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De malas cheias

Em périplo no exterior, o governador Jerônimo Rodrigues celebra bilionários acordos para reindustrializar o estado

Êxito. As recentes viagens à China e aos Emirados Árabes Unidos foram decisivas para destravar os projetos – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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Depois de passar por Argentina, Uruguai e EUA, antes de seguir viagem para Portugal e Espanha, o presidente Lula cumpriu uma agenda de negócios na China e nos Emirados Árabes, no início de abril, trazendo na mala, ao retornar ao Brasil, mais de 20 acordos comerciais envolvendo empresas brasileiras, chinesas e árabes, a incluir parcerias com governos estaduais. Dos quatro governadores petistas, três estiveram na comitiva presidencial: Jerônimo Rodrigues, da Bahia, Elmano de Freitas, do Ceará, e Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, todos devidamente contemplados nas negociações.

O governador baiano chegou à China uma semana antes de Lula e depois se incorporou à comitiva presidencial. O esforço valeu a pena. Nos 16 dias de viagem, Rodrigues assegurou a formalização de grandes investimentos, como a instalação de uma fábrica de automóveis elétricos em Camaçari e um projeto para produzir combustível verde no estado, além de retomar parcerias antigas, como a construção da ponte Salvador-Itaparica e a implantação do VLT no subúrbio da capital baiana.

A gigante chinesa BYD vai ocupar o vácuo deixado pela Ford, que, em janeiro de 2021, encerrou as atividades no polo automotivo da Bahia, em Camaçari, e deve implantar no local sua fábrica de automóveis elétricos. O projeto recebeu a bênção de Lula, que ofereceu benefícios fiscais federais, promessa também feita pelo governo estadual. “Eles nos pediram alguns incentivos, como a redução de IPVA e ICMS, que inclusive está prevista numa lei federal, além da aquisição de carros elétricos para frotas públicas de ambulâncias, viaturas e ônibus escolares. Vamos dar os incentivos possíveis e aguardamos as definições empresariais, para que eles venham para a Bahia”, explica Rodrigues, acrescentando que a implantação do projeto depende de alguns detalhes a serem negociados entre a BYD e a Ford.

Os projetos incluem fábrica de automóveis elétricos, geração de combustível verde e implantação de um VLT na capital

A instalação de uma fábrica de carros elétricos em Camaçari é apontada por observadores como parte da reindustrialização que o governo Lula pretende implantar no Brasil. Nesse contexto, a Bahia pode ser a porta de entrada para esta nova era industrial do País. A BYD é considerada a maior fabricante do mundo desse setor. Deve investir cerca de 3 bilhões de reais no projeto e gerar ao menos 1,2 mil postos de trabalho. “Esta parceria poderá gerar um novo ciclo de crescimento para a Bahia. Depois do boicote que Temer e Bolsonaro fizeram nas gestões de Rui Costa, é interessante levar em consideração que, agora, com o Lula, há um entendimento de que a Bahia precisa criar um novo projeto de desenvolvimento social e econômico atrelado ao governo federal. Já havia toda uma relação do estado com a China, mas agora esse relacionamento também envolve a diplomacia do Brasil”, avalia Cláudio André de Souza, cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, a Unilab.

O pesquisador compara o atual momento da Bahia com o que ocorreu em Pernambuco durante o segundo governo Lula, que imprimiu parcerias importantes e estruturantes com o então governador Eduardo Campos, falecido em 2014. À época, Pernambuco recebeu, por exemplo, a refinaria Abreu e Lima, um estaleiro, a Hemobrás (indústria farmacêutica dedicada à produção de hemoderivados), incentivos para a instalação de uma fábrica da Jeep, além da construção de um estádio para a Copa do Mundo. “Parece que a Bahia assume esse lugar por ser um parceiro histórico de Lula e deve ser um eixo para a construção de obras de infraestrutura que gerem um importante ciclo de desenvolvimento”, diz Souza. Antes da parceria para a instalação da fábrica de carros elétricos, a BYD já havia vencido a licitação para a implantação do VLT do Subúrbio, projeto interrompido na pandemia, mas retomado na viagem do governador à China. O governador baiano, inclusive, foi conhecer pessoalmente a fábrica chinesa e fez viagens no equipamento em funcionamento. “Esse é um investimento que já está mais engrenado, com contrato assinado e em fase final para a implementação”, garante.

Rodrigues também conseguiu do governo federal sinal verde para tirar do papel um projeto antigo, da gestão do ex-governador e hoje senador Jaques Wagner, que administrou o estado de 2007 a 2014: a ponte Salvador—Itaparica. “A conversa com as empresas que compõem o consórcio foi muito boa. Lula os recebeu e comprometeu-se a buscar apoio da China para o financiamento da obra”, salienta o governador. Orçada em 7,6 bilhões de reais, a ponte é fruto de uma parceria ­público-privada (PPP) entre o governo do estado e o consórcio chinês formado pela China Railway 20th Bureau Group ­Corporation (CRCC20), China Communications ­Construction Company (CCCC) e ­Huawei. A obra, que deve durar quatro anos, vai atender mais de 10 milhões de moradores, beneficiar cerca de 250 municípios e ser alternativa para desafogar a BR-242.

Movimentos. A antiga fábrica da Ford deve ser ocupada pela chinesa BYD. O grupo árabe que comprou a refinaria Landulpho Alves (ao lado) agora quer investir nem energias alternativas – Imagem: Carol Garcia/GOVBA, Arquivo/Agência Petrobras e GOVBA

Henrique Oliveira, professor de Relações Internacionais da Universidade de Salvador, reconhece o salto de qualidade que a Bahia terá a partir dos investimentos em curso, mas não está convencido de que o estado será o eixo da reindustrialização do Brasil. Para ele, a mais importante obra estruturante que deveria ser pensada e implantada é um porto capaz de superar Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará. “O que a Bahia precisa, na verdade, é de um porto que atenda às exigências contemporâneas de terceira geração, capaz de colocar as atividades produtivas dentro do terminal. A gente tem um porto em Salvador que movimenta contêineres, mas que não tem ligação ferroviária com o nosso complexo industrial. É algo bem defasado, tanto que fomos ultrapassados por Pecém e Suape”, enfatiza. “A Bahia tem a faca e o queijo na mão neste momento do governo Lula, devido ao alinhamento com Jerônimo. E tem uma posição favorável em relação à própria China, que tem interesse em investir no estado. Mas o que está sendo pensado do ponto de vista da nossa estrutura produtiva?”

Um investimento que também se apresenta como promissor, mas tem gerado controvérsia é a produção de combustível verde que a empresa Acelen demonstrou interesse em implantar na Bahia. Depois de passar pela China, Rodrigues acompanhou Lula na visita aos Emirados Árabes e assinou um memorando de entendimento com a Mubadala Investment Company, fundo de investimento administrador da empresa, para a realização da obra. O grupo controla a antiga Refinaria Landulpho Alves, privatizada em 2022 pelo governo Bolsonaro, e rebatizada como Refinaria de Mataripe. A venda da estatal deu-se sob vários questionamentos, começando pela acusação de que o preço foi abaixo do mercado e de que a transação ocorreu de forma ilegal, passando por cima de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a determinar que as empresas estatais criadas por lei só podem ser vendidas com autorização do Congresso Nacional, o que não aconteceu. Além disso, existia a expectativa por parte dos petroleiros de que Lula, ao tomar posse, iria reverter a privatização e voltar a investir na Landulpho Alves.

Orçada em 7,6 bilhões de reais, a ponte Salvador-Itaparica é fruto de uma parceria público-privada com gigantes da China

“O lucro da refinaria, uma vez estando sob o controle da Petrobras, seria revertido para o povo baiano, ao contrário do que vai acontecer com a Acelen. O combustível verde gerado será para exportação, porque o objetivo é a competitividade no comércio internacional”, critica Jairo Batista, coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. A promessa feita pelo Grupo Mubadala é de investir 12 bilhões de reais em dez anos, para a construção de uma planta de diesel verde (HVO) e querosene de aviação sustentável (SAF). A Bahia já figura como um dos líderes na produção nacional de energias renováveis (eólica e solar).

“Vemos com bons olhos os investimentos, mas entendemos que seria estratégico para a atual e as futuras gerações se o negócio fosse feito através de uma empresa com maior responsabilidade social, e não por uma que apenas quer obter o máximo de lucro para levar para o seu país de origem”, finaliza Batista. Segundo dados do governo baiano, a expectativa é de que a Acelen possa produzir 1 bilhão de litros de combustíveis renováveis por ano, com a perspectiva de a Bahia tornar-se a maior exportadora mundial de diesel verde. A ideia é de que a produção se dê por meio do hidrotratamento de óleos vegetais e gordura animal. A produção teria início no primeiro trimestre de 2026, com a promessa de gerar 17 mil empregos. “Faremos pesquisas em inovação para desenvolvimento científico, trabalhando desde a semente da macaúba, para melhoramento genético, passando pela mecanização da cultura, até o biorrefino. Atuaremos com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, com o Senai Cimatec, da Fieb, e uma série de entidades e universidades”, explica o vice-presidente de Relações Institucionais da Acelen, Marcelo Lyra.

A primeira missão internacional de Jerônimo Rodrigues como governador também serviu para apresentar projetos desenvolvidos na Bahia a partir de parcerias com a China. Ao lado de Lula, ele participou de um encontro com o CEO da empresa Huawei, Liang Hua, em Xangai, quando foram apresentados projetos tecnológicos desenvolvidos pela empresa, dos quais dois são adotados pelo governo baiano. “Dentro das experiências bem-sucedidas que eles ofereceram ao Brasil, a Bahia tem o projeto de educação inteligente, com conectividade em mil escolas baianas, e outro na área de segurança pública, com a central de monitoramento que utiliza reconhecimento facial e já ajudou a polícia a realizar mais de 800 prisões”, salienta o governador. Logo no início da viagem à China, antes da chegada de Lula ao ­país, o governador baiano intermediou um protocolo de cooperação entre empresas baianas do ramo agropecuário e a chinesa Deej Word, que atua na produção de alimentos e produtos de medicina natural.

Também presente na comitiva presidencial à China, Elmano de Freitas garantiu para o Ceará três parcerias com os chineses voltadas para as energias solar e eólica onshore e offshore, além da produção de amônia e hidrogênio azul e verde em território cearense. Para o Rio ­Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra assinou um acordo com a Associação Sino-Brasileira de Mineração, visando a exportação. A parceria vai possibilitar investimentos no setor mineral, incluindo a instalação de um laboratório de gemas para certificação da qualidade e procedência do material. •

Publicado na edição n° 1257 de CartaCapital, em 03 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘De malas cheias’

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