Política

Em eleição no Amazonas, metade do eleitorado prefere ficar em casa

Em pleito para mandato-tampão de governador, vencido por Amazonino Mendes, população mostra apatia e rejeição a velhos candidatos

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A disputa pelo governo do Amazonas, realizada em segundo turno no domingo 27, revelou um eleitorado apático e descrente. Ao menos 1 milhão dos 2,3 milhões dos aptos a votar preferiram anular o voto ou ficar em casa em vez de escolher entre o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) e o eleito Amazonino Mendes (PDT-AM).

A apatia levou os candidatos e o próprio presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas a fazer campanhas publicitárias para incentivar a ida às urnas, sem muito sucesso.

“O direito que temos de escolher nosso destino deve ser valorizado. Não delegue a terceiros o direito de escolha do seu governante de seu estado se omitindo de votar ou anulando seu voto. A ausência nas urnas não contribui para a democracia”, declarou o presidente do TRE do Amazonas, Yedo Simões.

Entre os motivos apontados para a falta de empolgação com o evento democrático estão o desgaste da classe política como um todo, a curta duração do mandato e a polarização da disputa no segundo turno entre dois velhos conhecidos do público. Ambos os candidatos também colecionam envolvimentos em polêmicas e escândalos de corrupção.  

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” As abstenções, nulos e brancos mostram um profundo desencantamento do eleitorado com esse grupo político que está no poder há 30 anos. No cenário nacional, há crise nas instituições democráticas: no Parlamento, no Executivo, no Judiciário. Com tudo isso, o pessoal não foi mesmo às urnas”, explica o sociólogo Luiz Fernando de Souza Santos, professor do departamento de Ciências Sociais na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 

Tratou-se, de fato, de uma eleição atípica, convocada após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa encabeçada José Melo (PROS) por acusação de compra de votos e determinar que caberia à população escolher o novo governante.

Em 2015, a minirreforma eleitoral aprovada pela Câmara mudou de dois anos para seis meses antes do término do mandato o prazo para realização de eleições diretas em caso de vacância no governo estadual. O Amazonas foi o primeiro estado a ser impactado pelo novo dispositivo. 

A Procuradoria-Geral da República chegou a pedir a impugnação do texto aprovado pela Câmara, sob a liderança do ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba. O Supremo Tribunal Federal ainda não deliberou sobre o tema e não se sabe se uma eventual declaração de inconstitucionalidade do projeto poderia impactar nas eleições recentes no Amazonas.

Dos 1.016.635 que não escolheram nem Braga e nem Mendes, 412 mil votaram branco ou nulo e 603 mil preferiram não comparecer. Amazonino foi eleito com 782 mil votos, enquanto seu adversário recebeu 539 mil.

A baixa participação não pareceu incomodar. “Quem votou me deu o direito de dizer que eu sou o governador” declarou ele, na primeira coletiva após a vitória, de acordo com o portal Amazonas Atual. 

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Aos 77 anos,  Amazonino Mendes é um veterano da política local. Iniciou sua carreira no final dos anos 1970, no Departamento de Estradas e Rodagens do Amazonas. Seu primeiro cargo no executivo foi obtido ainda durante a Ditadura Militar, em 1983: prefeito de Manaus. Em 1987, foi eleito governador. Após uma passagem pelo Senado, foi escolhido novamente para a prefeitura, mas abandonou o cargo após dois anos para concorrer ao governo.

Curiosamente, foi neste momento que o hoje adversário Eduardo Braga cacifou-se na política regional, ao assumir, na condição de vice, a prefeitura da capital. Amazonino governou o estado entre 1995 e 2002. Em 2004, não venceu a campanha pela prefeitura e, em 2006, perdeu mais uma disputa pelo estado para Braga. Seu último cargo foi prefeito de Manaus entre 2009 e 2012. 

Já o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) começou sua carreira no executivo em 1994, após o mesmo Amazonino renunciar ao cargo de prefeito para concorrer ao governo e deixar a gestão da cidade para o vice. Foi eleito e reeleito governador em 2002 e 2006. Depois, foi senador pelo PMDB e ministro de Minas e Energia no governo Dilma entre 2015 e 2016. 

De certa forma, este último embate entre Amazonino e Braga é expressão de uma disputa interna dentro de um mesmo grupo político, nascido a partir de Gilberto Mestrinho (1928-2009), que governou o estado pela primeira vez entre 1959 e 1963. Voltou ao poder na distensão da Ditadura Militar, em 1982, quando foram realizadas eleições diretas pela primeira vez em 20 anos.

De lá para cá, excetuando-se o mandato de Vivaldo Frota (1990-1991), Omar Aziz (2011-2014) e José Melo (2015-2017), Mestrinho, Amazonino e Braga praticamente revezaram-se no cargo.

Aziz, por exemplo, era vice de Braga e chegou ao cargo em 2010 após o ex-ministro de Minas e Energia concorrer ao Senado. Melo, por sua vez, era vice de Aziz e assumiu o governo em 2015, quando Aziz decidiu candidatar-se também ao Senado.  

Para Santos, o grupo expressa um modelo de fazer política ultrapassado. “É um modelo de populismo aliado a construção de obras, mas que não tem um projeto de médio e longo prazo de desenvolvimento para a região”, afirma. 

De toda forma, analisa Santos, a tendência é que o eleito não se dedique, de fato, à administração do estado. Fortemente atingido pela crise econômica, o Amazonas vive também uma crise de segurança pública, além de sofrer com uma carência histórica de infraestrutura. Entre 2016 e 2017, o desemprego cresceu 70%, saltando de 153 mil para 216 mil. É o quinto maior índice de desocupação no País. 

“Todos os candidatos disseram que, em um ano, não há muito o que se fazer. Mas esse mandato-tampão vai na direção das articulações para as eleições de 2018. Esse governo vai girar em torno disso. Ou seja, não teremos respostas para questões urgentes para o morador local, como a segurança pública e a reversão dos altos índices de desemprego. Realmente, não dá para esperar muito”, critica o sociólogo. 

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