Entrevistas

‘Eu não posso mais sair na rua’, diz Barbara Gancia sobre repercussão de post que cita filha de Bolsonaro

A jornalista foi acusada de ter comparado filha do presidente a garota de programa; em entrevista, Gancia diz que ‘é fácil provar’ que não

A jornalista Barbara Gancia. Foto: Reprodução/Canal Futura
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“Pra bolsonarista imbrochável feito o nosso presidente, quando a filha do Bolsonaro se arruma, ela parece uma puta.”

A frase da jornalista Barbara Gancia, publicada no Twitter em 16 de outubro, criticava as declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) que apontavam suposta prática de prostituição por menores de idade refugiadas da Venezuela no Distrito Federal. O escândalo do “pintou um clima” havia estourado naquele fim de semana.

A postagem, no entanto, gerou uma reação negativa da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ela entendeu que a publicação comparava a sua filha Laura, de 12 anos, a uma garota de programa. Com o argumento, anunciou que tomará medidas judiciais contra a jornalista.

O caso tomou as redes sociais e pautou programas da Jovem Pan, emissora fiel ao bolsonarismo. Com a tarja Em tweet, jornalista compara filha de Bolsonaro a uma p*t*, comentaristas da emissora fizeram duras críticas a Gancia e a acusaram de disseminar “discurso de ódio”.

“O presidente quis, na verdade, denunciar a possibilidade de venezuelanos serem prostituídos no Brasil”, disse José Maria Trindade, no Os Pingos nos Is. “Uma linguagem assim falando de uma garota de 12 anos é um crime em qualquer situação. Não é porque é filha do presidente. Não se pode fazer política e descer a tão baixo. O Ministério Público deveria tomar uma atitude antes mesmo da família.”

Trindade citou, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê o crime de “constrangimento” a menores de idade, no Artigo 232.

Em entrevista à CartaCapital, Gancia afirmou que “é muito fácil provar” que a sua postagem não pode ser enquadrada nesses termos, mas se disse “horrorizada” e “atordoada” pelos rumos que o escândalo tomou.

“É de uma gravidade inacreditável. Eu não posso mais sair na rua, porque posso sofrer um atentado”, afirmou. “Admito que esse meu tweet realmente é ousado. Mas ele não está insultando ninguém.”

Confira os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: Como você avalia a repercussão da sua postagem?

Barbara Gancia: Sou uma jornalista aposentada. Não trabalho nem na Folha, nem na Globo, como estão alegando. Bom, o que eu avalio? Eu sempre vou até o limite. O que sempre faço é polemizar. Fiz a minha vida inteira, tentar ir até o mais longe possível. É como um comediante com a sua piada. Obviamente, fui longe, admito que esse meu tweet realmente é ousado. Mas ele não está insultando ninguém. Eu apenas fiz uma equivalência do que o presidente fez com aquelas jovens meninas venezuelanas. Comparei com o que ele sentiria se fizessem com a filha dele.

Então, eu falei o seguinte: para gente como ele, que se acha imbrochável, que é aquele tiozão retrógrado, qual seria o efeito se ele visse a filha dele se arrumando? Seria a mesma coisa. Iria achar que a filha dele também estaria fazendo programa. Eu pus isso de maneira bem impactante, como é de meu feitio, e pus isso nas palavras costumeiras do Bolsonaro, do Malafaia, do Carlos, do Flávio. Todos eles falam desse jeito, agem desse jeito, e é isso o que eles entendem.

Eu falei dessa maneira para que eles pudessem medir o tipo de impacto que devem ter tido com a filha dos outros. Porque é sempre assim. As mulheres que se arrumam são prostitutas procurando fazer programa. Esse foi o intuito do meu tweet.

CC: Então você não se arrepende de ter publicado essa mensagem.

BG: É óbvio que eu estou absolutamente horrorizada com o que eles estão fazendo comigo, porque eles pegaram um tweet de uma pessoa que não tem mais uma vida pública, que é uma pessoa particular, e transformaram num fato político. Me jogaram numa frigideira. Pegaram, para variar, uma jornalista mulher, aposentada, que não trabalha em nenhum veículo, que não pode se defender. E fizeram um escarcéu para tentar encobrir um mau feito do presidente. Isso é de uma gravidade inacreditável. Eu não posso mais sair na rua, porque posso sofrer um atentado.

CC: Como você avaliou o anúncio da primeira-dama sobre a tomada de medidas judiciais?

BG: Você sabe que eu tenho 40 anos de jornalismo nas costas. Isso para mim não é nenhuma novidade. Não me impressiona, nem me assusta. Como eu sei que não falei o que ela está dizendo que falei, isso não me deixa preocupada. Judicialmente, é muito fácil provar que ela está errada. Agora, ela vai a um comício e diz, choramingando, que a filha não pode sair de casa porque está sendo chamada de puta por uma jornalista da Globo e da Folha, que seria eu. Uma flagrante mentira. Eu não trabalho na GNT há seis, sete anos, assim como na Folha. Isso é má intenção. É querer criar um fato político para desviar do que o Bolsonaro está falando. E os fatos de ser lésbica e de ter lançado um livro com a minha história de alcoolismo convêm a eles.

O Silas Malafaia fez um vídeo que circula nas redes falando que eu chamei a filha do presidente de puta e alegando todas essas mentiras a meu respeito sem que eu possa me defender. Eu pergunto se eu não fosse mulher e tivesse algum poder, se eles poderiam estar fazendo isso. Eles fazem porque convém a eles.

CC: É também da sua intenção tomar alguma medida judicial?

BG: Estou falando com o meu advogado, a gente vai ver o que vai acontecer daqui para frente. Estou tão atordoada com esse fato que nem sei o que dizer. Estou realmente muito assustada. Nunca imaginei que fosse ter o poder do Estado e de uma campanha sórdida contra mim.

CC: Você acredita que o Bolsonaro ainda pode ser devidamente responsabilizado pela declaração sobre as jovens venezuelanas?

BG: Eu lembro quando o Trump estava na campanha dele e disse: eu posso matar alguém na Quinta Avenida, e nada vai acontecer comigo. A impressão que a gente tem é de que o Bolsonaro também acha a mesma coisa. Esse é um retrato explícito do que está acontecendo no Brasil. Por conta de uma inverdade, eles revertem uma situação.

Se isso está acontecendo comigo, pode acontecer a qualquer cidadão do Brasil. Mais um mandato do Bolsonaro, e a gente vai ter todo o tipo de violência e desrespeito à democracia. A gente tem que estar preparado para qualquer coisa. Acho que quem não está entendendo a falsa equivalência de colocar Lula e Bolsonaro no mesmo patamar, não está avaliando o que pode acontecer.

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