Política

Deputados vão investigar polêmico fundo Lava Jato-Petrobras

Visão da PGR Raquel Dodge de que petroleira foi ‘vítima de esquema’ aumenta estranheza sobre o acordo

Foto: Tomaz Silva/EBC
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O polêmico fundo de 2,5 bilhões de reais criado por um acordo da força-tarefa da Operação Lava Jato com a Petrobras já é contestado no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora será a vez de o Congresso botar lupa no assunto, com uma investigação própria em busca de eventuais “interesses de acionistas americanos” e partidários, conforme decisão de 5 de junho.

Autora da ação judicial contra o fundo, a PGR Raquel Dodge considera a petroleira “vítima”, não culpada, o que aumenta estranhezas. Se a Petrobras é “vítima”, por que os procuradores de Curitiba endossaram o acordo que a estatal fez nos Estados Unidos para não ser processada lá, acordo este que é origem do fundo de 2,5 bilhões de reais?

A visão de Raquel está exposta em documento enviado ao STF em 8 de abril, como parte da ação movida por ela. “A Petrobras foi vítima de um esquema criminoso predatório que foi empregado no âmbito desta empresa por alguns de seus dirigentes, quando ocupavam cargos de diretoria, e estiveram associados a alguns políticos corruptos, no propósito de beneficiar empresas prestadoras de serviços e fornecedoras de bens, em troca do oferecimento de vantagens econômicas indevidas.”

A procuradora-geral da República tocou no assunto em resposta à Advocacia Geral da União, órgão defensor do poder público nos tribunais. Uma semana antes, a AGU havia encaminhado ao STF, para fazer parte da mesma ação, um documento em que chamava a Petrobras de “infratora”.

“A Petrobras pode, quanto a determinados fatos, ser considerada infratora, vindo a ser responsabilizada pelos danos difusos gerados para a sociedade brasileira como um todo, em razão das falhas verificadas no seu programa de compliance”, diz esse documento.

Foi na condição de “infratora” que a petroleira selou um acordo nos EUA em setembro de 2018. Topou pagar uma multa de 853 milhões de dólares (3,6 bilhões de reais na época) para se livrar de processos por lá. A legislação americana permite às autoridades locais processarem empresas corruptoras de qualquer país, caso essas empresas atuem lá.

O acordo da estatal nos EUA foi acompanhado pela força-tarefa da Lava Jato. Ficou acertado que 80% da multa seria paga no Brasil, nos termos de um acordo posterior fechado pela petroleira com os procuradores de Curitiba. Um total de 682 milhões de dólares, ou 2,5 bilhões de reais na época.

Se as autoridades americanas tinha provar elementos para processar a Petrobras, a ponto de arrancar um acordo, por que abriram mão de 80% da multa? Por que aceitaram que os recursos viessem para o Brasil? A força-tarefa topou tratar a estatal como “culpada” para ter uma bolada sob seu controle?

Detalhe: metade do dinheiro desembolsado no Brasil teria obrigatoriamente de ficar reservado por um tempo para pagar acionistas minoritários da Petrobras que ganhassem ações judiciais movidas contra a empresa aqui.

Ao argumentar que a Petrobras é “infratora”, a AGU queria levar o Supremo a decidir que o bilionário fundo deveria ser gerido só pelo governo. Motivo: segundo a Lei Anticorrupção (12.846, de 2013), cabe a um órgão federal, a CGU, cobrar de empresas corruptoras, em nome da sociedade, as compensações devidas.

A PGR defende, porém, que a destinação do dinheiro do fundo deve ser definido em conjunto pelo governo, o Supremo e os procuradores. Raquel Dodge sugere investir em educação. A AGU propõe gastar com presídios, área administrada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, embora o presidente Jair Bolsonaro tenha se declarado a favor de aplicar em educação.

Será que o bilionário fundo tem o objetivo de alavancar uma futura candidatura presidencial de Moro? Em Brasília, há quem suspeite de fins eleitorais por trás do fundo. Gilmar Mendes, juiz do Supremo, é um deles. Disso isso na sessão do STF que, em março, suspendeu provisoriamente o acordo Lava Jato-Petrobras.

Autora da ação judicial contra o fundo, a PGR Raquel Dodge

Investigar se o fundo tem aspirações eleitorais é uma das razões para deputados da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara terem decidido, em 5 de junho, fazer uma investigação própria. A Comissão poderá chamar membros da força-tarefa e da Petrobras para depor e realizar visitas técnicas a Curitiba e à estatal atrás de informações.

Órgão auxiliar do Legislativo na vigilância do governo e da verba pública federais, o Tribunal de Contas da União ajudará na missão. Os deputados requisitaram ao TCU uma fiscalização própria.

O exame do fundo por parte dos deputados havia sido proposto em março pelos petistas João Daniel (SE), Marcon (RS), Nilto Tatto (SP), Patrus Ananias (MG) e Valmir Assunção (BA). Eles argumentaram que as ações do fundo tem de ser “apartidárias”, por se tratar de recursos públicos.

Outra finalidade da investigação é “esclarecer os reais objetivos da citada fundação, a aplicação dos recursos e os interesses de acionistas americanos nesse acordo”.

O relator da proposta, Ricardo Barros (PP-PR), deu favorável a abrir a investigação. O parecer foi aprovado pela Comissão de Fiscalização.

Na sessão de 3 de abril da Comissão, Barros havia comentado: “Nós temos uma votação no dia 10 agora, no Supremo, para acabar com prisão em segunda instância, que é uma aberração, está escrito na Constituição: ‘Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado’. Não dá para ler diferente o que está escrito. Um casuísmo para tirar o Lula da campanha. Já tiraram. Já não disputou. Já não é Presidente. Chega. Agora vamos voltar à ordem”.

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