Justiça
Entre amigos
A patota paranaense adia o destino do senador Moro, que tem encontro marcado com o TSE


O longo julgamento no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, que se arrastou por quatro sessões, passa a impressão de uma meticulosa análise dos autos do processo, mas o desfecho não surpreendeu ninguém. Jogando em casa, o senador Sergio Moro foi absolvido nas ações que pediam a cassação do seu mandato por abuso do poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2022. Logo após a confirmação do resultado, pelo folgado placar de 5 votos a 2, o ex-juiz correu para as redes sociais para enaltecer a Corte paranaense, apresentada como “um farol para a independência da magistratura”.
Moro gostaria que esse “farol” iluminasse as mentes dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral, que darão a palavra final sobre o seu destino político, mas parece não confiar muito nessa possibilidade. Não por acaso, sua esposa, a deputada Rosângela Moro, transferiu seu domicílio eleitoral de São Paulo para o Paraná. Precavida, planeja disputar a vaga do marido na eleição suplementar a ser convocada caso os magistrados de Brasília se esquivem das luzes emanadas de Curitiba. Se os eleitores permitirem, a cadeira no Senado pode até mudar de dono, mas se manterá na família.
Esse não é o único indício da descrença de Moro na salvação do próprio mandato. Com o julgamento ainda em curso no TRE do Paraná, o ex-juiz submeteu-se a uma constrangedora cerimônia de beija-mão no gabinete do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. A reunião convocada pelo senador visava “quebrar o gelo” com o magistrado, que se tornou um crítico ferrenho dos métodos lavajatistas, sobretudo após descobrir, nos diálogos interceptados por um hacker e revelados pela Operação Spoofing, que os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba estavam no encalço dos “amigos do Gilmar”, talvez com o intuito de constrangê-lo a não revogar controversas decisões da primeira instância.
Moro acreditava que o ministro poderia interceder em seu favor junto aos seus pares no TSE, mas foi humilhado, segundo relatos do encontro vazados à mídia. “Você e o Dallagnol roubavam galinha juntos. Não diga que não, Sérgio”, teria dito Mendes, antes de aconselhá-lo a retomar (ou adquirir) o hábito da leitura. “Você faltou muito às aulas Sérgio. Aproveite que está no Senado, estude um pouco. A biblioteca da Casa é ótima.”
Até a conclusão desta reportagem, o insólito diálogo não havia sido desmentido. Ao contrário, o ex-deputado Deltan Dallagnol sentiu o golpe e resolveu tirar satisfações nas redes sociais: “Gilmar Mendes, mais uma vez você me ataca, dizendo que eu roubava galinhas. Tem coragem de fazer isso frente a frente, ministro?” Teve com Moro, mas este permaneceu em obsequioso silêncio. Talvez por encarar o espelho e enxergar as feições do amigo Dallagnol, absolvido por unanimidade no tribunal paranaense, mas depois cassado pelo TSE por burlar a Lei da Ficha Limpa. Logo ela, tão defendida pelos lavajatistas como um eficaz antídoto contra a corrupção.
No TRE do Paraná, os argumentos para livrar Moro do cadafalso foram curiosos. O principal ponto da acusação é que o ex-juiz se beneficiou da pré-campanha à Presidência da República pelo Podemos, na qual teria torrado ao menos 2 milhões de reais do Fundo Partidário, antes de mudar de planos e se candidatar ao Senado pelo União Brasil do Paraná. Os vultosos gastos do presidenciável e a superexposição à mídia o colocaram em situação de vantagem em relação aos demais candidatos na disputa local, argumentam os advogados do PL e da Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), autores das ações que pediam a cassação do mandato do senador. Luciano Carrasco Falavinha Souza, o relator do processo, entendeu, porém, que os acusadores não apresentaram “dados empíricos assimiláveis”, ou seja, “quais foram as despesas de seus pré-candidatos para se aferir se, em comparação com os gastos dos investigados, esses seriam excessivos”. Sem saber quanto cada candidato gastou, sustenta Falavinha, seria impossível concluir que houve desequilíbrio na disputa.
Mulher precavida, Rosângela Moro tratou de mudar o seu domicílio eleitoral para tentar reaver a vaga do marido
O desembargador abstraiu do passivo pré-eleitoral de Moro 560 mil reais gastos com jatinhos em menos de 30 dias, entre julho e agosto de 2022, e outros 535 mil reais pagos para a escolta armada do candidato. “Segurança não possui aptidão para fomentar candidaturas ou atrair votos, pode até mesmo representar obstáculo à aproximação com o eleitorado”, avaliou Falavinha. O voto do relator foi acompanhado por Cláudia Cristina Cristofani, fotografada ao lado de Moro em uma longínqua festa de confraternização, e pelos desembargadores Guilherme Frederico Fernandes Denz, Anderson Fogaça e Sigurd Roberto Bengtsson, este último presidente do TRE. Apenas José Rodrigo Sade e Júlio Jacob Júnior divergiram.
Sade observou que as elevadas despesas com segurança privada, jatinhos, consultorias e outros prestadores de serviços durante a pré-campanha geraram um evidente desequilíbrio na disputa. “Não se trata de garimpar os autos em busca do valor exato investido na pré-campanha, mas de pontuar que houve excessos de forma clara, comprovada, contumaz. Gastou muito mais que os candidatos que disputaram com ele a vaga única ao Senado.” Em seu voto de quase três horas, Jacob Júnior observou que Moro fez uso “indistinto e desmedido” de recursos público do Fundo Partidário e que o tal plano do PCC para assassinar Moro não poderia servir de justificativa para a dinheirama despejada em escolta armada, pois a ameaça só foi revelada em março de 2023, cinco meses após as eleições.
Na avaliação do advogado e professor de Direito Eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, caberá ao TSE balizar melhor o que é considerado um gasto excessivo na pré-campanha, de forma a evitar a repetição de situações como essa nos próximos pleitos. “Esse processo vai além da eleição do senador Sergio Moro e, certamente, terá um efeito pedagógico importantíssimo no Brasil.” •
Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.
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