Justiça
Cortes superiores fazem jogo de empurra e mantêm Lula na prisão
Ao adiar o julgamento da prisão em 2ª instância, Supremo devolveu a batata quente para o STJ. E o ex-presidente segue preso


Encarcerado há um ano, Lula é vítima de um jogo de empurra nas cortes superiores. O Superior Tribunal de Justiça pode julgar a qualquer momento uma apelação do ex-presidente contra a sua condenação a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Há tempos o recurso está pronto para ser analisado pela Quinta Turma do STJ, mas o colegiado parece aguardar o julgamento do Supremo sobre a validade da prisão após condenação em segunda instância, que estava previsto para 10 de abril.
Após um pedido de adiamento feito pela Ordem dos Advogados do Brasil, autora de uma das ações sobre o tema, o presidente do STF, Dias Toffoli, retirou a matéria da pauta e devolveu a batata-quente para o STJ. Lula que aguarde em Curitiba… “Estou habilitado a relatar e votar desde 2017. Processo, para mim, não tem capa, tem conteúdo”, reagiu o ministro-relator Marco Aurélio Mello, visivelmente contrariado com mais uma protelação.
Na ocasião, os ministros da Suprema Corte teriam de decidir entre manter o entendimento atual, que permite as prisões após decisão em segundo grau, ou voltar ao entendimento que prevaleceu até 2016, segundo o qual a pena só começa a ser cumprida após o esgotamento de todos os recursos. Neste caso, Lula poderia aguardar em liberdade a análise de suas apelações nas cortes superiores. Aventa-se, ainda, uma alternativa feita sob medida para a ocasião: autorizar a prisão após condenação na “terceira instância”, como é conhecido o STJ.
Toffoli e Gilmar Mendes
Essa exótica tese foi apresentada por Toffoli ainda no ano passado, e conta com a simpatia de outros ministros, a exemplo de Gilmar Mendes. Ou seja, se o STJ rejeitar a apelação de Lula, o ex-presidente seguiria preso, não importa o que o Supremo venha a decidir. Quando se consulta o texto constitucional, essa não parece uma decisão tão difícil. Em seu artigo 5º, a Constituição diz claramente: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
A apelação no STJ
No recurso especial ao STJ, a defesa apresenta numerosas teses jurídicas para rebater as acusações contra Lula, condenado por um apartamento que nunca lhe pertenceu, sequer chegou a passar uma noite no local. Uma delas é a impossibilidade de se cogitar crime de corrupção sem a identificação de um ato de ofício que tenha sido praticado em contrapartida a uma vantagem indevida. Em outras palavras, não está claro o que o ex-presidente fez, no exercício das funções públicas, para beneficiar as empreiteiras que supostamente o corromperam.
Na primeira instância, o então juiz Sergio Moro, hoje funcionário de Jair Bolsonaro, chegou a mencionar “atos indeterminados”, figura desconhecida do ordenamento jurídico. A sentença condenatória do TRF da 4ª Região, por sua vez, afirma que o ex-presidente teria praticado atos de ofício ao nomear os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró. “É um grande equívoco, pois quem nomeia e destitui diretores da Petrobras é o Conselho de Administração da companhia”, diz o advogado Cristiano Zanin Martins, defensor de Lula.
“Além disso estar expressamente previsto na Lei das Sociedades Anônimas, fizemos a prova de que aqueles ex-diretores foram nomeados por votação unânime do Conselho de Administração da Petrobras, ou seja, pelos membros indicados pela acionista majoritária, a União, e também pelos acionistas minoritários”, emenda.
No caso do sítio em Atibaia, a juíza substituta Gabriela Hardt tampouco apontou o ato de ofício de Lula ao condená-lo, em primeira instância, a 12 anos e 11 meses de prisão. Pior: copiou trechos da sentença de Moro, como comprova uma perícia encomendada pela defesa do ex-presidente, além de citar “depoimentos prestados pelos colaboradores e co-réus Leo Pinheiro e José Adelmário”, como se fossem pessoas diferentes. Leo é o apelido de Adelmário. A magistrada parece ter clonado o delator…
Repercussão do caso no exterior
Lula também aguarda um posicionamento do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o seu caso. Na reclamação apresentada pela defesa do ex-presidente, são apontadas numerosas violações ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, como a ausência de um juízo imparcial e o desrespeito à presunção de inocência do acusado. Composto por 18 juízes de diferentes nacionalidades, o grupo se reúne três vezes por ano.
Sérgio Moro
Ao longo do processo, pronto para ser julgado, os advogados de Lula fizeram diversas atualizações. Recentemente, levaram ao conhecimento do Comitê as circunstâncias envolvendo a nomeação do ex-juiz Sergio Moro para o cargo de ministro da Justiça de Bolsonaro, principal beneficiário político da prisão de Lula.
Não que este julgamento possa mudar o destino do ex-presidente. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral mandou às favas o protocolo internacional e indeferiu a candidatura de Lula mesmo após o Comitê da ONU determinar que o Estado brasileiro lhe assegurasse o pleno exercício dos direitos políticos enquanto estivesse preso.
Líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, Lula não apenas foi impedido de concorrer, mas também censurado. Responsável pela Execução Penal, a juíza Carolina Lebbos o impediu de conceder entrevistas nas eleições. E tudo ficou por isso mesmo.
Na verdade, a lei tem sido sistematicamente desrespeitada desde a fase de investigação, para o escândalo da comunidade jurídica internacional. Em artigo publicado por CartaCapital há um ano e meio, o jurista italiano Luigi Ferrajoli, professor da Universidade de Roma e um dos mais categorizados alunos de Norberto Bobbio, viu em Moro a figura de um “juiz inquisidor, que em violação ao princípio ne procedat iudex ex officio promove a acusação, formula as provas, emite mandatos de sequestro e de prisão, participa de conferência de imprensa ilustrando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a condenação de primeiro grau”.
O “inquisidor” abandonou a magistratura e, hoje, despacha ao lado de Bolsonaro, com a promessa de que irá ocupar uma cadeira no Supremo assim que abrir uma vaga. Não há como negar: o cabo eleitoral fez jus ao prêmio.
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