Educação
Desmonte
Tarcísio quer cortar 10 bilhões de reais do orçamento anual da educação


Uma Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo Tarcísio de Freitas à Assembleia Legislativa reduz de 30% para 25% a parcela de impostos destinados à educação no estado de São Paulo. Se aprovada, estima-se um corte anual de 10 bilhões no orçamento do setor, com graves consequências para a educação básica, técnica, tecnológica e superior. Para se ter uma ideia do potencial de impacto, com esse dinheiro seria possível construir 5 mil creches por ano para 1 milhão de crianças ou aumentar em 50% os salários dos profissionais do magistério estadual. Essa PEC é um atentado brutal contra as garantias constitucionais de financiamento e oferta de ensino público em todos os níveis.
É preciso conhecer e respeitar a história. Em 1989, os constituintes paulistas estabeleceram como obrigação do estado aplicar anualmente no campo educacional no mínimo 30% da receita resultante de impostos. Portanto, 5% a mais que o determinado no artigo 212 da Constituição Federal. Ao fazê-lo, os parlamentares estavam cientes das responsabilidades para com a USP, Unesp e Unicamp, a extensa rede de escolas técnicas e tecnológicas, e da inestimável contribuição dessa estrutura para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Sobretudo, tinham pleno conhecimento dos enormes desafios de um sistema de educação básica que deveria atender com qualidade milhões de crianças, jovens e adultos demandantes de condições fundamentais para o exercício de sua cidadania. Estava claro que seria preciso um esforço maior e continuado. Por isso, elevaram o piso dos investimentos públicos obrigatórios para o setor.
Trinta e quatro anos se passaram e os desafios continuam gigantescos. Sim, houve avanços, mas continuamos a amargar baixos índices de qualidade na educação básica. Professores são mal remunerados, muitos trabalham em total precariedade, universidades padecem por falta de docentes e a oferta de ensino técnico ainda é bem limitada. É uma vergonha que 37% das crianças paulistas cheguem ao terceiro ano do ensino fundamental sem estar alfabetizadas e que a maior parte dos jovens que concluem o ensino médio nem sequer se sinta capaz de fazer o Enem. Resta evidente: os investimentos continuam insuficientes, sendo necessário aplicar mais e melhor em educação, nunca menos. A proposta de reduzir recursos para essa área é um contrassenso e não há nada que justifique tal desatino.
É o maior ataque ao setor já visto, com graves consequências
Oferecer como justificativa tirar da educação para dar para a saúde é insustentável, considerando as fragilidades de uma e de outra. Ambas são importantes e colocá-las em oposição não passa de oportunismo político. Registre-se que o governo Tarcísio de Freitas não é o único a atacar as bases para o progresso educacional, cultural, científico e tecnológico. Contudo, pode vir a ser o mais letal. No ano 2000, uma CPI na Assembleia Legislativa comprovava que a destinação obrigatória dos 30% previstos na Constituição estadual nunca era respeitada. De lá para cá, ano após ano, governantes paulistas têm se valido de expedientes para burlar a lei fingindo respeitá-la. Para “chegar” ao piso mínimo, afrontam decisão do próprio STF ao computar ilegalmente despesas com professores inativos e já cometeram o absurdo de contabilizar gastos com alimentação de animais do Jardim Zoológico como se fossem recursos para o ensino público.
Assim, bilhões de reais deixaram de ser investidos e os resultados desse desfalque são bem conhecidos. Nos recentes resultados do Pisa, o Brasil permanece nas últimas posições, destacando que 73% dos jovens brasileiros com 15 anos não aprenderam o mínimo esperado em matemática e 50% nem o mínimo em leitura. Um desastre que pode se tornar ainda maior com o corte agora proposto pelo governo do estado mais rico e populoso.
Setores atrasados de nossas elites recusam-se a perceber que a educação é a base de qualquer projeto de nação democrática, socialmente justa e ambientalmente sustentável. Acreditam que basta uma educação pobre para os pobres e fazem disso uma estratégia de dominação e manutenção de privilégios. É uma visão míope e mesquinha. O fato é que ainda serão necessários muitos anos de esforços ingentes para alcançarmos os padrões exigidos por um mundo no qual o conhecimento é o bem mais precioso. Calcula-se que o investimento per capita em um estudante paulista de nível básico seja apenas 54% da média aplicada pelos países desenvolvidos reunidos na OCDE onde, aliás, muitos dos problemas de infraestrutura foram superados há muito tempo. Portanto, é espantoso que por aqui queiram investir menos ainda.
O enfrentamento desse quadro depende de mobilização e vontade política. Por isso, é preciso rejeitar essa PEC que, se aprovada, tornará definitiva a redução do piso constitucional para o ensino público. É fundamental resistir a mais esse ataque, respeitar os desígnios dos constituintes de 1989, compreender o poder estratégico da educação para o desenvolvimento nacional e arquivar a proposta na pasta das iniciativas mais tristes da história de São Paulo e do Brasil. •
*Cesar Callegari é sociólogo. Foi secretário da Educação Básica do MEC (governo Dilma), secretário da Educação do município de São Paulo (governo Haddad) e deputado estadual na Assembleia paulista, onde presidiu a CPI da Educação no ano 2000.
Publicado na edição n° 1296 de CartaCapital, em 07 de fevereiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Desmonte’
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