Política

Bolsonaro flerta com aumento no número de ministros do STF; juristas alertam para os riscos

‘Nas democracias, o direito deve filtrar a política. Se é a política que filtra o direito, não há mais direito’, avalia Lenio Streck

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Um dos principais sinais de alerta sobre um segundo governo de Jair Bolsonaro (PL) se refere ao futuro do Supremo Tribunal Federal. Com uma eventual condução a um novo mandato e um Congresso Nacional recheado de aliados, o ex-capitão poderia desencadear uma “vingança” contra ministros da Corte.

Em entrevista à revista Veja publicada nesta sexta-feira 7, Bolsonaro foi questionado sobre a possibilidade de aumentar o número de magistrados do STF, caso se reeleja à Presidência em 30 de outubro.

“Já chegou essa proposta para mim e eu falei que só discuto depois das eleições”, respondeu o presidente. “Eu acho que o Supremo exerce um ativismo judicial que é ruim para o Brasil todo”, prosseguiu. Como de praxe, mirou com mais ênfase Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Exemplos de outros países devem, desde já, suscitar uma reflexão sobre os riscos de manifestações como a de Bolsonaro. A Hungria de Viktor Orbán, de quem o presidente brasileiro se considera um “irmão”, sofre há anos com ataques ao Estado de Direito, mediante reformas que enfraqueceram a Justiça, restringiram as ações da sociedade civil e amordaçaram a imprensa e artistas.

Orbán já trocou centenas de juízes das cortes húngaras, mudou a legislação eleitoral, sufocou a independência de veículos jornalísticos e avançou até sobre o conteúdo de livros didáticos de História.

Reformas judiciais na Polônia de Andrzej Duda e na Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, guardadas as devidas proporções, também servem para acender o sinal amarelo no Brasil de Bolsonaro.

Na avaliação do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, as declarações do ex-capitão podem indicar “a hipótese de um golpe branco”.

“Essa discussão, se é feita no bojo de uma Assembleia Constituinte, tem um viés. Agora, trazer essa discussão em um momento em que se faz ameaças a ministros do STF claramente reforça essa personalidade autoritária do presidente, ressaltada tantas e tantas vezes nos embates que ele faz com as instituições”, afirmou o constitucionalista a CartaCapital.

Segundo Kakay, trata-se de mais uma tentativa de Bolsonaro de desestabilizar o Estado Democrático de Direito.

“Falar, neste momento, em aumentar o número de ministros é uma espécie de ameaça que o Executivo faz ao Judiciário, o que é absolutamente lamentável e autoritário.”

O artigo 101 da Constituição determina que o STF tenha 11 ministros, “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. A fim de ampliar o número de magistrados na Corte, portanto, seria necessária uma Proposta de Emenda à Constituição.

Para ser promulgada, uma PEC tem de ser apresentada por no mínimo 171 deputados ou 27 senadores, pelo presidente da República ou por mais de metade das assembleias legislativas. Depois de passar por todas as comissões responsáveis, o texto precisa ser aprovado por três quintos da Câmara (308 votos) e dois terços do Senado (49), com duas votações em cada Casa.

Para Lenio Streck, jurista, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional, as Supremas Cortes ou Tribunais Constitucionais são o suporte da própria democracia e, por isso, têm de ser independentes. À reportagem, ele mencionou o fato de essas Cortes terem na Europa um sistema de indicação de ministros a envolver diretamente o Parlamento, não apenas o presidente, como nos Estados Unidos e no Brasil.

“Controlando a Suprema Corte, você acaba controlando a política. Nas democracias, é o direito que deve filtrar a política. Se é a política que filtra o direito, não há mais direito”, avalia o jurista. “Logo, se algum presidente dominar totalmente a Suprema Corte e tiver as indicações a partir de um aumento de número, efetivamente teremos um problema sério na relação entre os Poderes. Perigosamente, estaremos próximos ao que acontece na Venezuela, na Hungria e na Polônia, questões de regimes autoritários.

Elevar o número de juízes no STF não seria uma novidade no Brasil. O Ato Institucional nº 2, editado sob a ditadura militar, em outubro de 1965, ampliou de 11 para 16 o total de ministros da Corte. A nova composição foi mantida pela Constituição de 1967 e só foi revertida em fevereiro de 1969.

No período de exceção, a Corte não deixou de funcionar, mas teve seu poder dramaticamente enfraquecido. “Apesar da pressão constante dos militares sobre a Corte — inclusive na nomeação de novos ministros — não era interessante ao regime chegar ao ponto de fechá-la, porque isso configuraria a ditadura na sua forma mais primitiva. Por isso, o Supremo permaneceu aberto, mas sob a extrema ingerência dos militares”, admite o STF.

Mesmo sem ampliar o número de ministros, porém, Bolsonaro vislumbra a possibilidade de intensificar sua influência sobre a Corte. Em seu governo, indicou Kassio Nunes Marques e André Mendonça, devido às aposentadorias de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Em 2023, se aposentarão compulsoriamente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, o que pode fazer com que o presidente “tenha” 4 dos 11 magistrados.

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