Política

Crise energética pode acelerar enfraquecimento de Bolsonaro, diz especialista

Para Josué Medeiros, professor da UFRJ, a soma de crises pode inviabilizar os planos do presidente de se aproveitar do avanço da vacinação

Crise energética pode acelerar enfraquecimento de Bolsonaro, diz especialista
Crise energética pode acelerar enfraquecimento de Bolsonaro, diz especialista
O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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A crise no setor energético brasileiro, que nos últimos dias levou a um reajuste nas tarifas e à edição de uma medida provisória extraordinária, pode impactar também a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A avaliação é de Josué Medeiros, professor de Ciência Política da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia Brasileira.

Nesta terça-feira 29, a Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou um reajuste na bandeira tarifária vermelha patamar 2. A cobrança extra saltou de 6,24 reais para 9,49 reais a cada 100 kWh consumidos. A alta chega a 52%.

Na véspera, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão para pedir que, “além dos setores do comércio, de serviços e da indústria, a sociedade brasileira participe desse esforço, evitando desperdícios no consumo de energia elétrica”.

Albuquerque também disse que sua pasta está “finalizando o desenho de um programa voluntário que incentiva as empresas a deslocar o consumo dos horários de maior demanda de energia para os horários de menor demanda”. Segundo o ministro, o Brasil passa pela pior escassez de água nas hidrelétricas em 91 anos.

A percepção sobre a crise no setor energético está intimamente ligada ao modo como Jair Bolsonaro escolheu governar o País, logo após sua vitória eleitoral, em 2018.

“Nós, da ciência política, estamos falando desde 2019 sobre uma característica importante do Bolsonaro, que é não governar para todos, mas apenas para a minoria que o segue”, afirmou o professor Josué Medeiros em contato com CartaCapital. “Ele prometeu guerra ao sistema para essa minoria e apostou que manter essa guerra por quatro anos manteria o apoio desses 30% e o garantiria no 2º turno”.

Essa é a razão pela qual, segundo o especialista, o presidente não apresenta quaisquer políticas públicas estruturantes, nem se preocupa em organizar o Estado para a maioria da população.

Na pandemia, esse comportamento ficou ainda mais claro, ilustrado pelo boicote a medidas recomendadas por especialistas. A demora na aquisição de vacinas é um dos principais exemplos.

“Mas isso se expressa também nas demais dimensões do Estado, para além da pandemia. O Enem, a crise nas universidades, o Censo do IBGE. A possibilidade de racionamento energético é só mais um exemplo”, pontua Medeiros.

O governo tem negado a possibilidade de adotar um racionamento compulsório de energia. Até aqui, a aposta é em um ‘racionamento voluntário’, como indicado pelo ministro Bento Albuquerque.

Por meio de uma medida provisória editada nesta segunda-feira 28, Bolsonaro criou um grupo extraordinário composto por diversos ministérios para atuar durante as crises energética e hídrica. Trata-se da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, presidida por Bento Albuquerque.

Farão parte do grupo os ministros Paulo Guedes (Economia); Tarcísio de Freitas (Infraestrutura); Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento); Joaquim Álvaro Pereira Leite (Meio Ambiente); e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Essa câmara poderá, entre outras coisas, definir limites de uso, armazenamento e vazão das usinas hidrelétricas.

Para o professor Josué Medeiros, a crise energética, somada às crises social, sanitária e política e ao retorno do ex-presidente Lula ao xadrez eleitoral, “começa a afetar a popularidade [de Bolsonaro] a ponto de ameaçar esse patamar de 25 a 30% que ele sempre manteve”.

“A soma dessas crises com a falta de luz e a continuidade das manifestações de rua pode inviabilizar os planos do Bolsonaro de se aproveitar do avanço da vacinação e da retomada econômica, até porque a crise energética tende a prejudicar a economia”.

De acordo com Medeiros, em uma situação normal, uma crise energética seria administrável pelo governo. “Mas nessa convergência de múltiplas crises o racionamento de luz é mais um elemento a enfraquecer Bolsonaro”.

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