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A briga pelo controle do bilionário fundo Petrobras-Lava Jato

PGR, governo e Curitiba não se entendem. Juiz do STF desconfia de uso indevido de dinheiro

Foto: Tomaz Silva/EBC
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É disputado a tapa o controle do contestado e bilionário fundo criado com grana da Petrobras em um acordo da empresa com a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba. A PGR quer o uso dos recursos decidido por ela juntamente com o governo e o Judiciário, e prioridade à educação. O governo quer mandar sozinho e gastar em segurança pública, sob as ordens do ministro da Justiça, Sergio Moro. A força-tarefa quer salvar os termos originais do acordo e utilizar a verba por conta própria no combate à corrupção.

A briga é tanta, que o juiz Alexandre de Moraes, que cuida no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação contestadora do fundo, convocou vários órgãos para uma reunião dia 8 de maio. Uma cobiça compreensível, já que a quantia em questão é próxima de 2,5 bilhões de reais. Moraes chamou o Ministério da Economia e seu órgão de cobrança de dívidas fiscais na Justiça (PGFN), a PGR, a Advocacia Geral da União (AGU) e a Câmara dos Deputados.

 

Moraes bloqueou o fundo em 15 de março. O acordo que deu origem ao fundo fora homologado em janeiro pela juíza Gabriela Hardt, sucessora provisória de Moro na 13a Vara Federal de Curitiba. Este acordo resultara de outros dois, ambos selados nos Estados Unidos em setembro de 2018 pela Petrobras e a Lava Jato. Com eles, a estatal livrou-se de processos nos EUA.

Até o bloqueio do dinheiro do fundo, a Petrobras já havia feito depósito na conta a ele, aberta na Caixa Econômica Federal. Logo após o bloqueio, Moraes atendeu um pedido de Raquel Dodge, a PGR, e cobrou informações da Caixa sobre a conta. Coisas como quantias e datas de depósito, aplicação financeira feita com o dinheiro e lucros desses investimentos.

Quatro dias depois, novas ordens de Moraes. Só ele autorizaria movimentações na conta. Esta teria de manter o tipo de aplicação até então existente. E ser do tipo “gráfica”, uma espécie de planilha contábil, a registrar um balanço entre rendimentos e prejuízos financeiros.

Em 29 de março, o juiz pediu mais informações à Caixa e à Petrobras. Do banco, requisitou todas as comunicações que embasaram depósitos, transferências e aplicações. Da petroleira, atas de todas as reuniões que tomaram decisões sobre o acordo com a Lava Jato.

Um funcionário do STF, cujo nome será preservado, disse a Carta Capital que Moraes tem indícios de que houve rendimentos resultantes de aplicação do dinheiro do fundo. Que esses rendimentos foram usados por alguém. E que tal uso, se comprovado, seria crime.

Em meio às desconfianças do juiz, instalou-se a briga pelo dinheiro. Há uma concordância geral de que é preciso respeitar uma cláusula dos acordos feitos pela Petrobras nos EUA: o desembolso da estatal aqui no Brasil foi autorizado desde que o dinheiro não volte de alguma forma à estatal, pois se não isso não seria uma punição à empresa. Que fazer então?

Em documento ao STF em 1o de abril, a AGU reivindica que a grana seja do governo, pois em casos de acordo de leniência, a Lei Anticorruptores dá à Controladoria Geral da União (CGU) poder para buscar reparações em nome da sociedade. Para a AGU, os acordos da Petrobras nos EUA e o daqui com a Lava Jato foram do tipo “leniência”. A aplicação “mais pertinente” dos recursos, defende o órgão, “seria a do Fundo Penitenciário Nacional”.

O chamado Funpen está sob a guarda do Departamento Penitenciário Nacional. E o Depen, por sua vez, é vinculado ao ministro da Justiça, Moro.

A reação da PGR ao pleito da AGU foi dura. “Inaceitável” e “absolutamente desconectado”, disse Raquel Dodge em documento ao Supremo em 8 de abril. Para a “xerife”, não cabe invocar a Lei Anticorruptores, nem a primazia da CGU. Invocação que “nada tem a ver” com a ação em curso, movida pela PGR apenas para anular a homologação feita pela juíza Gabriela.

Raquel defende que a PGR, o governo e o Judiciário decidam em conjunto o destino do dinheiro. E que deveria ir ao favor do “Ministério da Educação, para incremento de recursos financeiros nos programas de apoio ao desenvolvimento da educação básica; apoio a infraestrutura para a educação básica, aquisição de veículos para transporte escolar da educação básica”, entre outras coisas.

Dois dias depois, a Associação Nacional dos Procuradores da República pediu a Alexandre Moraes para participar do processo. A ANPR quer salvar os termos do acordo selado pela força-tarefa de Curitiba com a Petrobras, pelo qual os recursos seriam usados em combate à corrupção. Discorda da opção de Raquel de acionar o STF. O juiz topou, e agora a ANPR pode ver o processo e opinar.

A posição da AGU perante o Supremo sugere uma mudança de posição no governo, uma suspeita do deputado Ivan Valente (PSOL-SP). O parlamentar requereu informações à AGU sobre o acordo e recebeu uma resposta em 23 de abril. A reposta tinha a mesma linha geral adotada pela AGU na no Supremo.

Valente notou que em 8 de março o ministro da CGU, Wagner Rosário, havia sido mais flexível ao falar do caso no Twitter. Rosário escreveu que “o esforço” do Ministério Público Federal (MPF), aquele chefiado por Raquel Dodge, permitiu trazer ao Brasil parte da multa aplicada à Petrobras nos EUA (80% do total 853 milhões de dólares, o que dá 682 milhões, cerca de 2,5 bilhões de reais). E que “juntos, o MPF, a CGU e a AGU” buscarão construir o jeito de aplicação do dinheiro.

Será que a AGU resolveu brigar com Raquel Dodge em acordo com Jair Bolsonaro devido a algum tipo de implicância do presidente com a “xerife”, cujo mandato vence em setembro?

Mistério.

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