Justiça
Diálogos da Vaza Jato podem mudar os rumos do julgamento de Ollanta Humala no Peru
Ao contrário do ocaso no Brasil, o braço peruano da operação vive um momento de destaque e pode colocar na cadeia o ex-presidente do país


Os diálogos entre procuradores da então força-tarefa da Lava Jato em Curitiba podem, no apagar das luzes, mudar os rumos do julgamento do ex-presidente do Peru Ollanta Humala.
Em Lima, a operação vive o seu auge, em contraste com o ocaso lavajatista no Brasil.
Humala continuará a prestar depoimento nesta terça-feira 12 no âmbito de um processo sobre suposto recebimento de caixa dois nas campanhas presidenciais de 2006 e 2011. O montante supostamente proveniente da brasileira Odebrecht (hoje chamada de Novonor) se refere ao pleito de 2011.
Em 2019, o Ministério Público peruano pediu 20 anos de prisão para Humala e 26 para a ex-primeira-dama Nadine Heredia. O julgamento oral começou em novembro de 2021.
Os recursos teriam sido retirados de uma conta abastecida pela empreiteira e administrada por Antonio Palocci. Em uma carta recente, contudo o ex-ministro da Fazenda sustenta jamais ter solicitado qualquer contribuição financeira a Humala ou à campanha dele.
A peça foi levada ao Peru pelo grupo Prerrogativas, que reúne advogados críticos ao modus operandi de Sergio Moro e Deltan Dallagnol. A avaliação do grupo é que há um “paralelismo” entre as investigações no Brasil e no Peru — ou seja, as irregularidades que levaram à anulação de diversos processos por aqui respingariam no modo como se conduziram as apurações em Lima.
Diálogos entre procuradores da Lava Jato brasileira que integram o acervo da Operação Spoofing (e a série de reportagens conhecida como Vaza Jato) reforçam esta percepção.
É o caso de uma conversa mantida por procuradores no Telegram que envolve Deltan e Vladimir Aras, então responsável pela cooperação internacional na Procuradoria-Geral da República.
“Não usaria para prova em denúncia, regra geral. Vamos usar para cautelar”, escreveu Deltan Dallagnol, segundo os arquivos. Aras, então, rebate: “Não dá para esperar chegar [pelo canal oficial]? Prudente como uma pomba; esperto como uma serpente”.
Nas conversas, também há menções a visitas de procuradores peruanos ao Brasil. Em 28 de julho de 2015, por exemplo, Deltan perguntou aos colegas se a força-tarefa deveria “pagar a janta pros fiscales peruanos”.
Um procurador não identificado nos arquivos responde: “Podem pagar que eu ajudo na conta”. Deltan, por sua vez, assente com “Blz”.
O Prerrogativas sustenta ainda que a Lava Jato brasileira abastecia a Procuradoria peruana com informações recebidas de forma ilegal do procurador suíço Stefan Lenz. Uma conversa de 21 de agosto de 2015 demonstra, no entendimento do grupo, que Deltan e Lenz sabiam da irregularidade das tratativas.
“Caros, temos que cuidar com a imprensa quando o Stefan tiver aqui. Não podem saber que é ele”, escreveu Deltan. Na sequência, emendou: “A pedidod [sic] dele”.
Ainda segundo o material, em outra ocasião a parte peruana dessa “cooperação internacional” solicitou que os procuradores brasileiros não contribuíssem com uma CPI instalada no Peru.
“Então não respondemos nada para ela por hora . Porque imagino que Alonzo não gostaria que esse motivo vazasse”, escreveu, em 3 de maio de 2016, o procurador Carlos Bruno. Trata-se de uma menção ao procurador peruano Alonso Raúl Freyre, a quem integrantes da força-tarefa brasileira se referiam como “nosso colega peruano”.
No Brasil, os sistemas Drousys e MyWebDay, da Odebrecht, foram declarados imprestáveis pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão da Justiça brasileira, porém, não tem efeitos sobre o andamento dos processos no Peru.
Questionado por CartaCapital sobre o impacto dos diálogos da Vaza Jato nesse julgamento, o coordenador do Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, afirmou esperar não apenas a rejeição da denúncia, mas “um pedido público de desculpas”.
“Assim como no Brasil, uma das estratégias da força-tarefa é a desconstrução da imagem pública de determinados alvos”, afirma. “Espera-se que essa essa denúncia seja simplesmente considerada inepta.”
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