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Dois coelhos, uma cajadada

Em sintonia com a equipe de Lula, a campanha de Haddad mira no capitão para derrubar o seu ministro

Haddad subestimou Tarcísio e acabou ultrapassado por ele - Imagem: Renato Pizzutto/Band
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Você sabe o que as crianças estão comendo na escola? É suco e bolacha, ou biscoito como vocês chamam no Rio de Janeiro.” A provocação feita por Fernando Haddad, no debate entre os candidatos ao governo de São Paulo promovido pela Band, cumpriu um duplo objetivo. Primeiro, o petista denunciou a falta de reajustes nos repasses do governo Bolsonaro para complementar a merenda escolar. Atualmente, para cada aluno dos ensinos fundamental e médio, a União destina míseros 36 centavos. Diante da escassez de recursos, algumas escolas dividem até ovos entre os estudantes. De quebra, reforçou o fato de que Tarcísio Freitas é um estranho no ninho, que jamais morou em São Paulo até decidir concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Se no primeiro turno o ex-ministro não sabia sequer localizar a escola em que votava, desta vez prometeu transferir a sede administrativa do estado para “Campos dos Elíseos”, em provável alusão ao bairro Campos Elíseos, um dos mais tradicionais da capital.

Durante o embate, Haddad seguiu à risca a estratégia combinada com a equipe de Lula: tratar Bolsonaro e Tarcísio como uma coisa só. “Não existe campanha separada, é Lula-Haddad contra Tarcísio-Bolsonaro”, comenta Jilmar Tatto, secretário nacional de Comunicação do PT e ­deputado eleito por São Paulo, com mais de 157 mil votos. Associar o ex-ministro aos desmandos da gestão bolsonarista, do negacionismo na pandemia à devastação da Amazônia, é visto como estratégico tanto na disputa estadual quanto na nacional. “Sejamos claros: Tarcísio é uma marionete do capitão”, emenda o deputado estadual Emídio de Sousa, coordenador da campanha de Haddad. “O governo dele será o quintal da família Bolsonaro. Se perderem para Lula, eles vão se encastelar em São Paulo para fazer oposição daqui.”

De olho nas sondagens eleitorais, a ­cúpula petista ainda acredita ser possível uma virada no estado. Na primeira pesquisa após o primeiro turno, realizada pelo Datafolha, Tarcísio figurava com 55% dos votos válidos, enquanto Haddad tinha 45%. A última rodada do Ipec, instituto criado por executivos do extinto Ibope, revela, porém, uma diferença menor. No levantamento da terça-feira 11, a distância era de 6 pontos porcentuais: o bolsonarista ostentava 53% dos votos válidos, e o petista tinha 47%.

“Após o resultado dessa pesquisa, é possível que Tarcísio fuja dos próximos debates ou apareça somente no último, a três dias das eleições, organizado pela TV Globo”, especula Tatto. “Seguiremos denunciando as mazelas do governo Bolsonaro na tevê e no rádio, ao mesmo tempo que apresentamos as nossas propostas, como o Bilhete Único Metropolitano e a isenção do ICMS para alimentos da cesta básica e a carne.”

Até pouco tempo, a campanha de ­Haddad não escondia o desejo de enfrentar Tarcísio no segundo turno. As pesquisas indicavam que Rodrigo Garcia, do PSDB, seria um adversário mais difícil de ser batido. Além disso, havia o cálculo de que o eleitorado bolsonarista votaria em peso no tucano, devido ao arraigado antipetismo. Por conta dessa avaliação, o petista concentrou os ataques em Garcia, mas acabou surpreendido com o resultado das urnas. O candidato de Bolsonaro cresceu na reta final da campanha e amealhou 42,32% dos votos, assumindo a liderança na disputa. Com 1,5 milhão de votos a menos, ­Haddad ficou em segundo, com 35,7%.

“Houve um erro de avaliação, a campanha petista minimizou os riscos da candidatura de Tarcísio”, comenta o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo. “É preciso ponderar, porém, que Haddad sofreu com o erro das pesquisas, que indicavam Garcia como um adversário mais forte. O resultado das urnas foi surpreendente, não se trata de um erro grosseiro cometido pelos estrategistas da campanha.”

“Se Bolsonaro perder votos, ele também perde”, diz Jilmar Tatto

O cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e colunista de CartaCapital, discorda, porém, da imprevisibilidade do resultado. Duas semanas antes do primeiro turno, ele publicou nas redes sociais uma análise apontando o equívoco de considerar Tarcísio um adversário mais vulnerável. “Tentei alertar lideranças do partido, mas não deram ouvidos. Quando a avaliação de um governo é muito ruim, há uma conjuntura de mudança, e a rejeição à gestão de João Doria e Rodrigo Garcia era altíssima. Logo, o candidato governista era o mais frágil”, explica. “O PT escolheu o adversário errado. Bateu no mais fraco e poupou o mais forte, comprometendo, inclusive, o desempenho de Lula no estado. Foi um grave erro de avaliação.”

Tatto observa, porém, que a campanha de Haddad sempre tratou como fato consumado a presença de Tarcísio no segundo turno, devido à força que Bolsonaro ainda tem no estado. “Não é verdade que escolhemos o adversário. As críticas só se concentraram no tucano porque é natural, no primeiro turno de uma eleição, a oposição apontar os erros do governo, e era Rodrigo Garcia quem representava a continuidade do PSDB no estado.”

Na tentativa de reverter a desvantagem, o PT despejou 4,4 milhões de reais na campanha de Haddad no segundo turno. O PSB, por sua vez, repassou mais 1,5 milhão de reais. Tarcísio também recebeu aportes de seu partido, o Republicanos, mas em volume menor. A direção municipal da sigla transferiu 2,37 milhões em 6 de outubro. Enquanto quase a totalidade das receitas do petista vem do fundo eleitoral, Tarcísio conta com vultosas doações de ruralistas e empresários com contratos com a União.

A pecuarista Maribel Schmittz Golin doou 400 mil reais logo quatro dias após a primeira votação. José Carlos ­Zanchetta, do Grupo Zanchetta, que atua no processamento de carne bovina e de aves, repassou outros 100 mil. Rui Denardin e ­Armindo Dociteu Denardin, do Grupo Mônaco, empresa que forneceu caminhões de lixo para municípios custeados pelo governo federal, doaram 100 mil reais cada um (no primeiro turno, a dupla já havia transferido 300 mil). Fundador da Gocil Serviços de Vigilância e Segurança Ltda., uma das maiores do Brasil, o que lhe garantiu a alcunha de “rei das terceirizações”, Washington Umberto Cinel fez um Pix de 300 mil em 5 de outubro. Já o ex-piloto Nelson Piquet, que faturou mais de 6 milhões de reais em um contrato assinado, sem licitação, com o Instituto Nacional de Meteorologia, vinculado ao Ministério da Agricultura, fez dois repasses de 100 mil a Tarcísio, um no primeiro turno, outro no segundo.

Para Haddad, não será tarefa fácil reverter a desvantagem no interior do estado. “O PT não chegava ao segundo turno da eleição para o governo paulista desde 2002, com José Genoino”, lembra Tatto. “Agora, Haddad deve intensificar a agenda na capital e na Região Metropolitana, onde é mais conhecido e saiu vitorioso no domingo 2. Enquanto isso, Geraldo ­Alckmin (vice de Lula) deve percorrer o interior. Não temos muita escolha. O estado é grande demais e faltam pouco mais de duas semanas para a eleição.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1230 DE CARTACAPITAL, EM 19 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Dois coelhos, uma cajadada”

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