Entrevistas
De tuiteira a institucional: como 2026 pode consagrar a extrema-direita sem Bolsonaro
A CartaCapital, o historiador João Cezar de Castro Rocha aponta a dificuldade de enfrentar uma ultradireita sem figuras como Trump e o ex-capitão


O resultado das eleições municipais de 2024 aponta um fortalecimento da extrema-direita além de Jair Bolsonaro (PL) e reforça a tendência de institucionalização desse campo, com impactos potencialmente graves para a democracia brasileira, adverte o historiador João Cezar de Castro Rocha.
Protagonistas na disputa presidencial de 2022, PL e PT tiveram desempenhos distintos no pleito municipal: o partido de Bolsonaro elegeu 512 prefeitos; o do presidente Lula, 248.
Em números absolutos, o PL obteve a quinta melhor marca em prefeituras, atrás de PSD (882), MDB (856), PP (748) e União Brasil (585). Também levou ao segundo turno novos representantes da extrema-direita, como André Fernandes em Fortaleza, Bruno Engler em Belo Horizonte e Fred Rodrigues em Goiânia.
“A extrema-direita veio mesmo para ficar e será tanto mais forte quanto mais se afastar da figura tóxica de Jair Bolsonaro”, declarou Rocha em entrevista ao programa Direto das Eleições, no canal de CartaCapital, nesta segunda-feira 7. Ele é autor das obras Guerra Cultura e Retórica do Ódio (2021) e Bolsonarismo, da Guerra Cultural ao Terrorismo Doméstico (2023).
Outro recado preocupante das urnas para o campo progressista é o fortalecimento de uma extrema-direita distinta daquela encarnada por Bolsonaro no Brasil e por Donald Trump nos Estados Unidos. Os dois tentaram utilizar o aparato do Estado para manter o poder, insuflaram golpes de Estado e perderam.
“Essa extrema-direita é uma que temos mais facilidade de derrotar, porque sempre podemos lançar mão do argumento, legítimo e verdadeiro, da frente ampla em defesa da democracia”, avalia Rocha. Esse modus operandi, porém, pode estar em transformação e, neste caso, a eleição legislativa de 2026 teria um grande impacto.
João Cezar de Castro Rocha projeta que a ultradireita não privilegiará a corrida presidencial de 2026, ciente do favoritismo de Lula. Em vez disso, tentará montar uma bancada de senadores grande o bastante para, por exemplo, promover transformações na estrutura do Supremo Tribunal Federal, aos moldes do que realizou Viktor Orbán.
A Hungria de Orbán, de quem Bolsonaro se considera um “irmão”, sofre há anos com ataques ao Estado de Direito, mediante reformas que enfraqueceram a Justiça, restringiram as ações da sociedade civil e amordaçaram a imprensa e artistas.
O premiê já trocou centenas de juízes, mudou a legislação eleitoral, sufocou a independência de veículos jornalísticos e avançou até sobre o conteúdo de livros didáticos de História.
No Brasil, pode estar no horizonte dos extremistas um processo semelhante, alerta Rocha.
“Em 2026, o projeto real parece ser concentrar todas as fichas na permanência dessa política de construção lenta e dominar o Senado. Aumentariam as possibilidades de modificação do STF”, afirma.
No campo presidencial, segundo ele, parece natural que a extrema-direita prepare uma candidatura como a de Nikolas Ferreira (PL-MG) em 2030.
“A extrema-direita parece fugir do modelo tuiteiro e se aproxima de um modelo dramático para nós: a extrema-direita institucional”, resume Rocha. “O grande recado das urnas é que vamos ter de começar a enfrentar uma extrema-direita que, em lugar do holofote e do X, começará a trabalhar nas estruturas do Estado.”
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