Política

Em Porto Alegre e em Brasília, a bancada negra gaúcha avança

O estado elege as primeiras deputadas negras para Assembleia Legislativa e Câmara Federal

Os deputados estaduais gaúchos Laura Sito, Matheus Gomes e Bruna Rodrigues. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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A histórica entrada coletiva de movimentos negros, sociais, lideranças comunitárias e religiosas no auditório da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, na tarde da terça-feira 31, marcou uma nova fase para a política gaúcha. Eles acompanharam os eleitos Matheus Gomes (PSOL), Bruna Rodrigues (PCdoB) e Laura Sito (PT), que compõem a primeira bancada negra do Parlamento estadual do Rio Grande do Sul. Hoje, em Brasília, a posse das três primeiras mulheres negras eleitas para o Congresso pelos eleitores gaúchos ratifica esse avanço.

“Mostramos que esse movimento não é um mero fenômeno eleitoral, estamos representando uma luta de muitas décadas dos movimentos negros e sociais”, disse Matheus Gomes, momentos antes da posse. “Nosso estado tem os Lanceiros Negros, João Cândido, o almirante do mares, que criou o 20 de Novembro (Dia Nacional da Consciência Negra.”

“Nós sempre estivemos aqui. Nós ainda falamos sobre o nosso direito de existir com dignidade. O desafio que temos aqui é pensar um Brasil onde todos e todas nós tenhamos espaço”, ressalta a deputada estadual Bruna Rodrigues. “O primeiro abraço que recebi na cerimônia de diplomação foi de uma senhora que trabalha na limpeza da Assembleia e disse que pela primeira vez não verá ela e seus colegas somente limpando, verá uma de nós na tribuna.”

Recursos a iniciativas culturais, defesa dos territórios quilombolas e indígenas, projetos para garantir acesso à alimentação, educação e saúde, criação e manutenção de cozinhas comunitárias, a briga pelo passe livre, denúncia e acompanhamento jurídico de casos de racismo, e preservação de espaços públicos foram alguns dos temas sobre os quais a bancada se debruçou. A variada agenda de pautas com recorte racial e social colocou o trabalho dos parlamentares em evidência durante os últimos dois anos, apesar do quadro hostil em relação ao Poder Executivo nos níveis municipal, estadual e federal, devido ao domínio pelo bolsonarismo.

“Fizemos história mudando o modo de representação política. Com muito diálogo, pé no barro e coletividade enfrentamos uma conjuntura adversa, incluindo ameaças de morte e até invasão nazista. É com nossa presença nos espaços de poder que estamos conseguindo construir um futuro que não será sem nós”, afirma Laura Sito, representante do Brasil na Frente Parlamentar de Combate à Fome na América Latina e Caribe da ONU.

A presença da bancada também mexe com um passado de tradições racistas. Na diplomação, alguns dos eleitos não cantaram o hino estadual, em protesto ao racismo explicitado no verso “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. “O hino é inspirado na Guerra dos Farrapos e já teve três versões. A guerra nunca questionou a escravidão. A Constituição Farroupilha não considerava negros e negras cidadãos”, explica Matheus Gomes, mestre em Historia pela UFRGS.

“Os lanceiros negros lutaram na guerra sob a promessa de liberdade, mas foram executados no Massacre de Porongos. No contexto da guerra, a única escravidão que existia era a negra, por isso a frase é racista. A contribuição negra no Rio Grande do Sul tem de ser valorizada e, nesse sentido, defendemos que o hino seja modificado, como já foi feito outras vezes. A sociedade pode e deve debater isso.”

Nova cara em Brasília

Na capital federal, Reginete Bispo (PT), Denise Pessôa (PT) e Daiana Santos (PCdoB) – que também integra a bancada LGBTQIA+ – mostraram uma cara diversa do Rio Grande do Sul, expressando a resistência diante de décadas de uma política de embranquecimento populacional. Alinhadas ao projeto nacional do presidente Lula, as parlamentares serão vozes importantes em discussões como o regime de cotas e na defesa da liberdade religiosa, contando ainda com o apoio do senador Paulo Paim (PT). 

Recentemente, o conselho da UFRGS aprovou a aplicação de ações afirmativas também para os cursos de pós-graduação e desde 2020 o estado possui a Delegacia de Combate à Intolerância, responsável por investigar crimes de racismo, homofobia e injúria qualificada – somente em 2021 foram registrados mais de 500 casos. Em 2020, o assassinato de João Beto nas dependências do mercado Carrefour em Porto Alegre por dois seguranças desatou protestos em todo o País. 

“Agora nós apontamos nossas dores, o que falta para nosso povo. Mais que falar, é preciso agir, a partir de nossas caminhadas e vivências. Tenho uma bisneta e sei que quando ela olhar para trás vai reconhecer nosso legado”, define a Yalorixá Nara Regina, articuladora do projeto social Quem tem pouco ajuda quem não tem nada, no bairro Lomba do Pinheiro.

Líder de uma casa de matriz africana, Mãe Nara, como é conhecida, fez parte da candidatura coletiva de mulheres negras que ficou na suplência na eleição de 2020 para a Câmara Municipal e agora estará na equipe de Reginete Bispo. “Para mim é uma honra enquanto mulher negra periférica participar dessa vida política e ser a voz de pretas e pretos”, resume.

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