Política

Crise no IBGE: em ano de Censo, instituto perde 40% dos funcionários temporários

Dados de sindicato revelam falta de reposição de trabalhadores provisórios na pandemia

IBGE sofre crise orçamentária e falta de reposição de trabalhadores temporários. Foto: Divulgação/Agência IBGE de Notícias
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Em meio à crise orçamentária que impossibilita a realização do Censo de 2021, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sofre outra crise interna: a debandada de funcionários temporários durante a pandemia.

A expectativa é de que haja uma queda de 41% no índice de trabalhadores provisórios até agosto, em relação aos números de março de 2020, segundo levantamento do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE, ao qual CartaCapital teve acesso nesta terça-feira 6.

Em 28 de março de 2020, o IBGE tinha 11.048 trabalhadores no total, considerando somente os vínculos ativos permanentes (efetivos) e os agentes de pesquisas e mapeamentos (temporários). Na época, mais de 50% do quadro eram trabalhadores temporários: 6.642.

Os números baixaram, respectivamente, para 9.166 no total e 4.787 temporários em 28 de março deste ano, segundo o estudo. Para 31 de agosto, a expectativa é de que o quadro seja ainda mais reduzido, para 8.342 no total e 3.963 temporários. O número total de trabalhadores temporários que saíram de seus postos durante a pandemia, portanto, é estimado em 2.706 até agosto.

A pesquisa mostra que a debandada dos funcionários temporários é a maior responsável pela redução no quadro de servidores do IBGE, já que, entre os efetivos, a diminuição foi menos significante: de 4.406 fixos em 2020, o índice baixou para 4.379 em 2021, e a expectativa é de que o índice permaneça o mesmo em agosto.

Dos 1.855 temporários que deixaram seus postos entre 2020 e 2021, 1.448 haviam cumprido o tempo limite de três anos de contrato. Outros 407 saíram antes dos três anos, por motivos diversos.

Precarização aumentou nos últimos anos

Segundo o ASSIBGE, a redução no número de trabalhadores temporários compromete a realização das pesquisas da instituição. Ao mesmo tempo, apesar da diminuição drástica, o plano de precarização dedicado à instituição nos últimos anos previa a ampliação dessas vagas, diz o Sindicato. O problema é que a pandemia agudizou a crise: com o IBGE “acéfalo”, chegando a perder sua presidente, Susana Guerra, até os trabalhadores temporários foram afetados.

Assim explica Bianca Schmid, coordenadora do Núcleo São Paulo do Sindicato.

Fundado em 1936, o IBGE tem a tradição de usar funcionários temporários para pesquisas pontuais, como o Censo Demográfico, realizado a cada dez anos, diz Bianca. Esta modalidade está assegurada pela Lei 8.745, de 1993, que prevê a contratação por tempo determinado em órgãos públicos devido a “necessidade excepcional”.

Bianca aponta, no entanto, para um crescimento na criação desses postos temporários para pesquisas contínuas, a partir do fim da década de 1990, como uma política de “precarização”. As pesquisas do IBGE têm 25 eixos temáticos, divididos pelos tópicos “social”, “econômico” e “multidomínio”.

A situação é descrita em um boletim do ASSIBGE publicado em 2017. Em meio a aposentadorias, à ausência de concursos nos anos 1990 e à baixa reposição nos anos 2000, a força de trabalho efetiva vem sendo substituída pela temporária, sobretudo, por causa da disseminação da ideia de “diminuição do tamanho do Estado”, diz o relatório.

Houve, então, uma combinação de um movimento descendente dos efetivos e uma tendência ascendente dos temporários ao longo dos anos, de acordo com o Sindicato. Durante a pandemia, contudo, o IBGE não tem sido capaz nem mesmo de ampliar os funcionários temporários, diz Bianca.

“O pessoal está saindo do IBGE, e não tem gente para repor”, diz a sindicalista. “Como os contratos só vão até três anos, estamos pedindo que eles sejam estendidos enquanto durar a pandemia. É uma situação excepcional.”

Pesquisas e trabalhadores afetados

Um contrato assinado em 2018 e obtido por CartaCapital mostra que o IBGE estabelece apenas 30 dias de vínculo com o trabalhador temporário, na cláusula 4. A vigência pode ser sucessivamente prorrogada pelos 36 meses seguintes, de acordo com a “necessidade do trabalho”, a “disponibilidade de recursos” e “os resultados de avaliação de desempenho do contratado”. A jornada é de 40 horas semanais.

Olívia Fonseca Campos, de 28 anos, está entre os trabalhadores temporários que deixaram o IBGE no último ano. Ela assinou um contrato em junho de 2017, e seu vínculo temporário foi renovado mensalmente até o limite. Após cumprir três anos, o contrato foi encerrado em junho de 2020. Geógrafa e moradora de São Paulo, ela atuava no Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, em pesquisas contínuas.

Para Olívia, já era uma “incoerência” aumentar os trabalhadores temporários em equipes de levantamentos fixos, porque a rotatividade se torna permanente, o que aumenta o desgaste com treinamentos que chegam a durar um ano. Ela também relata um ambiente de “assédio moral” e de “autoritarismo” que pressiona esses trabalhadores com a possibilidade incessante de não renovarem o contrato.

Com o fim do seu vínculo no ano passado, sem a alternativa de prorrogação, a geógrafa está desempregada até hoje. Ela divide sua casa com o marido na zona oeste da capital paulista.

“Isso prejudica as pesquisas e fragiliza os trabalhadores”, diz Olívia, que ficou sem uma renda mensal de cerca de 2,4 mil reais, incluídos os benefícios.

Já Bruno Sampaio de Souza, de 34 anos, terá seu contrato findado em 6 de maio, após quase três anos de atividades. Ele mora em Guarulhos com seus dois pais idosos. Ele diz que suas condições são “degradantes”, devido ao que chama de “desvio de função” de trabalhadores temporários em estudos contínuos. Com a perda de salário mensal em plena crise sanitária, ele se diz “sem perspectivas” e destaca que os efetivos que ficam estarão sobrecarregados.

“Depois de três anos de serviços, me aperfeiçoando, sou dispensado”, diz. “Trabalhar no IBGE é como caminhar em uma corda bamba. No fim, ele te joga no abismo. A gente tenta sensibilizar a direção, mas a instituição parece não se importar.”

Procurado, o IBGE ainda não se manifestou.

Na aba “Trabalhe Conosco” do site do IBGE, aparecem em andamento nove processos seletivos para contratações temporárias, com inscrições encerradas. Um deles trata de 5.623 vagas para a função de agente de pesquisas de mapeamento, com remuneração de 1.387 reais.

A prova está prevista para ser aplicada em 2 de maio, com divulgação de resultados no mesmo mês, mas o Sindicato teme suspensão das vagas devido à crise e não tem previsão de quando os trabalhadores iniciarão as atividades.

Nesta terça-feira 6, o IBGE anunciou a suspensão das provas do concurso para o Censo 2021, que seriam realizadas em 18 e 25 de abril. O processo oferece vagas para 17 mil agentes censitários e 182 mil recenseadores. De acordo com o Instituto, a suspensão das provas decorre do corte de 96% no seu orçamento aprovado no Congresso Nacional. O processo em si, no entanto, ainda não foi cancelado.

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