Política

Esquerda ainda não encontrou caminho para enfrentar bolsonarismo nas redes sociais, avaliam especialistas

CartaCapital falou com profissionais que analisam a comunicação dos candidatos progressistas no enfrentamento à extrema-direita

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Eleito presidente com apoio de uma estrutura digital que ainda é objeto de investigação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro, no governo, segue com a mesma estratégia de comunicação digital que o levou ao Palácio do Planato. Enquanto isso, partidos do campo progressista ainda buscam espaço na disputa de narrativas das redes sociais.

 

Para especialistas em comunicação com quem CartaCapital conversou, falta à esquerda o que sobra na extrema-direita: um discurso unificado.

“Na direita, há definição de liderança do assunto que será discutido; não tem fragmentação como ocorre na esquerda”, diz Gabriel Arantes Cecílio, especialista em comunicação e imagem pública. “Sempre se discute a mesma coisa de uma forma muito simples e existe uma união na disseminação do tema. É difícil ter a união da esquerda, ao passo que a ala conservadora tem isso muito bem definido”.

Para ele, que também atuou em marketing político, o “grande trunfo do conservadorismo foi a formação do discurso”.

“Fala-se muito da rede de WhatsApp, da disseminação do conteúdo, mas tudo começa com a base teórica de comunicação”, avalia Cecílio. “A esquerda se concentrou em teorizar o simples e agora está meio perdida, tentando encontrar um caminho no meio da tecnologia da informação. Falta um discurso”.

Com a proximidade das eleições municipais, que ocorrem em novembro, políticos e partidos começam a buscar alternativas para a disputa.

Grande trunfo do conservadorismo foi a formação do discurso, diz Gabriel Arantes Cecílio, especialista em comunicação e imagem pública

“Eu vejo uma preocupação generalizada em como responder o bolsonarismo, mas não vejo nenhum movimento prático de organização no momento”, diz o jornalista e consultor político Lino Bocchini, que participou de campanhas em países como Colômbia, Bolívia e Brasil. “Até porque é um inimigo complexo de ser combatido”.

“O campo progressista está atrás [na comunicação], mas não é por incompetência”, afirma Bocchini. “Por um lado, há mais dinheiro e menos compromisso com a ética na direita, e quem detém mais estrutura na esquerda tem mais dificuldade cultural de encarar essa guerra de frente”.

Na avaliação de ambos, o bolsonarismo conseguiu formar uma base orgânica a partir de fakenews e compartilhamento. “Os apoiadores do Bolsonaro não são robôs, são pessoas reais”, diz Bocchini.

“Enquanto a esquerda fragmentava a atuação nas redes, a direita estava consolidando a ideia de que o PT destruiu a economia. Não se tem um contra-argumento”, afirma Cecílio. “Hoje, os políticos de esquerda até conseguem chegar à timeline [das redes sociais] de um número considerável de pessoas, mas eles não conseguem ter o poder de influência que os conservadores têm, até pelo modelo de discurso”.

O campo progressista está atrás [na comunicação], mas não é por incompetência, afirma Lino Bocchini, jornalista e consultor político

Levantamento da consultoria especializada em redes sociais Arquimedes, divulgado pelo jornal O Globo, revela que, no Twitter, ao se considerar 17 perfis relevantes do campo bolsonarista e 17 de oposição, o grupo governista registrou engajamento médio quase dez vezes maior, entre 7 de julho de 6 de agosto deste ano.

Tática bolsonarista

Para Cecílio, há método na comunicação da família do presidente e de seus apoiadores. Mas falta uma figura central e condutora do discurso da esquerda no ambiente digital.

“O campo progressista hoje não tem clareza no que propõe. Quem é a voz da esquerda hoje nas redes sociais? Não tem. Agora, quem pauta o campo conservador? Se não é o [astrólogo]  Olavo de Carvalho, é o [vereador] Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), por exemplo”, afirma. “Aí, as figuras mudam: uma hora é o [ex-ministro da Educação, Abraham] Weintraub, ou é a [ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos] Damares Alves. Mas você sempre sabe de onde vem a informação”.

Cecílio diz que o tema da discussão é sempre posto pela direita de uma maneira muito simples e o encadeamento dos fatos também. E segue uma lógica de raciocínio em que os fatos importam menos do que as conclusões.

Segundo ele, os “inimigos” desse conservadorismo estão sempre no mesmo bolsão, mesmo que não tenham ligação: Gilmar e PT, Globo e comunismo, aborto e ONG: “Eles vão juntando coisas que não se misturam. Eles não se aprofundam, e sim usam os preconceitos da sociedade. O ponto tecnológico, de disseminação, é o passo posterior”.

Eleições 2020

A reportagem de CartaCapital entrevistou integrantes de dois partidos de esquerda que disputarão a eleição na capital paulista.

De acordo com o presidente do diretório municipal do PT, Laércio Ribeiro, a campanha de Jilmar Tatto vai judicializar qualquer irregularidade adotada pelo bolsonarismo.

“Eu espero que essas eleições tenham uma marca diferente de 2018. Vamos lembrar que temos uma CPI das Fakenews em curso, temos diversas ações judicializadas que tiraram do ar sites propagadores de fakenews da direita nos últimos meses, como o Allan Terça Livre. Um caminho seguro é identificar esse movimento e judicializar para tirar do ar essa rede propagadora de mentiras. Nós do PT vamos ficar atentos a isso”, afirma.

“Nos últimos anos, nós nos preocupamos pouco com essas ferramentas”, reconhece Ribeiro. “Agora, vamos gastar uma parte dos nossos recursos com as novas mídias”.

Perfil no Twitter do pré-candidato do PT em São Paulo

A coordenação da campanha de Orlando Silva (PCdoB) disse que se apoiará em “mobilização política nas redes sociais”. De acordo com os seus integrantes, o campo progressista não tem a mesma estrutura material que o bolsonarismo e seus propagadores da rede de ódio, mas militantes são “aguerridos e preparados para o debate”.

O pré-candidato comunista é o coordenador dos debates na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei das Fakenews.

“Nossa campanha será baseada em ações coordenadas de TV, rádio e redes sociais. A pandemia tirou, até o momento, a campanha de rua. Essa eleição será predominantemente de redes sociais”, diz o PCdoB. “Vamos ampliar o alcance da nossa mensagem a partir da compreensão das singularidades de cada plataforma digital e a importância da mobilização política online. Tudo isso sem subestimar o papel das mídias tradicionais. Faremos uma campanha esteticamente bonita, com emoção, e apresentaremos propostas objetivas que o povo consiga entender”.

Orlando Silva é ativo no Twitter

Caminhos possíveis

Uma alternativa para a esquerda, aponta Cecílio, é criar uma pauta própria em vez de reagir a uma discussão proposta pelos conservadores.

“Eleição municipal é problema pontual. Tudo que for na direção da pauta de costumes é melhor para o campo conservador. É agora que se discute o problema na rua, a fila do posto de saúde. Cada vez que a esquerda morde a isca de discutir costumes, percebe-se que é uma ação coordenada para diluir uma outra ação relevante em que a direita se vê fragilizada”, pontua.

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