Política
Eleições/ Deus é inocente
Mas os homens continuam a usá-lo para fazer política da pior espécie


O clima de “guerra santa” que permeou boa parte da campanha eleitoral deverá repetir-se no segundo turno. Na segunda-feira 3, poucas horas após o fim da apuração dos votos, causou reboliço nas redes sociais um antigo vídeo, no qual Jair Bolsonaro discursa em uma loja maçônica em 2017. As imagens viralizaram em grupos petistas e bolsonaristas, mas parecem ter causado um estrago maior junto ao eleitorado evangélico, uma vez que, nas igrejas, a Maçonaria é vista como inimiga do cristianismo.
Ao longo da semana multiplicaram-se as mensagens de evangélicos decepcionados com o presidente, o que levou o pastor Silas Malafaia a gravar um vídeo tranquilizando os fiéis: “Não muda nada”. A contraofensiva continuou na quarta-feira 5, com uma resolução aprovada pela Convenção das Assembleias de Deus em São Paulo, a prever punições para os pastores que “defendam, pratiquem ou apoiem práticas ligadas à esquerda”. Quem apoia Lula, dizem os pastores, defende a “erotização das crianças” e a “desconstrução da família tradicional”. Vem mais por aí.
Armados e perigosos
Um adolescente de 15 anos foi apreendido, na quarta-feira 5, por efetuar disparos de arma de fogo contra três colegas de uma escola estadual em Sobral, a 240 quilômetros de Fortaleza. Uma das vítimas foi atingida na cabeça e levada ao hospital em estado grave. As outras foram atingidas na perna e de raspão na cabeça, mas não correm perigo. A arma utilizada no crime está registrada em nome de um CAC (Colecionador, Atirador e Caçador), categoria beneficiada pelos decretos de Bolsonaro que facilitaram o acesso a revólveres, pistolas, escopetas e até mesmo a fuzis. Inicialmente, a polícia disse que a arma pertencia ao pai do adolescente, mas depois descobriu-se que ela pertence a uma terceira pessoa.
Ibama/ Eterna boiada
Manobra pode levar à prescrição de multas de 18,8 bilhões de reais
Ao todo, 45 mil processos podem ser extintos por decurso de prazo – Imagem: Felipe Werneck/Ibama
Parece não ter fim o estouro da boiada no Ibama. A política do governo Bolsonaro de deliberadamente levar à prescrição as multas ambientais lavradas pelo órgão, assim como pelo ICMBio, ganhou novo capítulo com o vazamento, esta semana, de documentos que mostram como um peculiar “entendimento jurídico” da atual direção do Ibama pode levar à anulação de 45 mil processos e evitar que infratores e criminosos ambientais paguem multas no valor de 18,8 bilhões de reais.
A manobra, revelada pela Folha de S.Paulo, consiste em fazer com que os despachos internos que paralisam o trâmite dos processos não cessem também a contagem dos dias necessários à prescrição das multas por decurso de prazo, como sempre aconteceu. Segundo a Procuradoria Federal, esse novo entendimento contraria aquilo que historicamente foi praticado pela administração do órgão ambiental, mas a norma continua em vigor. Pai da ideia, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, é discípulo do boiadeiro-mor Ricardo Salles, que o nomeou para o cargo.
Reino Unido/ Navalha irresponsável
Após reação negativa até do mercado, Liz Truss desiste de reduzir impostos aos mais ricos
Imagem: Ben Stevens
Pouco depois de assumir o cargo de primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss e seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, anunciaram um pacote de apoio para as famílias com dificuldades de arcar com os elevados custos da energia, acompanhado de grandes cortes de impostos. A navalha seria operada, porém, no topo da pirâmide, e não na base. Pela proposta, a alíquota máxima de imposto de renda, hoje em 45%, seria reduzida para 40%, beneficiando apenas quem ganha mais de 150 mil libras esterlinas ao ano (cerca de 910 mil reais).
O plano ruiu em menos de um mês. Os trabalhistas em bloco e vários integrantes do Partido Conservador anteciparam que votariam contra a medida proposta pela premier. As taxas de juro dispararam. Como observou Paul Krugman, Nobel de Economia, em recente artigo no New York Times, o mercado não estava reagindo a gastos públicos excessivos, e sim a “cortes de impostos irresponsáveis”, que chegariam a 146 bilhões de libras em cinco anos, o equivalente a 1% do PIB projetado no período, segundo estimativas do think tank britânico Resolution Foundation.
Em meio à guerra na Ucrânia, a ameaçar o abastecimento de gás natural do continente europeu, a redução de impostos para os ricos, menos afetados pelos preços da energia, soou como uma insensibilidade gritante. “Em tempos difíceis, os líderes precisam ser percebidos como realistas e justos”, diz Krugman. “O Reino Unido conseguiu uma líder que parece viver em um mundo de fantasia e ignora as preocupações da sociedade. E vai ser muito difícil compensar o dano que ela fez em apenas alguns dias.”
Se os britânicos soubessem que, no Brasil, a alíquota máxima de imposto de renda é de 27,5% e atinge todos os cidadãos com renda mensal superior a 4.664 reais (792 libras), mesmo que o valor dos rendimentos seja cem vezes maior, certamente eles ficariam escandalizados.
No caminho da paz
O Exército de Libertação Nacional, a última guerrilha em atividade na Colômbia, formalizou na terça-feira 4 a retomada de negociações de paz com o governo. O diálogo havia sido suspenso em 2019 pelo ex-presidente Iván Duque e voltará sob Gustavo Petro, que assumiu o cargo em agosto. Ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril, conhecido pela sigla M-19, um dos primeiros grupos a baixar as armas no fim dos anos 1980, Petro havia prometido, em campanha, trabalhar pela pacificação do país. O conflito na Colômbia dura seis décadas e matou ao menos 450 mil cidadãos. Ainda hoje, paramilitares e grupos armados ilegais controlam 6 mil combatentes.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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