Não bastasse o atraso, o Censo 2022 veio a público cercado de desconfianças. A principal crítica diz respeito ao tamanho da população brasileira, 203 milhões, aquém dos 214 milhões projetados pelo próprio IBGE em 2018, antes da pandemia. A metodologia utilizada e os vários obstáculos criados pelo governo Bolsonaro para a realização da pesquisa teriam causado diversas inconsistências. Recém-aposentado do instituto, o demógrafo Tadeu Oliveira esteve na coordenação de inúmeros Censos, inclusive no planejamento inicial do levantamento de 2022, na Gerência de Demografia e Coordenação de População e Indicadores Sociais. Acabou escanteado por discordar das decisões do órgão à época. Na entrevista à repórter Fabíola Mendonça, Oliveira aponta as falhas do Censo 2022, mas elogia os dados divulgados sobre as populações quilombola e indígena. “Trabalho impecável”, define.
Carta Capital: Até que ponto as dificuldades impostas pelo governo Bolsonaro influenciaram nos dados do Censo?
Tadeu Oliveira: O principal obstáculo foi o corte orçamentário, desenhado por Paulo Guedes em 2019. O ministro foi ao IBGE para dar posse a Susana Cordeiro Guerra e disse: “Quem perguntar muito vai saber demais”. Segundo ele, o Censo tinha de ter dez perguntas e o IBGE poderia vender alguns prédios no Rio de Janeiro para bancar a pesquisa. No fundo, eles não queriam o Censo, mas eram obrigados a fazer, seja pela Constituição, seja pelos padrões internacionais. O IBGE cometeu dois equívocos muito grandes: copiou o que deu de errado no Paraguai, com o corte de recursos, e o que teve de pior no Chile em 2012, ao mudar o planejamento no meio do caminho. O orçamento para o Censo em 2019 era de 2,3 bilhões de reais, para ser realizado em 2020. Era pouco. Aí veio a pandemia e o Censo não aconteceu. Chega em 2021, o governo dá 79 milhões. Era impossível. Então o STF obriga o governo a realocar os mesmos 2,3 bilhões, sem correção da inflação. O presidente à época do instituto, Eduardo Rios Neto, aceitou. E começou assim, com cortes na remuneração de recenseadores e supervisores e 75 % da verba de publicidade, necessária para mobilizar a população. Não pagou o treinamento, começou a atrasar a ajuda de custo para locomoção… Fica difícil fazer Censo se pago mal e não faço publicidade para a população tomar conhecimento da importância do trabalho. Todo Censo tem uma subnumeração, onde parte da população não é contada. Esse porcentual fica entre 1,5% a 2,5%. No censo atual, a gente tem duas estimativas. Uma, que eles não deixaram divulgar, um estudo exploratório feito pelos demógrafos, dá entre 210 milhões e 211 milhões de habitantes, subnumeração de 3,4%, nada do outro mundo. Eu fiz uma estimativa, a partir de registro administrativo, dados da Polícia Federal de entradas e saídas no País, cheguei a 212,7 milhões, daria uma subnumeração de 4,6%, também nada do outro mundo. Então, a população brasileira está em torno disso, de 210 a 212 milhões. Os próprios pesquisadores, usando técnicas demográficas, podem ajustar esse dado para um número mais próximo da realidade. No Censo não se mexe, uma vez divulgado, não sofre revisão. Mas é possível corrigir esse dado. Só não é legal a direção do IBGE dizer que o número é esse e está acabado.
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