas foram transferidas para o período entre 29 de novembro e 1º de dezembro. As datas foram alteradas a pedido da defesa, que solicitou um prazo maior para analisar documentos apresentados à Justiça pelo Podemos, o antigo partido do ex-juiz. Seja qual for o resultado do julgamento na Corte paranaense, certamente a parte derrotada vai apelar ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, que já demonstrou não ser conivente com os malfeitos dos lavajatistas ao cassar o mandato de Deltan Dallagnol por violação da Lei da Ficha Limpa.

Os propositores das ações acusam Moro de se beneficiar da pré-campanha à Presidência no período em que esteve filiado ao Podemos. Os milionários gastos na natimorta candidatura geraram uma vantagem indevida ao ex-juiz na disputa pela vaga paranaense no Senado, argumenta Luiz Eduardo Peccinin, advogado da Federação Brasil da Esperança, que reúne PT, PCdoB e PV. Há, ainda, diversas inconsistências na prestação de contas, como o recebimento de recursos de origem não identificada, a omissão de receitas e gastos, além de contribuições recebidas após as eleições.

O depoimento das testemunhas foi adiado por um mês. Mesmo assim, o caso terá um desfecho ainda neste ano

O Podemos apresentou à Justiça Eleitoral notas fiscais que somam quase 2 milhões de reais em gastos da pré-campanha de Moro à Presidência. As despesas incluem a contratação de seguranças particulares, passagens aéreas, carro blindado, honorários advocatícios e pesquisas eleitorais, entre outras. As ações movidas pela federação liderada pelo PT e pelo PL de Paulo Martins, segundo colocado na disputa pela vaga paranaense no Senado, listam, porém, contratos de prestação de serviços que ultrapassam a cifra de 19 milhões de reais, valor quatro vezes superior ao limite de gastos para a pré-campanha ao Senado fixado pela Justiça Eleitoral, de 4,4 milhões de reais. Quando Lauro Jardim, colunista do jornal O Globo, veiculou essa informação, Moro correu para as redes sociais para contraditá-lo: “Esses valores estavam inicialmente previstos para a possível campanha presidencial que não houve, então, por óbvio, inexistem”.

O PL argumenta, porém, que diversas despesas de campanha foram realizadas de forma dissimulada, como se fossem contratações para atividades partidárias, sem finalidade eleitoral. Segundo a legenda, desconsiderar esses fatos poderia abrir “precedentes hediondos” para futuros pleitos. “Sem a suficiente reprimenda do Judiciário, restará implícita a permissão para que qualquer partido político ou pretenso candidato promova um derrame de recursos e exponha desmedidamente um dos concorrentes para, no meio do jogo, ‘converter’ a candidatura para outro cargo cujo limite de gastos seja inferior”, afirma em sua petição.

Peccinin, advogado da federação liderada pelo PT, concorda com a avaliação. “Houve evidente abuso do poder econômico pelo dispêndio de recursos financeiros na pré-campanha de Sergio Moro, que não foram declarados nem contabilizados pela Justiça Eleitoral”, diz. “Seja por motivos lícitos ou ilícitos, os gastos ultrapassaram os limiteis legais, e não foi pouco. Se assim fosse, poderia haver apenas multa. Mas estamos falando de um valor superior, até quatro vezes maior que o teto.”

Defensor de Moro, o advogado Gustavo Guedes argumenta que a vitória de seu cliente não decorreu da exposição durante o período em que se apresentava como presidenciável do Podemos, e sim pelo reconhecimento do seu trabalho como juiz e pelos feitos da Lava Jato. “Não há indicação de atos de pré-campanha que especificamente se refiram à competição e ao eleitorado paranaense, sendo ilógico considerar os atos praticados fora do Paraná como relevantes à demanda”, escreveu na peça.

O julgamento está na última fase de instrução processual. Peccinin esclarece que o adiamento das oitivas das testemunhas “não altera em nada o processo, apenas atrasa um pouco o desfecho”. O advogado de Moro ainda não decidiu se seu cliente vai depor ou não à Justiça. A jurisprudência garante ao indiciado o direito de não produzir provas contra si mesmo.

Na avaliação do advogado Gustavo Henrique Serpa, especialista em Direito Eleitoral, não é possível dissociar este caso de outro bastante rumoroso, a cassação do mandato da então senadora e também ex-juíza Selma Arruda, do PL de Mato Grosso do Sul, conhecida como “Moro de saias”, em 2019. Ambos os processos apontam a suposta prática de abuso de poder econômico no período da pré-campanha. Serpa lembra que a Lei 13.165/2015, aplicada pela primeira vez no pleito de 2018, permitiu a divulgação de suas candidaturas no perío­do que antecede as eleições, sem que isso configurasse propaganda eleitoral antecipada. Os candidatos não podem, contudo, pedir votos expressamente nem realizar gastos de campanha que ­ultrapassem valores considerados “moderados”.

Arruda perdeu o mandato por não declarar despesas da pré-campanha que somam 1,2 milhão de reais. “Os gastos do senador paranaense”, acrescenta Serpa, “não parecem moderados nem podem ser relativizados. Cabe à Justiça Eleitoral coibir com rigor qualquer tipo de abuso que venha contaminar a lisura das eleições, como forma de garantir a segurança jurídica e evitar distorções no processo democrático.” •

Publicado na edição n° 1283 de CartaCapital, em 01 de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fim de linha’

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