Política

CPI vai desgastar Bolsonaro, mas não deve levar a impeachment

Para Glauco Peres da Silva, o impacto das investigações será mais provável na eleição presidencial do ano que vem

Foto: EVARISTO SA / AFP
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A CPI da Covid instalada na terça-feira 27 pelo Senado para investigar a gestão da pandemia da Covid-19 pelo governo federal tem potencial para abalar a imagem de Jair Bolsonaro e de seu governo. No entanto, o calendário político e a base de apoiadores fiéis tornam pouco provável o avanço dos vários pedidos de impeachment contra o presidente, avalia o cientista social da USP, Glauco Peres da Silva.

Adotada a pedido do Supremo Tribunal Federal, a CPI da Covid deve oferecer à opinião pública um embate entre os senadores da oposição e independentes com os governistas, minoria na Comissão Parlamentar de Inquérito. A CPI da Covid terá 90 dias, prorrogáveis, para investigar principalmente as omissões do governo no combate à pandemia e repasses de recursos a estados e municípios.

Para Peres da Silva, o aspecto determinante desta CPI será a maneira como o bloco oposicionista vai conseguir lidar com as tentativas do executivo e da bancada de apoio ao presidente de barrar qualquer tipo de investigação.

“A gente vai ver um debate tenso e principalmente muito público desses dois grupos dentro da CPI. Por um lado o governo tentando segurar e por outro, principalmente os (senadores) da oposição tentando de alguma forma levantar evidências que possam incriminar ou indicar um crime de responsabilidade do presidente”, prevê o cientista social.

A Comissão será presidida por Omar Aziz (PSD-AM) e terá Renan Calheiros (MDB-AL) como relator. Mesmo antes da confirmação dos membros que vão conduzir os trabalhos, a movimentação política já era sentida como “um golpe” pelo executivo, segundo o professor. Apesar de se mostrar na defensiva, o governo também já colocou em campo sua estratégia.

“O executivo está tentando se blindar e tem peças-chave em várias posições, como na Procuradoria-Geral e na Polícia Federal, tentando de alguma maneira contar com esses aliados para tentar impedir que uma investigação como essa possa levar a um prejuízo maior. Dentro da CPI vai haver muito barulho e muito levantamento de informação que deve ser negativa para o presidente”, avalia.

“A expectativa é de saber se o trabalho vai ser bem feito, se vai poder levantar informações e criar o ambiente que a oposição deseja, de contestação do executivo”, acrescenta.

CPI e impeachment

A CPI da Covid e seus resultados podem interferir na análise de pedidos de impeachment que se acumulam na Câmara dos Deputados, mas o calendário político é favorável ao presidente, afirma o analista da USP.

“Estamos no final de abril, início de maio. Daqui a pouco mais de um ano estaremos às vésperas da eleição. O que provavelmente vai acabar acontecendo é que não haverá tempo hábil para que se investigue e dê prosseguimento a uma apuração para um impeachment. Esse é o cenário mais provável. A não ser que a popularidade do presidente caia a níveis muito baixos, o que tem sido difícil. Ele tem mantido um ‘colchão’ relativamente estável de 20% de aprovação de seus eleitores mais fiéis”, calcula.

Para Peres da Silva, não resta dúvidas que diante da gestão polêmica da pandemia, as investigações dos senadores deverão provocar um “desgaste grande do executivo” e seu impacto será mais provável na eleição presidencial do ano que vem. No entanto, a configuração política dependerá ainda da disputa de narrativas para os eleitores.

“A estratégia do presidente é a de disputar interpretações sobre as coisas, menos os fatos em si. Como o discurso dele contra a corrupção em meio a denúncias de rachadinhas. O que importa é desmoralizar quem fala. A questão é quais as evidências serão trazidas para que elas possam ser contundentes o suficiente para impedir que esse discurso prevaleça junto a parcela de seu eleitorado”, diz.

O cientista social mantém um certo ceticismo sobre eventuais mudanças de Bolsonaro em sua política sanitária e de combate à pandemia a partir das investigações e conclusões da CPI da Covid.

“A gente não sabe o que mais tem que acontecer para que o governo federal decida se mexer, ou fazer diferente do que vem sendo feito, para além de ficar dizendo que a culpa é dos governadores e dos prefeitos. A presença do Lula foi um fator e a CPI pode ser um segundo fator que provoque no executivo uma mudança de postura, que estava muito confortável e a oposição com pouco espaço. A CPI pode ter um peso suficiente e vai depender da condução e da divulgação pelos seus membros, se eles foram coordenados, coesos e fizeram um trabalho adequado. Mas se atuarem de maneira separada e independente, não será mais a CPI falando, serão os membros, e aí ficaria mais difícil”, conclui.

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