Política

Ex-diretor da PRF apresentou defesa frágil na CPMI do 8 de Janeiro, avaliam governistas

Silvinei Vasques era chefe da Polícia Rodoviária Federal durante ações que teriam favorecido Bolsonaro em período eleitoral

Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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Parlamentares governistas avaliaram o depoimento do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques como inconsistente e tergiversador. A primeira oitiva da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre os atos golpistas de 8 de Janeiro ocorreu nesta terça-feira 20. 

A convocação de Vasques segue uma cronologia do plano de trabalho da CPMI, a mirar articulações golpistas desde o segundo turno da eleição, quando uma operação da PRF em estados do Nordeste levantou suspeitas de atuação política da corporação em favor da candidatura de Jair Bolsonaro (PL).

O plano de trabalho também passa pelos bloqueios das rodovias após o segundo turno e os ataques da extrema-direita em Brasília em dezembro, até chegar à invasão aos Três Poderes, dias depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Uma das estratégias da base governista foi apontar a concentração de operações da PRF no Nordeste, para supostamente prejudicar o trânsito de eleitores de Lula. 

Os parlamentares confrontaram Vasques com os dados de um relatório do Ministério da Justiça a apontar a fiscalização de 2.185 ônibus no Nordeste, contra 571 no Sudeste, entre 28 e 30 de outubro. A ação teria contrariado uma ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a proibir operações contra transportes gratuitos

Além disso, os congressistas da base do governo mencionaram a informação, reportada pelo portal UOL em abril, de que a PRF havia escalado funcionários a mais nas regiões Nordeste e Norte naquele período.

Vasques contestou os dados do Ministério da Justiça e reportou informações que teriam como fonte um sistema da PRF, as quais apontariam menos ações nos estados nordestinos. A relatora Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou, então, que “a incongruência precisa ser sanada” e que solicitará esclarecimentos à PRF.

Arthur Maia (União-BA) e Eliziane Gama (PSD-MA), presidente e relatora da CPMI. Fotos: Divulgação

Durante o depoimento, Vasques foi questionado pela relatora com base em dois documentos, com ordens de serviço em que constavam somente estados da região Nordeste, no valor de 3 milhões de reais, nas vésperas e na data do segundo turno. Vasques disse desconhecer as ordens de serviço.

O ex-diretor-geral alegou ter participado apenas de reuniões que planejavam as operações a nível nacional. Além disso, sugeriu que a CPMI convocasse Djairlon Henrique Moura, que era diretor de operações à época e teria feito reuniões sobre operações específicas.

“Não tem nenhuma assinatura minha aí. Eu desconheço essa operação. Era interessante ele ser chamado aqui para dar explicação”, declarou. “Se a senhora quiser informação do primeiro e do segundo turnos, eu participei das reuniões. Das demais operações, o diretor-geral não participa.”

Segundo ele, “quem escolheu os locais foram os chefes de delegacia ou os chefes de serviços de operações” e “não foi em Brasília que escolheram os locais onde as viaturas ficariam”.

Os parlamentares governistas também apontaram inação da PRF diante dos bloqueios nas rodovias que sucederam o segundo turno, como uma contradição em relação às operações da corporação durante o pleito.

O deputado Rogério Correia (PT-MG) ironizou o tema e relembrou a ação de uma torcida organizada do Atlético Mineiro, que havia liberado um bloqueio bolsonarista em uma rodovia de São Paulo.

Em resposta, Vasques disse que o cenário era “acirrado” e que a PRF teve dificuldades nos desbloqueios.

“Sobre a torcida organizada, não vou fazer comentário, porque não entendo dessa área, como eles conseguiram abrir, se tiveram êxito. Até agradeço pelo apoio à polícia”, respondeu o ex-PRF. “Não estava tão tranquilo como os senhores estão falando. Era muito acirrado. Teve confronto em vários locais.”

Caminhoneiros bolsonaristas bloqueiam rodovias brasileiras após derrota do ex-capitão.
Foto: Anderson Coelho / AFP

Os parlamentares também apostaram em relacionar Vasques à empresa Combat Armor Defense, ligada a um apoiador do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, Daniel Beck, empresário americano que esteve em Washington durante a invasão ao Capitólio.

Eliziane Gama mencionou a venda de veículos blindados pela Combat Armor Defense à PRF por meio de um processo de licitação e apontou o enriquecimento do patrimônio da companhia em um período curto.

Segundo ela, a empresa criada em 2019 tinha 1 milhão de reais em patrimônio, cifra que cresceu para 6,8 milhões de reais em um ano. Em 2022, o valor teria saltado para 20,9 milhões de reais, e em outubro o número já ultrapassaria 27 milhões de reais. Além disso, a companhia já havia sido contratada pela Superintendência da PRF no Rio de Janeiro quando Vasques era chefe do setor.

Durante o seu depoimento, Vasques admitiu ter pedido emprego na companhia após deixar a PRF, conduta que a relatora disse considerar como conflito de interesses.

“Eu estou desde o dia em que me aposentei procurando emprego. Acho que o meu currículo aqui foi apresentado. Estive em mais de dez empresas, estou à procura de emprego”, declarou. Na sequência, disse ter procurado uma vaga em “várias empresas, inclusive essa”.

O ex-PRF disse, porém, não ter ciência das relações da empresa nos Estados Unidos.

“Eu desconheço, o que eu sei é que a empresa cumpriu todos os requisitos, a licitação foi aprovada, auditada e até hoje não encontraram nada de errado nesse procedimento. Agora, os contatos da empresa lá nos Estados Unidos, eu não tenho esse nível de informação.”

Vasques também afirmou que o “pregoeiro” da PRF era Marcelo de Ávila, que atuava na área de contratações públicas da PRF. A relatoria avalia procurar o responsável pelo setor para buscar explicações.

Depoimento ex-Diretor Geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, na CPMI.
Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Um quarto pilar da estratégia governista foi relembrar processos dos quais Vasques foi alvo.

Ele admitiu a condenação judicial por uma agressão física a um frentista em Cristalina, Goiás, em 2000. O trabalhador teria se recusado a lavar um carro da PRF e sido vítima de socos.

“Existe a ação cível, eu fui condenado em primeiro grau”, disse Vasques. Em seguida, declarou ter se tornado alvo de uma ação do Estado para pagar um valor referente à indenização dedicada à vítima. “A União já pagou 20 mil reais ao cidadão, e agora esse valor corrigido está em 70 [mil].”

Na avaliação de governistas, a estratégia da relatora de mencionar um processo anterior aos atos de 8 de Janeiro contribui para questionar a idoneidade de Vasques para atuar como chefe da PRF.

A tática, contudo, gerou protestos da oposição bolsonarista e acabou em bate-boca.

A relatora acusou Vasques de mentir perante a CPI ao dizer que não tinha conhecimento de “novos processos”, a não ser os já encerrados. O ex-diretor da PRF, porém, tornou-se réu por improbidade administrativa em novembro do ano passado.

Chegou a ser mencionada a possibilidade de prisão em flagrante, mas o presidente da Comissão, o deputado Arthur Maia (União-BA) concedeu um espaço para que o ex-PRF se explicasse, e a punição não foi à frente.

Para integrantes da CPI mista ouvidos por CartaCapital, membros da base de Lula, o ex-diretor-geral da corporação apresentou uma defesa frágil e acabou fortalecendo a tese dos governistas.

Segundo avaliações, o depoimento ainda pode ser confrontado a depender das informações que a CPMI obtiver sobre as operações no Nordeste e os processos dos quais ele é alvo.

Bolsonaristas, por sua vez, demonstraram descrédito quanto a essas expectativas.

“Não acharam nada contra o senhor, no sentido de ter armado um golpe no Brasil. Mas querem, aqui na Comissão, dizer que o senhor mentiu. Então, tem que encontrar alguma coisa”, disse a senadora Damares Alves (Republicanos-DF). “O que estou vendo hoje é uma desconstrução de imagem.”

O ex-diretor da PRF Silvinei Vasques em depoimento à CPMI do 8 de Janeiro. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Nesta sessão, a CPMI aprovou quatro requerimentos com novas convocações. Um deles se refere a Renato Carrijo, perito responsável pelo laudo técnico de um atentado a bomba próximo ao Aeroporto Internacional de Brasília, em 24 de dezembro de 2022.

Também serão convocados: Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Lula; Jean Lawand Júnior, coronel do Exército; e Saulo Moura da Cunha, ex-diretor-adjunto da Abin.

A CPMI também aprovou um requerimento ao Supremo Tribunal Federal para obter, em dez dias úteis, a cópia de inquéritos relacionados a supostos atos de ação ou omissão ocorridos em 8 de Janeiro nas sedes dos Três Poderes, em Brasília.

A capacidade de colaboração do STF, no entanto, pode ter a limitação de informações, de acordo com o andamento das diligências e o caráter sigiloso dos processos. Para a base governista, a limitação pode ser mais rigorosa, uma vez que a CPMI decidiu manter a participação de dois parlamentares investigados pelo STF: Marcos do Val (Podemos-ES) e André Fernandes (PL-CE).

A próxima oitiva da CPMI será na quinta-feira 22, com o depoimento de George Washington de Oliveira Sousa, condenado por participar de um atentado a bomba em Brasília.

As expectativas dos governistas recaem, sobretudo, nos depoimentos de Mauro Cid, militar envolvido no escândalo do “roteiro do golpe”, e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

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