Política
Deputados conservadores distorcem PL contra a união homoafetiva para alarmar falsa perseguição religiosa
Parlamentares da extrema-direita alegam que, sem o PL, padres e pastores podem ser ‘forçados’ a consagrar casamentos homoafetivos
Prestes a ser votado nesta quarta-feira 26, o conteúdo do projeto de lei que proíbe a união estável homoafetiva tem sido distorcido por deputados da extrema-direita, que passaram a repercutir, na última semana, a crença em uma falsa ideia de perseguição religiosa contra padres e pastores.
O argumento usado em discursos conservadores confunde o objetivo principal do texto em discussão e insiste na falsa ideia de que o PL irá impedir que padres e pastores sejam forçados a celebrar casamentos homoafetivos religiosos. O texto, importante registrar, sequer trata disso.
O que está em discussão, neste momento, é o avanço de uma emenda LGBTfóbica que desfigurou o texto inicialmente proposto pelo ex-deputado Clodovil Hernandes. Em 2007, quando era parlamentar, ele iniciou as discussões para legitimar a união afetiva por um contrato patrimonial. A medida alterava os termos do Código Civil e sequer citava a necessidade de celebrações religiosas.
A nova versão, discutida na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, no entanto, incluiu no projeto uma emenda que diz que “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”. Na prática, a adição inverte o propósito original do texto e proíbe a união homoafetiva. Apesar da inversão, novamente, em nenhum momento o PL versa sobre a necessidade – ou obrigatoriedade – de que pastores e padres celebrem a união.
A leitura equivocada do escopo do projeto, no entanto, circula em profusão nos bastidores da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família. Por lá, parlamentares conservadores acreditam que PL é, de fato, uma forma de impedir que LGBTs ‘forcem pastores e padres a sacramentarem casamentos homoafetivos nas igrejas e templos’.
Em entrevista ao canal da Câmara dos Deputados no Youtube, Pastor Isidório (Avante-BA) afirmou defender os direitos da população LGBT, mas informou que luta pela aprovação do PL para proteger os líderes religiosos. A premissa, como mencionado, é falsa.
“Pessoalmente, entendo que é um direito do gay e da lésbica ter os direitos civis. O que nós estamos trabalhando é para não permitir que pastores e padres com os seus templos e igrejas sejam invadidos para fazer a celebração de um casamento contrário à nossa fé”, distorce o deputado. Isidório afirma, no entanto, reconhecer a necessidade dos direitos LGBTs: “Se depender de mim, fica mantido o que o STF protegeu em 2011”.
A manutenção do entendimento do tribunal, porém, não é unanimidade. Atual relator, o deputado pastor Eurico utiliza o PL para questionar a decisão de 2011 em que o Supremo Tribunal Federal equiparou uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo às uniões reconhecidas entre homens e mulheres. Um trecho da redação alega que a Corte “usurpou” a competência do Congresso Nacional para pautar “propósitos ideológicos que distorcem a vontade do povo brasileiro”.
O voto do relator é apoiado por parte da oposição ao governo na Câmara, que defende que os julgamentos sobre aborto e sobre o Marco Temporal, ambos em curso no Supremo Tribunal Federal, usurpam o poder legislativo do Congresso Nacional, ao tomar decisões com base na interpretação da Constituição em vez de aguardar a resolução dos mesmos temas por meio de PECs e PLs propostos pelos parlamentares.
“Se a Constituição não for alterada, fica um limbo jurídico. A constituição nunca foi alterada porque aqueles que dizem amar o movimento LGBT não apresentaram uma PEC. Não se altera a Constituição via jurisprudência, eles [o STF] estão fugindo da competência e legislando no nosso lugar”, declarou o deputado Marco Feliciano antes do início da sessão na Comissão.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também
MP Eleitoral pede investigação de Pastor Isidório por transfobia contra Erika Hilton
Por CartaCapital
MPF pede arquivamento de projeto que proíbe casamento homoafetivo
Por Agência Brasil
Tabata aciona o STF contra PL que proíbe casamento homoafetivo: ‘Inconstitucional’
Por CartaCapital



