Política

Deputado vê “clima favorável” para liberação de plantio de cannabis para fins medicinais

Em entrevista a CartaCapital, Paulo Teixeira (PT-SP) contou sobre viagem a Colômbia e Uruguai e citou propostas para nova regulação

Deputado vê “clima favorável” para liberação de plantio de cannabis para fins medicinais
Deputado vê “clima favorável” para liberação de plantio de cannabis para fins medicinais
Foto: Maj Will Cox
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A comercialização de produtos feitos à base de cannabis já foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 3 de dezembro de 2019. Com regras válidas por três anos, a regulamentação aprovada elencou requisitos necessários para os produtos no país e estabeleceu parâmetros de qualidade para a autorização de fabricação e importação, com condições de prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização.

Mas uma comissão especial na Câmara dos Deputados quer mais. A ideia é propor uma regulamentação que permita o plantio para fins medicinais, questão vetada pela Anvisa e criticada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Para defensores da autorização do cultivo, a proibição obriga que a indústria farmacêutica tenha que importar a cannabis, o que deixa a produção mais demorada e cara.

É o que diz o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da comissão. Nos dias 13 e 14 de fevereiro, o parlamentar visitou a Colômbia para conhecer a regulação no país vizinho, onde o plantio é autorizado. O petista viajou acompanhado do relator da proposta, deputado Luciano Ducci (PSB-PR), e do deputado Eduardo Costa (PTB-PA). Antes, Teixeira também havia ido ao Uruguai com a mesma tarefa.

 

Na Colômbia, a comitiva liderada por Teixeira se reuniu com membros do Ministério da Justiça, do Ministério da Saúde e Proteção Social, do Instituto Colombiano Agropecuário e do Instituto Nacional de Vigilância Sanitária. O grupo de deputados também foi à Colombian Organics SAS – Escritório e Cultivo, para conhecer de perto o cultivo, a produção e a distribuição da cannabis. A agenda incluiu ainda uma ida à empresa Khiron Life Sciences Corp, uma companhia latino-americana que produz cannabis medicinal.

Além das viagens, a comissão especial já realizou 12 audiências públicas e deve promover mais quatro para debater o tema. O objetivo é acolher sugestões para, em abril, apresentar uma proposta de regulamentação da cannabis no Brasil a ser votada no Congresso Nacional. Segundo Teixeira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já acenou favoravelmente para uma regulação “abrangente”, mas o Palácio do Planalto pode reagir de forma contrária.

Embora permitido no Uruguai, o uso recreativo não é uma possibilidade para a proposta desta comissão. Teixeira afirma que o foco é autorizar o plantio para a produção de medicamentos no Brasil, para a pesquisa científica, para a produção de cosméticos, para fins veterinários e, além disso, permitir a oferta por farmácias de manipulação.

Confira, na íntegra, a entrevista do deputado Paulo Teixeira para CartaCapital.

Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) preside comissão que debate regulação para medicamentos formulados com cannabis. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

CartaCapital: Qual foi o motivo da viagem?

Paulo Teixeira: Essa viagem foi aprovada na comissão que está redigindo uma lei de regulamentação de uso medicinal da cannabis. Viajamos para o Uruguai, depois para a Colômbia, e já realizamos 12 audiências públicas com especialistas, pacientes, associações, para discutirmos o tema.

CC: Há pouco tempo, a Anvisa aprovou a comercialização de produtos à base de cannabis. Isso não foi suficiente?

PT: A regulamentação da Anvisa é muito limitada, porque ela impediu o plantio, que possibilitaria o desenvolvimento da indústria nacional. Quem quiser fabricar algum produto com o princípio ativo da cannabis, tem que importar. E essa importação vai encarecer, demasiadamente, a produção do medicamento no Brasil. Assim, nós temos que ir para além da regulamentação da Anvisa, e um assunto que nós tratamos muito foi sobre o plantio.

Temos de autorizar o plantio para, de um lado, o desenvolvimento de pesquisa, e de outro, de uma indústria nacional de fármaco, que utilize produtos à base da cannabis para o tratamento de doenças como epilepsia, fibromialgia, câncer, alzheimer, parkinson. Nós achamos que a regulamentação da Anvisa foi um passo, mas precisam ser dados outros passos.

CC: Por que a Colômbia decidiu regular a comercialização da cannabis?

PT: A Colômbia regulou o uso medicinal. Eles estão desenvolvendo, de um lado, uma indústria nacional de medicamentos, e de outro lado, uma indústria de produtos cosméticos. Porque tem propriedades da cannabis que são antioxidantes e servem para queimaduras, rugas e tratamentos de pele. Assim, a Colômbia, além de desenvolver uma indústria, permite o plantio para a indústria farmacêutica, para a produção de cosméticos, para o uso científico e para o uso veterinário.

CC: Esse foi o mesmo motivo para a regulamentação no Uruguai?

PT: O Uruguai tem uso medicinal, farmacêutico e regulamentou também o uso para cosméticos, para associações e o uso nas farmácias de manipulação. Então você pode plantar para essas finalidades: produção de medicamentos, cosméticos, estudos científicos e veterinários.

CC: Entre as duas regulações, há alguma mais eficiente?

PT: As duas. Elas avançaram, são abrangentes e bastante desenvolvidas. Dá para aprender com os dois modelos. Ambos os países, Uruguai e Colômbia, entenderam que apenas permitir o uso e a produção de fármaco ia resolver o problema. Mas a produção de fármaco, de um lado, é demorado, e de outro lado, é cara. Então, com o tempo, ambos os países autorizaram farmácias de manipulação fornecerem medicamentos, porque assim esses produtos seriam mais acessíveis.

Por exemplo, em uma regulamentação nossa, ao permitir a produção de fármacos, ela terá que permitir a atuação das farmácias de manipulação para imediatamente oferecer o tratamento ao paciente. Autorizar somente a produção de medicamentos, com grau farmacêutico, não resolve a questão em curto prazo. Esse foi o grande aprendizado que a gente teve, tanto no Uruguai, como na Colômbia.

Nos dois países, eles tiveram que aprovar uma nova legislação permitindo a comercialização de medicamentos por farmácias de manipulação, foi a maneira mais imediata de oferecer medicamentos aos pacientes. Às vezes, para desenvolver um remédio, demora-se um, dois, três anos. Então, você aprova uma lei, cria uma expectativa e, no outro dia, não tem como atender o paciente. Foi o primeiro aprendizado que a gente teve.

O segundo aprendizado é que, tanto o Uruguai, tanto a Colômbia, desenvolveram plantios muito seguros, que não criam riscos de alguém invadir e subtrair essas plantas. Essas plantas são totalmente rastreáveis. Você tem que ter um processo de rastreamento desde a semente até o produto final, em toda a cadeia, para que não saia do controle. Então, quem operar, terá que fornecer todas as informações sobre o uso de sementes das plantas, depois das folhas, da extração do óleo, do produto final, até o consumidor.

Outro aprendizado é que tem um tipo de planta que não tem efeitos psicotrópicos, psicoativos. Essas plantas podem ser utilizadas como cosméticos e para fins industriais, cujo controle é menor.

Outro aprendizado, no Uruguai, é que, mesmo depois de autorizada a produção de medicamentos, as associações cumprem uma função de garantir amplo acesso a todos os usuários.

CC: E o uso recreativo?

PT: Nós não estamos trabalhando com o uso recreativo, somente com o medicinal. No Uruguai, eles regulamentaram também o uso recreativo, e há oferta de cannabis nas farmácias para usuários cadastrados.

CC: Essa não é uma possibilidade para a regulação no Brasil?

PT: Não estamos trabalhando com esse objeto, a comissão está trabalhando única e exclusivamente com o uso medicinal.

CC: Depois dessas viagens, os deputados devem propor uma regulação para o Brasil. O que deve entrar no texto?

PT: Para o Brasil, o ideal, para uso medicinal, eu reforço, é que seja tão abrangente, que permita a produção de medicamentos no Brasil, com uma indústria farmacêutica forte, que permita a pesquisa científica, o plantio, o uso para a produção de cosméticos, o uso para fins veterinários, a oferta por farmácias de manipulação.

“A vivência dos parlamentares com os pacientes com progresso cria um clima favorável à aprovação no Congresso Nacional”, diz deputado.

CC: Como está o clima no Congresso Nacional para aprovar este texto?

PT: O sentimento nosso é que a vivência dos parlamentares com os pacientes que estão conseguindo grande progresso em seus tratamentos cria um clima muito favorável à aprovação no Congresso Nacional. Quer dizer, hoje, o uso médico é tão reconhecido como eficaz que os parlamentares passaram a aprovar. É uma minoria que tem oposição a essas ideias que eu trouxe.

CC: O senhor já chegou a conversar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia?

PT: O presidente da Câmara é favorável a uma regulação abrangente, que permita o plantio no Brasil.

CC: Acha que vai haver resistência por parte do governo?

PT: Olha, o governo já demonstrou resistência já na aprovação dessa regulamentação [da Anvisa]. Essa regulamentação era para ter sido ampla, só não foi porque o governo acabou atuando e impedindo uma regulamentação mais abrangente. É por isso que se justifica a comissão, que pode suprir essa falha que se deu por conta de uma visão ideológica.

CC: Quando essa regulação deve ser apresentada?

PT: Nós estamos planejando apresentar essa proposta no mês de abril. Temos uma viagem agora para João Pessoa (PE), porque lá tem uma associação que funciona com uma liminar, e ela planta. E é uma associação que, hoje, tem cumprido um papel importante no Brasil, porque muitos pacientes que precisam de extrato, conseguem a partir da atuação dessa associação. Ela se chama Abrace.

Acho que será a última viagem da comissão. E aí temos mais quatro audiências públicas no mês de março. Depois, vamos nos debruçar sobre o melhor relatório para a comissão e negociá-lo para aprovação.

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